Aí abaixo, dois artigos recentes, e instigantes, sobre universidade e a produção científica brasileira, e que merecem reflexão. Da parte de estudantes (da graduação à pós-graduação) e professores, sobretudo os que se colocam na esfera da pesquisa. Na verdade, a expressão pesquisa tem sido tão banalizada que "tudo" é apresentado como pesquisa. E essa talvez seja uma das razões (entre várias outras) da mediocridade referida pelos autores dos artigos. Não concordo de todo com o segundo texto, do Prof. Rogério Cezar de Cerqueira Leite, como, por exemplo, no que diz respeito à necessidade de descentralizar os espaços científicos no país, interiorizando a vida acadêmica e a produção científica. Contudo, isso não significa desconhecer relevância em aspectos por ele realçados. Do que é evidenciado, seria possível discutir também os efeitos da produção científica em 'ritmo industrial', assim como o lucrativo mercado de eventos "acadêmicos". E mais: de como a educação tem se transformado em um negócio, onde o que menos importa é a efetiva formação dos estudantes.
Brincando
de ciência
Por Hélio Schartsman
(Autor de Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena)
(Autor de Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena)
Todo sistema traz em si sua própria
perversão. O mundo acadêmico não é exceção à regra.
Universidades dos
grandes centros precisam alocar os recursos disponíveis segundo critérios de
competência. O problema é que aferir mérito não é tão fácil. Elas até que
tentaram, criando um complexo sistema de publicação de artigos científicos no
qual cada trabalho submetido é revisado por especialistas para assegurar sua
relevância e correção. Autores que publicam mais e cujos artigos recebam mais
citações ganham não apenas mais prestígio como também melhores salários,
condições mais vantajosas de trabalho e mais verbas para seus laboratórios.
Como isso pode
significar bastante dinheiro, dos anos 2000 para cá tem proliferado uma
indústria de periódicos predatórios, que se oferecem para, em troca de uma taxa
que costuma ficar na casa das centenas de dólares, publicar trabalhos de
autores que não encontraram espaço nos "journals" mais rigorosos.
Eles afirmam seguir os consagrados procedimentos de revisão por pares, mas
sabemos que isso é mentira.
Cientistas com senso
de humor costumam submeter artigos-trote que acabam sendo publicados. No mais
recente desses casos, dois "journals" publicaram um amontoado de
termos científicos gerados por computador que não fazia sentido gramatical nem
técnico assinado por dois personagens de "Os Simpsons" e por um certo
Kim Jong Fun.
Um pouco antes, outro
periódico publicou um artigo intitulado "Get me off Your Fucking Mailing
List" (me tire dessa p... dessa lista) que repetia essa expressão ao longo
de todas as suas páginas.
Apesar dos momentos
de diversão que esses "journals" nos proporcionam, sua existência é
ruim porque erode a confiança do sistema. Hoje os avaliadores precisam andar
com listas dos periódicos picaretas debaixo do braço e sempre há o risco de
deixarem passar algo que não deveria.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2015/01/1569975-brincando-com-a-ciencia.shtml
Produção
científica e lixo acadêmico no Brasil
Por Rogério Cezar de Cerqueira Leite
(Professor Emérito da Unicamp)
(Professor Emérito da Unicamp)
Dois artigos publicados recentemente pela revista
britânica "Nature", especializada em ciência, deixam o Brasil e, em
especial, a comunidade acadêmica brasileira, profundamente envergonhados.
A "Nature" nos acusa, em primeiro lugar,
de produzir mais lixo do que conhecimento em ciência. Nas revistas mais severas
quanto à qualidade de ciência, selecionadas como de excelência pelo periódico,
cientistas brasileiros preenchem apenas 1% das publicações.
Quando se incluem revistas menos qualificadas,
porém, ainda incluídas dentre as indexadas, o Brasil se responsabiliza por
2,5%. O que a "Nature" generosamente omite são as publicações em
revistas não indexadas, que contêm número significativo de publicações
brasileiras, um verdadeiro lixo acadêmico.
O segundo golpe humilhante para a ciência
brasileira exposto pela revista se refere à eficiência no uso de recursos
aplicados à pesquisa. Dentre 53 países analisados, o Brasil está em 50º lugar.
Melhor apenas que Egito, Turquia e Malásia.
Tomemos um exemplo. O Brasil publicou 670 artigos
em revistas de grande prestígio, enquanto no mesmo período o Chile publicou
717, nessas mesmas revistas. O dado profundamente inquietante é que enquanto o
Brasil despendeu em ciência US$ 30 bilhões, o Chile gastou apenas US$ 2
bilhões.
Quer dizer, o Chile, que aliás não está entre os
primeiros em eficiência no mundo científico, é 15 vezes mais eficiente que o
Brasil. Alguma coisa está errada, profundamente errada. A academia brasileira,
isto é, universidades e institutos de pesquisas produzem mais pesquisa de baixa
do que de boa qualidade e as produz a custos muito elevados. Há certamente
causas, talvez muitas, para essa inadequação.
A primeira decorre de um
"distributivismo" demagógico. É evidente que seria desejável que
novos centros de pesquisas se desenvolvessem em regiões ainda não desenvolvidas
do país. Mas é um erro crasso esperar que uma atividade de pesquisas qualquer
venha a desenvolver economicamente uma região sem cultura adequada para
conviver com essa pesquisa.
Seria desejável que investimentos maciços fossem
aplicados em pesquisas em instituições localizadas em regiões pouco
desenvolvidas, mas cujo meio ambiente é capaz de absorver os benefícios dessa
inserção.
O segundo mal que é causa inquestionável da
diminuta e dispendiosa produção de conhecimento é o obsoleto regime de trabalho
que regula a mão de obra do setor de pesquisas em universidades públicas e na
maioria dos institutos.
O pesquisador faz um concurso --frequentemente
falsificado-- no começo de sua carreira. Torna-se vitalício. Quase sempre não
precisa trabalhar para ter aumento de salário e galgar postos em sua carreira.
Ora, qual seria, então, a motivação para fazer pesquisas?
O terceiro problema é o sistema de gestão de
universidades públicas e instituições de pesquisa, cuja burocracia soterra
qualquer iniciativa dos poucos bem-intencionados professores e pesquisadores
que ainda não esmoreceram.
Pois bem. Há uma fórmula que evita todos esses
males e que já foi experimentada com sucesso em algumas das instituições científicas
do Brasil: a organização social. A resistência dos medíocres e parasitas e a
falta de coragem política de algumas de nossas autoridades impedem a solução
desse problema.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/202892-producao-cientifica-e-lixo-academico-no-brasil.shtml
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