Por Gregorio Duvivier*
Ninguém
está falando sobre isso, mas 23 ativistas estão sendo processados por
associação criminosa armada -- embora não haja arma, nem crime, nem associação.
Além da ausência de antecedentes criminais, os ativistas têm em comum apenas o
fato de terem participado das manifestações de junho e, no ano seguinte, dos
protestos contra a Copa. Só. A maioria se conheceu na cadeia.
Não se sabe qual o critério escolhido para
prendê-los, já que milhões de pessoas protestaram entre junho de 2013 e junho
de 2014 (dentre as quais eu), mas o critério parece ter sido o fato de serem,
em sua maioria, professores.
Depois de meses de escuta telefônica em que
até os advogados de defesa foram grampeados (isso, sim, é crime, senhor juiz)
nada pode ser dito, de fato, contra os manifestantes.
Em um dos telefonemas, Camila Jourdan,
professora da UERJ, pergunta se o amigo vai levar os "livros" e as
"canetas". O código poderia ter passado desapercebido, mas a polícia
fluminense, que anda vendo "Sherlock" demais na HBO, descobriu se
tratar de uma mensagem cifrada. "Livros" seriam bombas e
"canetas", armas.
Imediatamente após decriptar a intrincada
linguagem anarquista, a polícia, sem mandado de busca e apreensão, invadiu e
revistou a casa dos ativistas. Não encontrou nada.
Aliás, encontrou. Livros e canetas. Mas não
só. As casas tinham uma quantidade suspeita de camisetas pretas. Em algumas,
máscaras de gás e, em uma delas, encontraram uma garrafa de gasolina (aquele
líquido usado para abastecer carros e geradores). Mesmo assim, sem flagrante,
foram presos --para, algumas semanas depois, serem soltos.
A mesma sorte não teve o único preso que é
analfabeto, Rafael Braga. Ele está preso até hoje por ter sido encontrado
portando uma garrafa de desinfetante Pinho Sol. Mesmo soltos, os manifestantes
tiveram seus direitos políticos cassados. Enquanto aguardam julgamento, não
podem participar de nenhuma reunião pública nem abandonar sua comarca.
O julgamento ocorre nesta sexta (30) e,
apesar de não terem cometido crime algum previsto no Código Penal, tudo indica
que os manifestantes serão condenados pelo juiz Flávio Itabaiana. Notável
reacionário que se orgulha de nunca ter absolvido alguém, Itabaiana tem em mãos
um processo de 7.000 páginas.
O que é que o Itabaiana tem? Não tem torso de
seda nem saia engomada --tampouco tem a lei a seu favor. A grande peça no
tabuleiro de Itabaiana é a opinião pública. A mesma mídia que condenou as
manifestações e que logo depois passou a festejá-las, voltou-se novamente
contra elas quando da morte trágica do cinegrafista Santiago Andrade. (Não há
qualquer ligação entre os 23 processados e a morte de Santiago.)
Graças ao investimento de parte da mídia que
queria a reeleição de um governador, manifestar virou sinônimo de matar
cinegrafistas e eis que o gigante adormeceu --a golpes de reportagens
tendenciosas e manchetes repulsivas. Resultado: a polícia desceu o pau, a
classe média aplaudiu e o Brasil voltou a ser aquele país sem revolta.
A muita gente interessa a calmaria: na calada
da noite de Ano-Novo, aumentaram a passagem de ônibus em R$ 0,40. Se houve uma
guerra, a máfia do ônibus saiu vitoriosa.
Vale tentar conscientizar de novo essa mesma
opinião pública e lembrar que os 23 ativistas processados estavam lutando por
nós. E querem continuar lutando --dando aulas, lendo livros, usando canetas. O
aumento vertiginoso das passagens prova que a gente precisa deles, mais do que
nunca.
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* GREGORIO DUVIVIER, 28, ator e escritor, é um dos
fundadores do portal de humor Porta dos Fundos e colunista da Folha de
São Paulo.
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Para contribuir...
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Contribuição pertinente.
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