terça-feira, 2 de setembro de 2014

Desafios da gestão universitária

Internacionalmente, consagrou-se a expressão 'Brazil is not for beginers' (o Brasil não é para principiantes, ou, como também se prefere, em tradução oblíqua, 'o Brasil não é para amadores').  O autor da expressão é ninguém mais, ninguém menos do que Tom Jobim. Pois bem, mutatis mutandis, ela vale para a gestão universitária. Um risco pendular paira sobre essa esfera: o de se conceber a gestão universitária em moldes similares ao da gestão convencional - desconsiderando as particularidades que singularizam a universidade - ou, no reverso da medalha, adotar-se uma atitude de puro desprezo por mecanismos necessários à racionalidade administrativa. Abaixo, uma incursão na discussão sobre o tema, com o foco em modelos. 

Nos anos 1980, José A. Giannotti causou polêmica com o livro 'Universidade
em Ritmo de Barbárie': o acadêmico e a gestão em questão
Por Nilsa Maria Guarda Canterle e Fábio Favaretto 

Introdução
Nas últimas décadas, o mundo se tem movido em direção a uma sociedade de serviços. No que diz respeito à sua qualidade, as especificações de padrões exigem maior esforço mental para entendimento, devido às dimensões abstratas dos serviços. Algumas técnicas e metodologias usadas na indústria manufatureira se mostram difíceis ou inadequadas quando transpostas aos serviços. Parte desta dificuldade reside na falta de entendimento das características específicas dos serviços, imprescindíveis a definição e avaliação da qualidade de um serviço.
A universidade é vista como uma instituição de serviços e como espaço de geração e disseminação de conhecimento para a sociedade, isso através da pesquisa, do ensino ou da extensão de atividades para o desenvolvimento comunitário. Caso seus processos deixem de apresentar indicadores satisfatórios, é preciso agir para avaliar, controlar e melhorá-los. Como escrevem Porto e Réginer (2003, p. 105) "a disseminação dos conceitos e valores associados à qualidade, caminham em paralelo com a consolidação de práticas de avaliação: o que não se mede dificilmente se consegue gerir."
Em virtude de seu caráter interdisciplinar, a universidade interage com um maior número de segmentos da sociedade do que qualquer outra organização isoladamente, e sua gestão tem sido parte da agenda de discussão em instâncias políticas como acadêmicas. Brovetto (2005, p. 22) considera que "a instituição universitária está sujeita, por sua própria essência, a um conflito fermental de valores". Os desafios que lhe são impostos são de gestão e, ao mesmo tempo, construção da qualidade dentro de cenários altamente dinâmicos.
No entorno da universidade há também uma expectativa da sociedade em relação à qualidade dos serviços prestados por esta, tomada da consciência de que melhorias contínuas são necessárias para alcançar e assegurar o alto desempenho científico, econômico e social de todos. A universidade é estruturada para atender o mundo do trabalho, mundo científico e acadêmico, sendo a sua qualidade expressão maior de deferência da sociedade, assim como sua ausência, alvo de questionamentos, pois é próprio da natureza do homem a busca de melhorias.
Cenários dinâmicos constituem desafios para as instituições universitárias, fazendo com que se busquem novas alternativas de gerenciamento, de eficiência e de financiamento para fornecer serviços de valor à sociedade. As necessidades são muitas e há uma série de fatores envolvidos.
Diante do paradigma da gestão e das exigências de qualidade tanto por parte da sociedade, como das instâncias oficiais legais e outras reguladoras responsáveis pela avaliação do ensino superior, a operacionalização da qualidade nos serviços disponibilizados à sociedade pela instituição constitui-se na problemática deste trabalho, cuja questão está assim definida: Que requisitos podem orientar um modelo de gestão de forma a garantir a melhoria da qualidade na instituição universitária?
Para tanto, o objetivo principal deste trabalho é apresentar um modelo referencial de gestão dos indicadores da qualidade que pode contribuir para a melhoria dos serviços institucionais. Apesar de a universidade ser uma instituição complexa, espera-se obter um modelo que integre a avaliação institucional com a melhoria da qualidade dos seus serviços prestados à sociedade.

Procedimentos metodológicos
Este estudo é caracterizado como de natureza predominantemente qualitativa. Quanto aos seus objetivos se caracteriza como exploratório, visto que buscou gerar insights e descobrir idéias gerais sobre as ações das universidades no que diz respeito ao problema em estudo. As técnicas utilizadas foram a pesquisa bibliográfica e a documental. A pesquisa bibliográfica tanto possibilitou o resgate dos principais conceitos e discussões inerentes a contextualização da universidade, como orientou e subsidiou o levantamento dos modelos usados para análise. A pesquisa documental capta, na legislação, os mecanismos de ordenamento da qualidade nas instituições de ensino superior.
Centrada no estudo de doze modelos de gestão da qualidade relatados de forma narrativa, buscou-se as semelhanças dos mesmos e, ao mesmo tempo, tentou-se entender suas singularidades.
Para verificar a consistência dos modelos foram escolhidas as abordagens de Juliatto (2005), do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES (BRASIL, 2004) e das Organizações das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura - UNESCO (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO SÉCULO XXI, 1998). Estes são três conjuntos de referências entendidas como potencialmente mobilizadoras para um modelo de gestão de indicadores da qualidade na instituição universitária. Dentre outros modelos pesquisados, estes se destacaram pela abrangência sistêmica, e em virtude de abordarem aspectos de ações que podem resultar em medidas confiáveis de desempenho relacionadas às atividades interna e externa das universidades. Além disso, seus indicadores possuem características capazes de amparar estratégias de curto e longo prazo.
Para sistematização dos dados seguiu-se a orientação Contandriopoulos e outros (1999), onde a análise qualitativa dos mesmos compreendeu as seguintes etapas: a) escolha das teorias de embasamento da pesquisa; b) seleção dos modelos; c) projeto e protocolo de análise; d) escolha e aplicação dos modos de análise; e) análise transversal; f) construção do modelo.

Revisão bibliográfica
Esta pesquisa está teoricamente sustentada em aspectos do contexto que envolve a instituição universidade: a sua complexidade, a exigência de qualidade, seus aspectos legais e o seu processo de avaliação. Ao final desta seção, será feita uma análise das abordagens de sustentação da avaliação.

Contextualização da Universidade em sua complexidade
Esta subseção analisa as particularidades da universidade como uma instituição atuando interativamente com a sociedade que a envolve. Apresenta sua definição, discute sua complexidade num cenário extremamente dinâmico e caracteriza aspectos de seu modelo próprio de gestão.
Nos termos de Rosenthal (1982, p. 23) "é evidente, pela sua própria organização, que a Universidade é reflexo do Estado e da Sociedade em que se situa, o que, por sua vez, leva ao paradoxo de caber a ela expressar aquilo que dela se espera." Assim, há consenso quanto a algumas tarefas essenciais da universidade.
Pela Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, Lei nº. 9.394 (BRASIL, 1996), em seu Artigo 52: "As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano".
Já a UNESCO, conforme o documento elaborado para a Conferência Mundial sobre o Ensino Superior no Século XXI: visão e ação (1998, p. 105), assim define as instituições de ensino superior, dentre as quais o estabelecimento universitário:
[...] são sistemas complexos que interagem com as instituições de seu ambiente, isto é, com os sistemas políticos, econômicos, culturais e sociais. São influenciadas pelo ambiente local e nacional (ou meso-ambiente) e, cada vez mais, pelo ambiente regional e internacional (macro-ambiente). Mas por sua vez, podem e mesmo devem influenciar esses diversos tipos de ambientes.
Assim, entende-se a universidade como uma instituição complexa que desenvolve "indissociavelmente" ensino, pesquisa e extensão em múltiplas áreas de conhecimento e nos diversos campos das atividades humanas. É fundamental para a compreensão da administração em universidades, apreciar a origem de sua complexidade e singularidade de suas atividades, visto ser a administração um meio quando se consideram os seus fins.
Sobre a idéia de complexidade, Davies e Lockwood (1985, p. 27) esclarecem que "as interações dos elementos burocrático e acadêmico na natureza da universidade como uma organização é a causa principal da complexidade da estrutura e de pressões internas, e serve para explicar a existência de limitada manejabilidade".

Abordagem da qualidade na Universidade
Juliatto (2005) afirma que a qualidade universitária deve derivar para ação concreta e para resultados. Destaca que a qualidade, aferida por quaisquer critérios, em dada situação, ou está ausente ou está presente. Assim, o problema da sua aferição torna-se um problema de avaliação empírica e prática. Qualidade requer visibilidade e precisa ser demonstrada, pois não existe qualidade invisível.
Tam (2001, p. 49), observa que "como resultado das diferentes visões sobre qualidade no ensino superior, uma variedade de sistemas e abordagens tem sido desenvolvida para monitorar qualidade de diferentes tipos e em diferentes níveis, indicando ênfases e prioridades variadas." Esses sistemas incluem:
• controle de qualidade: é um sistema para verificar se os produtos produzidos ou os serviços fornecidos alcancem os padrões do pré-definidos. 

• garantia da qualidade: é baseada na premissa que cada um na organização tem a responsabilidade de manter e elevar a qualidade do produto ou do serviço. 
• auditoria da qualidade: são os meios de certificar-se de que os sistemas e as estruturas relevantes dentro de uma instituição apóiam sua missão de ensinar, e para assegurar-se de que a prevenção é ou está além de um nível satisfatório da qualidade. 
• avaliação da qualidade: envolve o julgamento do desempenho de encontro aos critérios, interna ou externamente. Para avaliar as universidades compara-se o desempenho através de uma escala de indicadores, os quais estão associados a diferentes características.
De acordo com o SINAES (2004a, p. 14), "indicadores são aspectos, qualitativos e quantitativos, que possibilitam obterem-se evidências concretas, que, de forma simples ou complexa, caracterizam a realidade dos múltiplos elementos institucionais que retratam". Entretanto, convém observar que Juliatto (2005, p. 79) alerta que "os indicadores de qualidade mudam em função do tempo, como acontece com o próprio conceito de qualidade em educação."
Finnie e Usher (2005) citam quatro abordagens para a medida de qualidade nas instituições universitárias, as quais não são mutuamente excludentes, conforme apresentado no Quadro 1.


Como aborda Juliatto, antes de se iniciar um movimento em direção a qualidade, é importante conhecer os diferentes fatores e manifestações do nível de comprometimento existente na comunidade acadêmica. "Os fatores decisivos que exercem influência forte e direta no nível de comprometimento da comunidade acadêmica se reduzem a estes quatro principais: sistema de crenças positivas, liderança administrativa, relações e espírito de equipe, ambiente físico favorável". (JULIATTO, 2005, p. 132).

Qualidade enquanto referência legal na universidade
Cabe destacar que, de acordo com Felix (2003, p. 104),
[...] no atual estágio de evolução, a educação superior está consolidada como um bem público, que é usufruído tanto em instituições mantidas diretamente pelo Estado como em instituições mantidas pelo investimento privado, adstritas ambas a categorias, valores e princípios definidos e garantidos pelo Estado.
Portanto, a qualidade desse bem público é função da qualidade dos componentes de cada sistema institucional e é multidimensional. Conforme Ekong (apud CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO SÉCULO XXI, 1998, p. 135):
chega-se a ela através do conceito fundamental de 'garantia da qualidade', que exige que todas as políticas, sistemas e processos sejam orientados no sentido de assegurar a manutenção e o aumento da qualidade dos produtos da educação fornecidos pela instituição. Um sistema de garantia da qualidade é um meio utilizado pela instituição para confirmar, para si própria e aos outros, que foram estabelecidas as condições indispensáveis para que os estudantes atinjam os padrões que a instituição fixou para si.
Cabe destaque ao texto da Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1998), que trata da qualidade como um princípio do ensino e lhe assegura um padrão mínimo, preconizado em seu Capítulo III, Seção I - Da educação:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: 

[...] 
VII - garantia de padrão de qualidade.
A Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995 (BRASIL, 1995), criou o novo Conselho Nacional de Educação. Esta lei propôs pela primeira vez, dentre as atribuições do MEC, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento das leis que o regem. Nesse sentido, constata-se, dentre suas disposições, a criação de um conjunto de avaliações periódicas das instituições e cursos superiores, mesmo antes da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Superior (BRASIL, 2004).
A qualidade passa a ser consolidada na Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), que traz as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual assim estabelece:
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: 

[...] 
IX - Garantia de padrão de qualidade. 
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: 
[...] 
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem. 
Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: 
[...] 
II - autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público; 
[...]
A LDB determina a elaboração do Plano Nacional de Educação, o qual foi criado pela Lei nº. 10.172, de 9 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001) e institui em seu Artigo 4º o Sistema Nacional de Avaliação - SINAES (BRASIL, 2004), com vista a institucionalizar um amplo, diversificado e articulado sistema de avaliação interna e externa que englobe os setores público e privado, e promova a melhoria da qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão e da gestão acadêmica.
Dada esta realidade, se faz necessária a interpretação do conceito de qualidade à luz do que escreve Royero (2002), ou seja, que a qualidade se integra com o processo de avaliação e eficiência social das instituições de ensino superior e esta eficiência tem o Estado como ente regulador, e a avaliação se converte em um processo de retroalimentação dos critérios de qualidade.

Avaliação da qualidade na universidade
De acordo com Casassus, Arancibia e Froemel (1996), as avaliações podem ser desenhadas para diferentes propósitos e o objetivo da avaliação determinará seu desenho. Podem ser objetivos:
• insumos para tomada de decisões de políticas (também institucionais); 

• medição da qualidade da educação; 
• serviço de informação (informação válida, confiável e oportuna - conhecimento).
Cabe destaque que existem diferenças de concepções para a avaliação da universidade. Conforme esclarece Gasparetto (1999), de um lado há o Estado, com suas prerrogativas de exercício das funções de controle, fiscalização e de regulação e, de outro, está a Universidade com sua autonomia, sua liberdade acadêmica e com sua proposta de avaliação. Entretanto, o autor ainda propõe acrescer a perspectiva do mercado que não necessariamente coincide com a do Estado, mas em cuja interação - Estado, Mercado e Universidade - parece crucial tentar definir ou captar a singularidade de cada instância e de cada perspectiva, bem como o que é comum às três e a cada uma das combinações. A avaliação institucional precisa levar em conta todas as perspectivas, discernindo-as e contextualizando-as.
Como define Marcovitch (1998, p. 100), avaliar não é rigorosamente a etapa posterior ou final de um processo, "é uma espécie de retrato contínuo - imprescindível para definir parâmetros para a gestão universitária". Conforme a Comissão Nacional de Avaliação e Acreditação Universitárias, do Ministério da Cultura e Educação Argentino (CONEAU, 1997), "um momento no caminho para apreciar o caminhado e decidir como continuar."
Para Marcovitch (1998, p. 152), "a avaliação é útil quando é um processo de retroalimentação, um instrumento de aprendizagem. Ajuda a instituição a evitar erros e fazer o melhor."
A avaliação institucional é uma prática permanente e sistemática que permite detectar os entraves e os pontos positivos. Isto implica a reflexão sobre a própria tarefa como uma atividade contextualizada, que considera tanto os aspectos qualitativos como os quantitativos. Além disso, possui um alcance que abarca os insumos, os processos, os produtos e o impacto que têm na sociedade, uma tarefa fundamental para o governo e a gestão administrativa e acadêmica e, em definitivo, uma plataforma para o planejamento institucional (CONEAU, 1997).
Conforme escreve Buarque (2005, p. 56), "não há universidade sem avaliação, porque sem ela não há qualidade, e sem qualidade não se consegue sucesso pessoal nem capacidade de transformação social".
Na mesma linha, o documento de trabalho da UNESCO (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO SÉCULO XXI, 1998, p. 98) destaca que "a qualidade no ensino superior é estreitamente dependente de uma avaliação e de uma adaptação de natureza sistêmica."
Com base nas considerações evidenciadas, pode-se perceber que o processo de avaliação comporta elementos de grande relevância a um projeto de gestão dirigido à construção coletiva da qualidade nas instituições de ensino superior.

Abordagens de sustentação da avaliação
As abordagens a seguir apresentadas traduzem elementos que asseguram que a construção da qualidade se dá pela definição dos insumos, pelos processos e atendimento às demandas de diferentes stakeholders. Sua escolha foi justificada anteriormente.
Abordagem de Juliatto (2005)
Juliatto combinou estudos diferentes e complementares para dimensionar a qualidade e categorizou os indicadores para sua aferição segundo três categorias: insumo, processo e produto. Os indicadores utilizados são:
a) Indicadores da qualidade do insumo: sentido de missão institucional, ambientes de vivência estudantil, tamanho institucional, recursos financeiros e qualidade dos candidatos matriculados. 

b) Indicadores da qualidade do processo: estrutura institucional, envolvimento do estudante, interação professor-aluno, esforço do aluno, acesso ao conhecimento, grau de exigência, ensino competente e projeto pedagógico. 
c) Indicadores de qualidade do produto: deve ser aferida pelos critérios da missão institucional, tanto quanto pela adequação e resposta à clientela que serve.
Abordagem do SINAES (BRASIL, 2004)
Aborda dimensões e indicadores específicos, com o objetivo de identificar as potencialidades e insuficiências dos cursos e instituições, promovendo a melhoria da sua qualidade e relevância - e, por conseqüência, da formação dos estudantes - e, ainda, dando à sociedade informações sobre as instituições e a educação superior no País.
A sistemática de avaliação estabelecida é construída com base nos três processos de avaliação a seguir, aplicados em diferentes momentos:
a) Avaliação das Instituições de Educação Superior (Avalies); 

b) avaliação dos Cursos de Graduação (ACG); e, 
c) avaliação do Desempenho dos Estudantes (Exame Nacional de Avaliação de Desempenho dos Estudantes - Enade).
As dez dimensões, ou indicadores, definidas para garantir a unidade do processo e, ao mesmo tempo, a especificidade de cada instituição são:

1. a Missão e o plano de desenvolvimento institucional; 

2. perspectiva científica e pedagógica formadora: políticas, normas e est3. ímulos para o ensino, a pesquisa e a extensão; 
3. responsabilidade social da IES; 
4. comunicação com a sociedade; 
5. políticas de pessoal, carreira, aperfeiçoamento, condições de trabalho; 
6. organização e gestão da instituição; 
7. infra-estrutura física e recursos de apoio; 
8. planejamento e avaliação; 
9. políticas de atendimento aos estudantes e 
10. sustentabilidade financeira.
Abordagem da UNESCO (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO SÉCULO XXI, 1998)
A qualidade do ensino superior é função da qualidade dos componentes do sistema e estritamente dependente de uma avaliação e de uma regulação de natureza sistêmica. Determina como dimensões a qualidade:
• do pessoal; 

• dos programas; 
• dos estudantes; 
• da infra-estrutura; e 
• do ambiente interno e externo.


Memorial dos modelos de qualidade pesquisados
A partir da base empírica, composta pelos doze modelos de gestão pesquisados, a seguir encontra-se uma exposição sintética das idéias centrais de cada um destes, cuja análise norteou a construção do novo modelo proposto.


Proposição do modelo referencial de gestão de indicadores
Tornou-se possível delinear um modelo referencial para a gestão de indicadores, que dê suporte à política de qualidade nas instituições universitárias com base
• na revisão bibliográfica e na análise dos modelos investigados; 

• no modelo de avaliação institucional estabelecido pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2004); e, 
• na visão sistêmica concebida pela UNESCO (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO SÉCULO XXI, 1998) e por Juliatto (2005).
O modelo proposto supõe auto-organização, ou seja, sistemas abertos com identidade própria, propósitos definidos e senso de missão.
Os processos de avaliação estabelecem as conexões e o feedback de informações que alimentam as interações em todas as partes, ensino, pesquisa e serviços de extensão. Essa interação perpassa as barreiras entre os departamentos, instituindo lideranças em círculos de discussão, que impulsionem novas idéias, proporcionando conhecimento de possibilidades e oportunidades, atitudes cooperativas, valorização do social, gerando sinergia.
O pressuposto básico que permeia o modelo de gestão da qualidade proposto é de que a avaliação deve estar voltada para o cumprimento da missão social da universidade. Isso implica melhorias efetivas para a sociedade e não se limita apenas ao cumprimento de um requisito legal e simples aprimoramentos internos, sem impactos significativos sobre seu ambiente.
É importante distinguir que, neste modelo referencial de gestão de indicadores para a qualidade, num campo específico como é a universidade, é forte a presença do elemento humano. É visto que os fatores de pontuação da avaliação "puxam" as práticas a eles relacionadas e essas práticas, que, por sua, vez só tendem a se sustentar se tiverem fundamentos relacionados às pessoas da instituição.

Descrição do modelo proposto
A essência do modelo proposto é dar visibilidade, estabilizar e potencializar o processo de avaliação para suportar o processo de gestão. O modelo referencial de gestão de indicadores da qualidade proposto envolve a interatividade entre cinco pólos diferentes, detalhados nas subseções a seguir. Uma visão geral do modelo é apresentada na Figura 1.


Visão dos insumos
Caracteriza-se pelos recursos que a universidade, no curto prazo, quase nada pode fazer para modificá-los, tais como:
a) decisões políticas, orçamento, prioridades socioeconômicas (conjunto de condições que objetivamente podem criar pressões sobre a transformação); 

b) nível cultural da população, escolaridade, organização social, crenças; 
c) aspirações sociais, expectativas da sociedade em termos de ensino, pesquisa e extensão em relação ao tipo, quantidade de cursos e qualidade dos seus serviços; 
d) estudantes, origem, preparo, situação econômica, preferência por carreira profissional; e 
e) mercado de trabalho para profissionais de nível universitário, situação da oferta, áreas e salários, entre outros.
Na categoria recursos, devem ser distinguidos os internos e os externos, requerendo cada uma destas subdivisões tratamento específico. A quase totalidade tem origem de captações externas, do orçamento do tesouro, da capacidade de pagamento de alunos ou outras instituições fomentadoras de políticas governamentais. É pouco significativa a capacidade interna de gerar recursos.
Visão da organização
Representada pela visão, missão, objetivos e estratégias para alcançá-los (expressos no Plano de Desenvolvimento Institucional).
Visão da informação
Representada pela avaliação, cujo sistema de indicadores são as ferramentas para caracterizar a realidade institucional e reorganizar toda a lógica gerencial.
Visão dos processos
Representa o componente operacional onde se desenrolam as atividades de ensino, de pesquisa e de extensão em sua seqüência de etapas, assim como o componente gerencial, onde se dinamiza a instituição em direção aos resultados.
Visão dos resultados
Reflete os bens tangíveis e intangíveis que a instituição é capaz de colocar à disposição dos inúmerosstakeholders que integram a sociedade global. Tradicionalmente, envolvem graduados e pós-graduados, produção técnico-científica e desenvolvimento comunitário.

Lente da qualidade
É uma forma institucional técnica voltada não para verificar estaticamente o passado e presente, mas para subsidiar e dinamizar ações ao alcance da qualidade. Sua função é focalizar, perceber e revelar. De forma sistemática formula análises e ponderações transparentes, utilizando toda a forma de comunicação para movimento das idéias e incorporação nos processos. Facilita a capacidade de produzir mudanças e a transformação.
Sua composição deve ser num processo de participação alargada, adequadamente representativa e que tenha uma certa autoridade para fazer as ligações internas e externas. Além disso, deve fomentar a discussão que subsidia as recomendações com relação às mudanças que pareçam mais convenientes em um determinado momento. Essas mudanças devem ser conduzidas de maneira que as pessoas se envolvam por iniciativa pessoal e não por imposição, dando destaque ao formato da "base para o topo".
A representatividade na lente da qualidade compromete reciprocamente o maior número de envolvidos, e é conduzida gradativamente para aceitar e experimentar melhorias. Deve-se lembrar também que a diversidade sempre existe e garante a resistência do modelo.
O modelo de gestão da qualidade proposto é uma integração sistemática da visão dos insumos, da visão da organização, da visão da informação, da visão dos processos e da visão dos resultados com as expectativas de qualidade dos stakeholders presentes na sociedade.
Compete à liderança criar as condições para a revisão constante dos processos e dos sistemas, estando baseada em quatro princípios:
1. Ao se estabelecer a visão, a missão, e os resultados da instituição, as expectativas dos stakeholders devem ser consideradas; 

2. os objetivos e a estratégia devem dar suporte à missão e à visão; 
3. os processos e os sistemas dentro da instituição determinam a qualidade dos resultados; e, 
4. a melhoria contínua da qualidade pode ser assegurada somente com a avaliação contínua.

Os líderes remodelarão a visão (estado futuro) e a missão, as equipes de gestão serão ativas e orientadas para os objetivos, e as estratégias formuladas participativamente uma vez que a universidade é formada por pessoas de alto poder de contribuição e capazes de opinar sobre a missão, objetivos, processos e projetos.
Outra característica básica do modelo é a estabilidade institucional pelo ajuste permanente de estratégias, permitindo a transformação que passa a ocorrer mais intensivamente pela participação e cooperação numa evolução permanente e flexível, buscando a melhoria contínua da qualidade.

Conclusão
Neste trabalho, cujo objetivo foi o desenvolvimento de um modelo referencial de gestão que capte os determinantes da qualidade na universidade, um dos grandes desafios foi buscar encurtamento da distância entre a avaliação e a gestão universitária.
O modelo desenvolvido foca-se nos conceitos de gestão caracterizado por potencializar as relações entre recursos, processos e resultados, considerando-se a interface com a avaliação institucional e as variáveis dos ambientes externo (cenário) e interno que impactam as atividades da universidade. Dessa forma, o modelo referencial de gestão da qualidade traz a possibilidade de executar uma gestão ancorada em parâmetros reais mensurados por indicadores qualitativos e quantitativos, sem ser prescritivo sobre práticas específicas.
O estudo dos modelos levantados na literatura possibilitou realizar uma análise intensiva sobre a qualidade no âmbito da universidade, ajudando a definir sua essência e pensar sobre sua medida. Notou-se que há bastante diferença entre os modelos pesquisados sobre o conjunto de indicadores que integram a qualidade.
A pesquisa permitiu sintetizar indicadores que dão visibilidade à qualidade numa instituição de universitária, os quais foram comparados com três modelos de referenciais de gestão da qualidade: Juliatto (2005), UNESCO (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO SÉCULO XXI, 1998) e SINAES ((BRASIL, 2004). Também serviram para confirmar a gestão e a avaliação como elementos de um mesmo continuum institucional que se potencializam.
Não obstante seu caráter oficial, não se percebe o paradigma da avaliação como plenamente aceito e absorvido no interior da universidade, sendo ainda algo em construção. Acredita-se que um dos pontos fortes do modelo proposto seja seu vínculo com o mecanismo legal de garantia da qualidade. A avaliação em sua integralidade não assumindo o sentido de "sentença", mas de feedback, pode contribuir para que a implantação do modelo não tenha impacto imediato, vindo seu retorno e credibilidade mais lentamente.
Como o modelo apresentado aponta a qualidade referenciada e dinamizada participativamente pelos diversos atores institucionais, espera-se que isto lhes confira responsabilidade e favoreça a criação de uma cultura de qualidade.
Mesmo que a alternância de mandato possa constituir-se num aspecto que tende a pressupor visões diferenciadas, a consolidação de uma cultura de avaliação e consideração aos seus resultados se encarregarão de reduzir a descontinuidade.
Ainda que de formato simples, acredita-se que o modelo adequadamente fornece uma forma eficaz para agir sobre a qualidade, de maneira que a universidade, em sua complexidade, seja responsiva aos interesses de todos os seus protagonistas, mas muito especialmente aos diferentes stakeholders existentes no âmbito da sociedade.
Embora a necessidade de continuidade e aprimoramento deste estudo, espera-se que o modelo proposto possa contribuir para o desenvolvimento da gestão da qualidade nas instituições universitárias, sejam estas públicas ou não.

Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 10. ed. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 1998.         [ Links ]
______. Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 25 nov. 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L9131.htm>. Acesso em: 18 ago. 2008.         [ Links ]
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L9394.htm>. Acesso em: 15 dez. 2006.         [ Links ]
BRASIL. Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 15 abr. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L10861.htm>. Acesso em: 18 ago. 2008.         [ Links ]
BROVETTO, J. Los nuevos desafios en Educación Superior em América Latina. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL REFORMA E AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: tendências na Europa e na América Latina, 1., 2005, São Paulo. Anais... Brasília, DF: INEP, 2005.         [ Links ]
BUARQUE, C. A refundação da universidade. Brasília, DF: ABEMES Ed., 2005. (Série Grandes depoimentos).         [ Links ]
CASASSUS, J.; ARANCIBIA, V.; FROEMEL, J. E. Laboratorio Latinoamericano de Evaluación de la calidad de la educación. Revista Ibero-Americana de Educação, Madrid, n. 10, enero/abr. 1996.         [ Links ]
CONEAU. Lineamientos para la avaluación institucional. Buenos Aires, 1997.         [ Links ]
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR NO SÉCULO XXI: visão e ação, 1., 1998, Paris. Anais...Brasília, DF: UNESCO, 1998.         [ Links ]
CONTANDRIOPOULOS, A. P. et al. Saber preparar uma pesquisa. São Paulo: Hucitec, 1999.         [ Links ]
DAVIES, J.; LOCKWOOD, G. Universities: the managment challenge. Philadelphia: NFER-NELSON, 1985.         [ Links ]
FELIX, L. P. M. A educação como um bem público: perspectiva da regulação do ensino superior no estado de parceria. Brasília, DF; MEC, SeSu, 2003. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/index>. Acesso em: 9 ago. 2006.         [ Links ]
FINNIE, R.; USHER, A. Measuring the quality of post-secondary education: concepts, current practices and a strategic plan. Ottawa: Canadian Policy Research Networks Inc., 2005.         [ Links ]
GASPARETTO, A. Avaliação institucional: processo doloroso de mudança, a experiência da UESC, Ilhéus Bahia.Avaliação: revista da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior, Campinas, ano 4, n. 3, set. 1999. Disponível em: <http://www.socio-estatistica.com.br/avalia.htm>. Acesso em: 25 nov. 2006.         [ Links ]
HARVEY, L.; KNIGHT, P. T. Transforming Higher Education. Buckingham: SRHE: Open University Press, 1996.         [ Links ]
HAWORTH, J. G.; CONRAD, C. F. Reenfoque de la evaluación de la calidad en relación con el aprendizaje de los estudiantes. San Francisco, CA: Jossey Bass Publishers, 1996. (New Directions for Institutional Research; No. 92).         [ Links ]
INEP. Orientações gerais para o roteiro de auto-avaliação das instituições. Brasília, DF, 2004a.         [ Links ]
INEP. SINAES: da concepção à regulamentação. 2. ed. ampl. Brasília, DF, 2004b.         [ Links ]
JOHNSON, S.; RUSH, S. C. Reinventing the university: managing and financing institutions of Higher Education. New York: John Wiley & Sons Inc., 1995.         [ Links ]
JONES, S. Measuring the quality of Higher Education: linking teaching quality measures at the delivery level to administrative measures at the university level. Quality in Higher Education, London, v. 9, n. 3, Nov. 2003.         [ Links ]
JULIATTO, C. I. A universidade em busca da excelência: um estudo sobre a qualidade da educação. 2. ed. Curitiba: Champagnat, 2005.         [ Links ]
MARCOVITCH, J. A universidade (im)possível. São Paulo: Futura, 1998.         [ Links ]
MERGEN, E.; DELVIN, G.; WIDRICK, S. M. Quality management applied to higher education. Total Quality Management & Business Excellence, v. 11, n. 3, May 2000.         [ Links ]
MUNASINGHE, L.; JAYAWARDENA, P. Continuous quality improvement in Higher Education: a model for Sri Lanka.Quality in Higher Education, London, v. 5, n. 1, 1999.         [ Links ]
PORTO, C.; RÉGINER, K. O ensino superior no mundo e no Brasil: condicionantes, tendências e cenários para o horizonte 2003-2025. Brasília, DF: Macroplan, 2003.         [ Links ]
ROSENTHAL, E. A propósito da qualidade do ensino superior no Brasil: anais de dois encontros. Brasília, DF: Conselho Federal de Educação, 1982.         [ Links ]
ROYERO, J. Contexto mundial sobre la evaluación en las instituciones de educación superior. Revista Iberoamericana de Educação, Madrid, 10 sept. 2002. Disponível em: <http://www.rieoei.org>. Acesso em: 15 dez. 2006.         [ Links ]
SRIKANTHAN, G.; DALRYMPLE, J. F. Developing a holistic model for quality in higher education. Quality in Higher Education, London, v. 8, n. 3, p. 215-224, Nov. 2002.         [ Links ]
TAM, M. Measuring quality and performance in higher education. Quality in Higher Education, London, v. 7, n. 1, p. 47-54, Jan. 2001.         [ Links ]
TUCCI, M.; CELLESI, L. Higher Education quality in Florence University: first analysis of a self assessment model implementation. Florence, Italy: Florence University, 2006.         [ Links ]
WATTY, K. When will academics learn about quality? Quality in Higher Education, London, v.9, n. 3, Nov. 2003.         [ Links ]

 -----------------------
Fonte: Aval. Pol. Públ.Educ., vol.16 no.60,  Rio de Janeiro, 2008. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário