segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O tempo da espera e do crepúsculo: Nick Cave e a passagem de Bunny Munro

Quem acompanha o Nick Cave musical, por certo tomará gosto pelo Cave literato. Há na vida o tempo da espera e do crepúsculo. Em A Morte de Bunny Munro, ele torna, digamos, a literatura face da realidade como ela é. Nua e crua. Abaixo, reproduzo uma resenha do livro - e para não esquecer o Cave musical, posto também a sua toccata 'Are you the one that I've been waiting for?' 






Por Ana Death Duarte

Como diria o Nick Cave… “Eu não vou falar a vocês sobre uma garota…” (Im not gonna tell you about a girl…)
Não, por mais que eu pudesse me estender com uma bela introdução sobre quem é Nick Cave e sua importância musical e como ele também escreve boas histórias, agora no seu segundo livro – o primeiro lançado no Brasil, “A Morte de Bunny Munro”… Bem, não vou falar a vocês sobre o Nick Cave.
Eu vou direto ao ponto e discorrer sobre o livro em si, sua história, sua trama, enfim, os pontos altos que fazem com que tanto os fãs de Nick Cave quanto os fãs de uma boa obra de literatura descendente direta dos gênios como Bukowski e Henry Miller, os grandes malditos, desbocados e incríveis, que mostram os podres do ser humano e do mundo vão acabar amando.
Começo dizendo que concordo e discordo com a critica do THE TIMES. Não, não é o mais livro mais obsceno que já li na minha vida, como foi dito lá. Mas concordo que seja “engraçado, chocante e comovente, com uma narrativa rica e de tirar o fôlego.” Especialmente nas últimas cem páginas, chegando ao ápice com a morte do personagem principal (isso não é spoiler, afinal, está no título!), quando eu simplesmente não conseguia largar o livro!
Bunny Munro é um canalha. Decadente. O livro é um retrato de sua descida ao inferno na Terra após o suicídio de sua mulher.
Ignorando a decadência do mundo a seu redor, e sua própria decadência Bunny segue numa espécie de viagem em direção a seu próprio fim. Sim, Bunny é mesmo o nome dele. E do filho. Ele tem mania de fazer imitação de coelho, com as mãos no lugar das orelhas, balançando-as mesmo que nem um bobo… para suas clientes. Bunny Munro vende cosméticos… bom, dá para imaginar um pouco o quanto vai se dar mal depois que a esposa se mata (por causa dele) e ele começa a ver seu fantasma por todos os lugares aonde vai…
É um livro não indicado para quem não consegue lidar com histórias não felizes. Não é intenção na obra mostrar um “e foram felizes para sempre”, e isso fica claro desde o começo. Aliás, desde o título, não acham?
Quem busca histórias felizes, romances ‘água com açúcar’ apenas não vai gostar da história de Bunny Munro. Mas, por outro lado, quem curte o retrato da realidade nua e crua, sem máscaras, vai se deliciar com a história! As situações em que Bunny e seu filho se metem não são nada agradáveis – e isso porque a vida nem sempre é um mar de rosas.
E por isso eu não recomendo esse livro? CLARO QUE RECOMENDO!
Quem gosta de uma história poética, apesar de muitas vezes obscena, quem curte uma realidade desnudada em palavras… ah, quem gosta desse estilo VAI AMAR esse livro! E os fãs da música e das letras de Nick Cave também, assim como os amantes da literatura desbocada e humana de Bukowski e H. Miller.
No começo, o personagem principal parece um ser desprezível. Ele é, como eu comecei a dizer, basicamente um canalha! Mas Nick Cave consegue (pelo menos eu me senti assim) fazer, com o decorrer da história, com que o leitor sinta piedade de Bunny, por sua vida triste e sem sentido. E é na morte que talvez ele acabe encontrando uma forma de redenção por sua canalhice. Ou não.
Morte essa que chega como surpresa, apesar de ser declarada logo no título. E é nessa hora que toda a verve poética de Nick Cave transborda em belas páginas pelas páginas finais. Momento esse em que conseguimos visualizar seu fim como o final perfeito para um livro (em uma linguagem tão visual, tão poética e cheia de detalhes que daria um ótimo final de filme também).
Bem, esse final digno de filme me fez lembrar da participação épica de Nick Cave em “Asas do Desejo”, de 1987. Um filme sobre anjos nada clichê do alemão Wim Wenders. Não viu? Corra atrás e veja. E não aquela versão Hollywoodiana ruim “Cidade dos Anjos”. E eu ainda faço um post sobre “Asas do Desejo”, porque esse filme merece um post só pra ele!
“A Morte de Bunny Munro”, mais as músicas do Nick Cave, pra matar a saudade… mais “Asas do Desejo”. Uma espécie de kit para deixar os fãs de Nick Cave and the Bad Seeds bem feliz. E os fãs de boa literatura, com uma magnífica obscenidade artística… também!

Confiram o primeiro capítulo a seguir. Mas antes, alguns trechos que selecionei, só para atiçar a vontade:
No entanto, Bunny percebe que houve uma mudança na voz de sua mulher; os violoncelos suaves deram lugar a um violino agudo e estridente, tocado por um macaco em fuga ou algo do gênero.
Que descrição belíssima, não? A maestria do texto é incrível. Prosa poética da mais alta qualidade.
Uma prova do otimismo irreprimível de Bunny é que os dias de glória do namoro dos dois se recusam a ser suprimidos pelas tribulações do presente, de modo que, independentemente de quanta merda entre em contato com o ventilador matrimonial, quando Bunny pensa em sua mulher, o traseiro dela é sempre mais firme, os peitos têm formato de torpedos e ela ainda tem aquela mesma risadinha de menina e aqueles olhos alegres, cor de alfazema. Uma bolha de alegria explode na sua barriga quando ele sai do estacionamento e desemboca no glorioso sol litorâneo. O dia está bonito, e sim, ele ama sua mulher.
Eu havia selecionado muito mais trechos, mas não quero estragar o prazer da surpresa e do deleite do leitor quando estiver com o livro em suas mãos.
----------

Nenhum comentário:

Postar um comentário