Confesso: todos às vezes que desembarco em Recife, mesmo a cidade sendo outra hoje, não tenho como deixar de lembrar uma série de aspectos e fatos que marcaram o seu passado. De imediato, logo me vem à mente o 'Bom Dia, Recife', do eternamente presente Ronildo M. Leite, que, no agreste do estado, logo cedo, principiou pelas letras e afiou a sua pena. 'Bom Dia, Recife', título das suas crônicas, nutridas por uma série de personagens que, penso eu, só em tese eram imaginários. Jornalista, cronista, poeta e boêmio, Ronildo, além das redações dos jornais, tinha no bar Mustang (na Conde da Boa Vista) um "laboratório" para a sua criação. Dessas reminiscências, o que digo eu é 'Olá, Recife', esse novo Recife de hoje, que logo me desaparece, para eu continuar a pensar naquele outro Recife. Digo assim, lembrando de 'A Guerrilheira Perfumada', criada por Ronildo M. Leite, com uma narrativa sobre a vida, a poesia, a política e a boemia. Aí abaixo, caro leitor, você tem a definição do boêmio que ele realizou, na companhia da 'Guerrilheira Perfumada'.
Ronildo M. Leite: seis anos sem as crônicas do 'amor diário' |
"Se é boêmio convicto, o quarentão é
necessariamente avesso à bebedeira das quatro festas do ano. Nada mais chato e
triste e pegajoso e caricato do que o bêbado de véspera de Natal e Ano Novo.
Boêmio convicto jejua nas quatros festas do
ano. Para curtir todas as madrugadas que lhe restam. Simplesmente porque, filho
das noites, entende o segredo das madrugadas.
Aos bêbados eventuais, eu aconselho, pois:
necessário entender as madrugadas. Na proporção que exibe e expõe, a madrugada
esconde e protege o boêmio como as grandes mães alcoviteiras. Acalenta amores.
Denga os desesperados. Constrói ambições. Destrói necessidades. Dos insípidos,
faz poetas.
Somos todos de uma mesma ribalta, porque toda
arte é essencialmente boêmia.
O boêmio, todos nós, morre na barra da
alvorada. Todas as madrugadas. Fuzilados pelo nascer do sol. Iluminadamente."
(In: LEITE, Ronildo M. A Guerrilheira Perfumada: Crônicas do Amor Diário. Recife: Editora Raiz, 1990, p. 75-76)
Nenhum comentário:
Postar um comentário