Pelas mãos de Leont Etiel, chega-me o poema aí abaixo, de Vergílio Ferreira. Em verdade, o poema chama-se apenas A Palavra. A denominação 'Uma última e enigmática palava' fica por conta das mistas introspecções existencialistas, românticas e surrealistas do portador.
Se
eu soubesse a palavra,
a que subjaz aos milhões das que já disse,
a que às vezes se me anuncia num súbito
silêncio interior,
a que se inscreve entre as estrelas
contempladas pela noite,
a que estremece no fundo de uma angústia sem
razão,
a que sinto na presença oblíqua de alguém que
não está,
a que assoma ao olhar de uma criança que pela
primeira vez interrogou,
a que inaudível se entreouve numa praia
deserta no começo do Outono,
a que está antes de uma grande Lua nascer,
a que está atrás de uma porta entreaberta
onde não há ninguém,
a que está no olhar de um cão que nos fita a
compreender,
a que está numa erva de um caminho onde
ninguém passa,
a que está num astro morto onde ninguém foi,
a que está numa pedra quando a olho a sós,
a que está numa cisterna quando me debruço à
sua borda,
a que está numa manhã quando ainda nem as
aves acordaram,
a que está entre as palavras e não foi nunca
uma palavra,
a que está no último olhar de um moribundo, e
a vida e o que nela foi fica a uma distância infinita,
a que está no olhar de um cego quando nos
fita e resvala por nós,
- se eu soubesse a palavra,
a única, a última,
e pudesse depois ficar em silêncio para
sempre…
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