quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Professor-educador ou babá?

Tal como o autoritarismo, o paternalismo assistencialista  é algo extremamente nocivo para a formação dos estudantes. O primeiro desconsidera o educando em si; o segundo, atrofia o desenvolvimento autônomo dos estudantes, não os preparando para os desafios da atuação profissional e da vida. O paternalismo assistencialista  afrouxa as exigências necessárias para uma formação acadêmica competente (servindo também, às vezes, para enrolar aula) e tende a uma permanente infantilização da relação educativa, mesmo quando os estudantes não são criancinhas, e sim adultos, como ocorre em certos ambientes universitários. Daí tem-se mais ou menos a seguinte situação: fora da sala de aula, os alunos são tão adultos como o professor (muitos inclusive têm filhos) e o seu universo de sociabilidade nada tem de criancice (das coisas do mundo, já sabem a fundo, poder-se-á dizer). Porem, o paternalismo assistencialista  descarrega tintas na infantilização da relação pedagógica, como se estivesse lidando com crianças inocentes. Quanta bobagem! (nalguns casos é hipocrisia mesmo). Disto, pode-se entender uma certa aversão que há, na EJA, a determinadas posturas docentes que teimam em tratar adultos como infantes. Pois bem, por estas e outras, o Prof. estadunidense Ron Clark, numa atitude sensata e de coragem acadêmica (coisa tão em baixa cá pelos trópicos), saiu a terreiro com um artigo afirmando o seguinte: "Professores são educadores, não babás'. Transformou-se num dos artigos mais compartilhados  no facebook em 2011. Disse o que tinha de ser dito. Abaixo, reproduzo uma entrevista com ele. 

Professores são educadores, não babásRon Clark e seus alunos: em defesa de mais cooperação entre pais e professores

Ron entre alunos


"Hoje, existe uma preocupação grande com a autoestima da criança. Por isso, muitas pessoas se veem obrigadas a dizer aos pequenos que eles fizeram um ótimo trabalho e que são brilhantes, mesmo quando isso não é verdade"

O segundo artigo mais compartilhado em 2011 por usuários americanos do Facebook foi escrito por um professor, Ron Clark (o primeiro trazia fotos da usina de Fukushima). Mais de 600.000 pessoas curtiram o texto na rede, escrito a pedido da rede de TV CNN e intitulado "O que os professores realmente querem dizer aos pais". O artigo descreve um cenário de guerra, travada entre pais e professores. Na visão de Clark, os pais vêm transferindo suas responsabilidades para a escola, sem, contudo, aceitar que seus filhos se submetam de fato às regras da instituição. Por isso, assim que surge a primeira nota vermelha ou uma advertência, invadem a sala de aula culpando os professores – a pretexto de preservar a reputação e o orgulho de seus filhos. "Precisamos estar mais atentos à excelência acadêmica e menos preocupados com a autoestima das crianças", diz o professor, na entrevista concedida a VEJA.com e reproduzida a seguir. "Essas crianças deixam de aprender que é preciso se esforçar muito para conseguir bons resultados. No futuro, elas não terão sucesso porque, em nenhum momento, exigiu-se excelência delas." Clark conhece sua profissão. Aos 39 anos, vinte deles dedicados à carreira, o americano já lecionou na zona rural da Carolina do Norte, nos subúrbios de Nova York e atualmente comanda uma escola modelo no estado da Geórgia que oferece treinamento a educadores. Graças à função, manteve, desde 2007, contato com cerca de 10.000 educadores de diversas partes do mundo, incluindo brasileiros.

Em seu artigo, o senhor fala de um ambiente escolar em que pais e professores não se entendem mais. O que tornou a situação insustentável, como o senhor descreve? A sociedade se transformou. Hoje, vemos pais muito jovens, temos adolescentes que se veem obrigados a criar uma criança sem ao menos estarem preparados para isso. São pessoas imaturas. Por outro lado, temos famílias abastadas, em que pais trabalham fora e são bem-sucedidos profissionalmente. Pela falta de tempo para lidar com os filhos, empurram toda a responsabilidade da educação para a escola, mas querem ditar as regras da instituição. Ou seja, eles querem que a escola eduque, mas não dão autonomia a ela.

Que tipo de comportamento dos pais irrita os professores? Acho que o ponto principal são as desculpas que os pais criam para livrar os filhos das punições que a escola prevê. Se um aluno tira nota baixa, por exemplo, ou deixa de entregar um trabalho, os pais vão à escola e descarregam todo tipo de desculpa: dizem que o filho precisava se divertir, que a escola é muito rigorosa ou que a criança está passando por um momento difícil. Ou, ainda, culpam os professores, dizendo que eles não são capazes de ensinar a matéria. Mas nunca culpam seus próprios filhos. É muito frustrante para os professores ver que os pais não querem assumir suas responsabilidades.

Problemas com notas são bastante frequentes? Sim. Certa vez tive uma aluna que estava indo mal em matemática. A mãe dela justificou-se dizendo que, na escola em que a filha estudara antes, ela só tirava boas notas, sugerindo, assim, que o problema éramos nós, os novos professores. Infelizmente, essa ideia se instalou na nossa sociedade. Se a nota é boa, o mérito é do aluno; se é baixa, o problema está com o professor. E quando as notas ruins surgem, os pais ficam furiosos com os professores. O resultado disso é que muitos profissionais estão evitando dar nota baixa para não entrar em rota de colisão com os pais, que nos Estados Unidos chegam a levar advogados para intimidar a escola.

Os pais poupam os filhos de lidar com fracassos? Hoje, existe uma preocupação grande com a autoestima da criança. Por isso, muitas pessoas se veem obrigadas a dizer aos pequenos que eles fizeram um ótimo trabalho e que são brilhantes, mesmo quando isso não é verdade. Essas crianças deixam de aprender que é preciso se esforçar muito para conseguir bons resultados. No futuro, elas não terão sucesso porque, em nenhum momento, exigiu-se excelência delas. Precisamos estar mais atentos à excelência acadêmica e menos preocupados com a autoestima das crianças.

Que conselho o senhor dá aos professores? É possível evitar que os pais surtem diante de notas ruins e do mau comportamento dos filhos se for construída uma relação de confiança. Em vez  de só procurar os pais quando as crianças vão mal na escola, oriento que os professores conversem com os responsáveis também quando a criança vai bem. Na minha escola, procuro conhecer os pais de todos os meus alunos. Procuro encontrá-los com frequência e envio cartas a eles com boas notícias. Assim, quando tenho que dizer que a criança não está rendendo o esperado, eles me darão credibilidade e confiarão na minha avaliação.

É possível determinar quando termina a responsabilidade dos pais e começa a da escola? As duas partes precisam trabalhar em conjunto. Os pais precisam da escola e a escola precisa do apoio da família para realizar um bom trabalho. Um conselho que sempre dou aos pais é que nunca falem mal da instituição de ensino ou do professor na frente dos filhos. Se a criança ouve os próprios pais desmerecerem seus mestres, perde o respeito por eles. O contrário também é verdadeiro. Os professores precisam respeitar os pais, porque eles são parte fundamental na educação de uma criança.

Em algumas situações a discussão sobre responsabilidades da família e da escola surge com muita força. Em casos de bullying, por exemplo, pais e professores trocam acusações. Sobre quem recai a maior parte da responsabilidade nesses casos? A minha resposta novamente é que precisamos trabalhar em conjunto. Quando o bullying acontece na escola, é obrigação dos professores intervir imediatamente. Mas muitos não agem assim porque querem evitar conflitos com os pais. E isso é muito grave. O bullying está devastando nossas crianças. Precisamos combatê-lo. Para que os professores tenham liberdade para agir, precisam do apoio dos pais. Mas você sabe o que acontece? Muitas vezes, quando os pais são chamados na escola para serem alertados de que seu filho está praticando bullying contra um colega de classe, o que ouvimos é: "Mas qual o problema disso? Tenho certeza de que outros colegas também zombam do meu filho e ele não se sente mal por isso." Mais uma vez, vemos os pais se esquivando da responsabilidade.

A que o senhor atribui o sucesso do artigo que estourou no Facebook? Eu escrevi o que todos os professores tinham vontade de dizer aos pais, mas não podiam dizer, porque isso os enfureceria. O que eu fiz foi dar voz a milhões de profissionais. Fiquei sabendo que muitas escolas imprimiram o texto e enviaram uma cópia a cada família. Na internet, pessoas de outros países também compartilharam a minha mensagem.

O senhor criou uma escola modelo, a Ron Clark Academy. Como é a relação de seus professores com os pais? Procuramos estabelecer uma relação próxima. Como eu disse, estamos constantemente em contato com os pais, nos bons e nos maus momentos. Também promovemos encontros semanalmente, nos quais ofereço aos pais a oportunidade de assistir a uma aula na escola, destinada exclusivamente a eles, para que acompanhem o que está sendo ensinado a seus filhos. Ou seja, trabalhamos muito para conquistar uma relação harmônica. Não estou dizendo que é fácil lidar com os pais. Alguns deles podem ser bem malucos.

O senhor, na sua escola, recebe professores de diversas partes dos Estados Unidos e também de outros países, como o Brasil. Além dos problemas de relacionamento com os pais, do que mais professores de todo o mundo reclamam? As avaliações tiram o sono dos professores. Não sei exatamente como funciona no Brasil, mas nos Estados Unidos os professores são constantemente cobrados a melhorar o desempenho de suas escolas em testes padronizados. E todo o processo educacional passa a girar em torno de algumas provas. Isso é massacrante, para os alunos e para os professores. Os professores precisam de mais diversão na sala de aula.
-----------------

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário