quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Resposta ao artigo o 'Fim do Mestrado': continuando o debate

De uma leitora deste blog, recebo um artigo em resposta ao que ontem publiquei sobre o fim dos mestrados. Márcia (UFPE), muito obrigado pela leitura deste espaço. O artigo-resposta é de Lenio Luiz Streck, da UNISINOS e ex-integrante de um comitê de área da CAPES. Com uma pitada de ironia, ele faz um "good point". A seguir, vale a pena a leitura.




 O FIM DOS MESTRADOS E O TAMANHO DAS GOLEIRAS*
Lenio Luiz Streck**


Certa vez, preocupado com a falta de gols, o Presidente da FIFA pensou em uma solução: aumentar o tamanho das goleiras. À época, cheguei a sugerir que, em vez disso, poderíamos proibir os goleiros de terem mais de um metro e meio, o que daria o mesmo resultado. E o futebol ficaria (formalmente) mais "eficiente". 


Ora, lendo o artigo do Prof. Naomar de Almeida Filho propondo o fim dos mestrados,  recordei-me da FIFA. Ou seja, já que precisamos de doutores (embora não seja isso que conste explicitamente no texto, pois se trata mais de uma defesa dos mestrados profissionalizantes-MP), por que não acabar com os mestrados e alçar todos os graduados diretamente ao mais alto patamar? Pergunto: alguém acha que, pelo simples fato de acabar com os mestrados, melhoraríamos o nível da pós-graduação? 

O fato de o mestrado ter sido criação da ditadura militar não lhe retira a importância. O mestrado de hoje já não é o mesmo. Não há dúvidas de que o mestrado fez com que melhorasse o nível do doutorado. O mestrado (acadêmico) não é  uma "licenciatura exótica" (sic), como quer fazer crer o Prof. Naomar. Trata-se de um importante passo para a formação plena de docentes e de profissionais não docentes. A exigência do mestrado é diferente da de um doutorado. Não se estuda Aristóteles no mestrado do mesmo modo (profundidade) que no doutorado. A teoria aristotélica não muda; seu nível de aprofundamento é que se altera. 

No limite, poder-se-ia aceitar a tese do Prof. Naomar para algumas áreas. Mas para  as áreas das Ciências Sociais Aplicadas (em especial, para o direito), a retirada do mestrado acadêmico seria um desastre. Com a proposta, um aluno sai da graduação e vai ou para um mestrado profissionalizante, ou para o doutorado. 

É isso? E com que bagagem iria para o doutorado? Já temos problemas com alunos que "pulam" diretamente do mestrado para o doutorado ou com doutorados que não exigem que o aluno curse disciplinas. E, fora daqui, há países como a Espanha que, na área do direito, extinguiram o mestrado. O resultado não é animador (na verdade, os doutorados de lá são feitos para "exportação" - a maioria dos alunos vão daqui da A. Latina, sendo que em alguns diplomas consta: no valido em território nacional...!). Mais: veja-se os dottorati de ricerca da Itália: os alunos fazem durante o doutorado um masters, exatamente para compensar a falta do mestrado autônomo e dos créditos em disciplinas de doutorado, já que o doutorado é de pesquisa (veja-se a falta que faz o mestrado); na França, o DEA virou uma espécie de preparação para o doutorado.  Já por aqui - e falo especificamente do direito - , corremos o risco de recebermos uma enxurrada de diplomas  de doutorados semi-presenciais e/ou à distância de duas universidades argentinas (além de uma do Paraguai), em "convênios" (sic) com IES brasileiras. Uma delas (da Argentina) oferece, em anúncio em São Paulo, 160 vagas de uma só vez (veja-se: terrae brasilis, com 17 doutorados, oferece por volta de 230 vagas/ano...!) E, atenção: correm boatos que esses diplomas serão validados em Pindorama. Agora vai! Viva o complexo de Caramuru.

Embora essas questões relativas à área do direito não tenham relação com o artigo do Prof. Naomar, vale o contexto, e nesse sentido, a contribuição do Professor é, sim, valiosíssima, porque estabelece o debate. Aliás, um necessário debate. Sei que o Professor Naomar não disse que queria que os alunos que saem da graduação ingressem direto no doutorado. Mas dá para inferir isso. Devemos debater, sim. Sua preocupação é mais do que válida, quando refere a necessidade de MP's. etc. Mas, mesmo assim, estes não servem - mas não servem mesmo - para áreas como o direito, filosofia, teologia, sociologia. Podem ser bons para a epidemiologia, engenharia, administração, etc.

Penso que nossos mestrados funcionam muito bem. Há como fazer uma boa graduação sem professores mestres bem formados? Há problemas? Muitos. Mas extinguir os mestrados acadêmicos agravará a crise. Inspirarmo-nos no Protocolo de Bologna é sucumbir a modelos, estes sim, exóticos. O que é bom para Europa é bom para o Brasil?  Pergunte-se aos maiores professores de lá se eles concordam com esse "encurtamento na formação" constante no protocolo. Bologna é o caos. 
Numa palavra: como no caso da FIFA, eu prefiro apostar na melhoria da pontaria dos atacantes. Treinando mais, eles haverão de fazer mais gols. Há sempre um longo caminho a percorrer. Fico preocupado com teorias eficientistas. Aliás, em várias ramos do conhecimento, sabemos o que representa buscar eficiência a qualquer preço.

----------------------
** Lenio Luiz Streck, Doutor em Direito, Professor Titular da UNISINOS-RS, membro, por seis anos, do Comitê da CAPES, área do direito.

Um comentário: