Aí abaixo você tem um breve artigo sobre o futuro da escola, de autoria do suíço Philippe Perrenoud, uma referência no campo das Ciências da Educação com uma reflexão sociológica de marcante originalidade, ao aliar a fecunda teorização com a preocupação com as questões práticas do cotidiano educacional. É possível que exista quem faça queixas do seu trabalho, 'por conta dos seus textos densos, herméticos'. Oponho duas observações: 1) É provável que parte disso resulte de um problema de tradução das suas obras; 2) É preciso superar, no debate educacional, a tendência a um simplismo pedagógico que tem sido incapaz de sair do mundo das aparências, bem como de fazer a abstração da realidade para colocar em realce o que ela oculta. Poucas palavras bastam. A seguir, o artigo.
Perrenoud: Escola e professores em foco |
Por Philippe Perrenoud
Os conhecimentos são adquiridos. A engenharia genética não é
capaz de incorporá-los aos nossos cromossomos. Eles existem na forma de uma rede.
Ou seja, seria preciso transplantar um cérebro inteiro para as crianças...
Daqui a 25 anos, portanto, os estudantes ainda terão de aprender para saber,
isto é, terão de desenvolver uma atividade mental intensa para compreender,
memorizar, comparar, organizar os conhecimentos. Talvez os avanços na área de
bioquímica do cérebro serão capazes de produzir substâncias que facilitem ou
acelerem os processos mentais. Mas daí a aprender sem esforço nem dor...
É provável, igualmente, que dentro de 25 anos se
compreenda melhor o processo da aprendizagem e seus obstáculos, tanto no
registro cognitivo como no emocional ou no relacional. Talvez se possa esperar
por dispositivos didáticos mais eficazes, auxiliados por programas de
computador especializados tão fáceis de usar quanto poderosos.
Será que teremos acabado com o fracasso escolar?
Pelo menos dois problemas subsistirão: dar sentido aos aprendizados escolares e
lidar com a heterogeneidade dos alunos.
O sentido —ou significado— da escola envolve a
relação entre investimento e resultados. Uma pedagogia mais eficaz
desencorajará menos os alunos, desesperados em ver que seus progressos têm
pouca relação com o tamanho dos esforços empenhados. Mas esse sentido também
tem relação com o saber, com o projeto de vida. Por que eu aprenderia a jogar
golfe ou a cozinhar se não tenho necessidade ou vontade disso?
Hoje em dia, a escola mal consegue fazer com que
todos compreendam o interesse em saber ler ou contar. O que dizer, então, de
saberes cuja utilidade não é fácil de imaginar, como a álgebra, a biologia, a
história, a filosofia? A escola continua muito despreparada diante dos alunos
que não têm interesse em "encher a cabeça de coisas inúteis" e que
não percebem o poder e o prazer que esses saberes poderiam lhes trazer.
Os currículos por competências podem contribuir
para dar sentido ao saber, ligando-os mais explicitamente à ação. As
tecnologias —simulação, realidade virtual— podem ajudar a obter uma melhor
representação das práticas sociais para as quais os conhecimentos e as
competências são essenciais. Mas não há computador capaz de convencer um aluno
a aderir à cultura escolar. O trabalho de mediação dos professores continua a
ser essencial para seguir as pistas traçadas pela nova pedagogia e pelas
pesquisas sobre a relação entre o saber e a construção do sentido.
Do outro lado, o sistema educativo acolhe
crianças e adolescentes muito diferentes. Caso continue "indiferente às
diferenças", o fracasso escolar persistirá.
O objetivo é, com frequência, propor a cada
aluno situações de aprendizagem adequadas para ele —não padronizadas, mas
construídas "sob medida". A pedagogia diferenciada passa por uma nova
organização do trabalho (ciclos plurianuais de aprendizagem, cooperação entre
professores). É preciso, igualmente, haver ferramentas mais precisas de
avaliação formativa e de regulamentação.
Mas nenhuma tecnologia, nenhuma reforma
estrutural poderá fazer efeito sem mediação pedagógica. Mas esta, para ganhar
eficácia, precisa ser confiada a professores cada vez mais qualificados, com
ampla cultura na área das ciências humanas, forte orientação para as práticas
reflexivas e capacidade de inovação.
Seria ilusório crer que basta o tempo para
resolver os problemas.
A escola, daqui a 25 anos, pode ser ainda menos
igualitária e ainda menos eficaz que hoje, se não fizermos nada para enfrentar
e resolver seus problemas com nossas próprias mãos. Uma vontade política forte
e duradoura pesará mais do que a fé no progresso...
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u511.shtml
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