Em fins dos anos 1980, Michael Apple produziu um trabalho sobre tecnologias e educação onde se indagava se o 'computador na sala de aula estava a ser parte da solução ou parte do problema'. Em linha similar, o Professor José Alberto Correia, na Universidade do Porto, escreveu o Sociologia da Educação Tecnológica, pondo abaixo o ufanismo sobre o assunto, realçando que a relação entre tecnologia e educação configura-se sob a influência de vários condicionamentos. Em sintonia com esse background, em 2002, em livro com edição lusitana, escrevi:"a mudança paradigmática proporcionada pela revolução da tecnologia da informação não é algo com independência sócio-histórica das relações de poder na sociedade, como entendem algumas abordagens, que, tomadas pela contaminação ideológica, são prisioneiras de um 'determinismo tecnológico' fetichista"(in Novas Tecnologias, Trabalho e Educação: Desorganizando o Consenso, Lisboa: Dinopress, 2002, p. 19 - http://www.livpsic.com/v4/detalhe01.php?id=16908). Em verdade, naquela altura, os delineamentos da 'sociedade em rede' estavam no início, e, do ponto de vista analítico, não era ainda possível divisar muitas das suas consequências sobre a escola e as relações de ensino-aprendizagem. Pois bem, como a pesquisa contemporânea internacional em educação tem evidenciado, uma dessas consequências, hoje, incide no chamado 'pós-aula', isto é, no comportamento dos alunos em relação às matérias e professores nas redes sociais. Daí, construiu-se o conceito de ciberviolência, para expressar os ataques e injúrias a professores (para o caso, não se aplica o conceito de bullying). Em França, por exemplo, durante meses, um grupo de pesquisadores observou o comportamento de estudantes nas redes sociais (com recursos variados, em projetos aprovados pelos comitês de ética e também valendo-se do recurso da pseudografia). Daí resultou um relatório com conclusões preocupantes, o que levou o governo francês a lançar, em 2013, uma campanha nacional para fazer frente ao problema. E por cá? Temos trabalhos, em número, e com chancela acadêmico-científica, que tratem devidamente do assunto? Os sinais são de que não. Eis aí um terreno promissor de estudo para a pesquisa educacional brasileira. É aguardar então o desenvolvimento de iniciativas que, por agora, são apenas embrionárias. A propósito, vale uma 'vista de olhos' no texto abaixo, como produção jornalística.
Por Angela Senra
(Uol - Universo Online)
Sofrer perseguição e constrangimento pelo pessoal da escola, o
bullying, não é um acontecimento reservado apenas aos alunos. Professores
também padecem com o desrespeito dos estudantes. Mas, em vez de aviõezinhos de
papel, os alunos de hoje se vingam dos professores na internet, criando
comunidades e sites com difamações e xingamentos. Seria uma espécie "ciberbullying
às avessas", apesar de o termo não se aplicar neste caso (leia abaixo).
A ciberviolência contra
professores - melhor definição aplicada aqui - parece ser mais comum em escolas
públicas, mas existe também nos estabelecimentos privados. Para a psicopedagoga
Quézia Bombonatto, presidente da ABPp (Associação Brasileira de
Psicopedagogia), uma explicação para que o mau comportamento ocorra com menos
frequência nas particulares é o sonho dos pais que os filhos estudem em
determinados colégios. “Os mais conceituados são procurados às vezes quando a
criança nasce, dão status, por isso as escolas privadas conseguem controlar
melhor este tipo de comportamento”, acredita.
Isso não quer dizer que
não aconteça. A professora de Florianópolis (SC) Luciana*, de 41 anos,
lecionava em uma faculdade particular havia três anos quando se viu às voltas
com a agressão de um grupo de alunos. “Eles não aceitavam as cobranças que eu
fazia em sala de aula e partiram para o ataque na internet. Criaram uma
comunidade no Orkut com o nome de ‘Eu Odeio a V… Cognitiva’, que fazia
referência à disciplina que eu dava”, relata.
Ela levou o fato ao
conselho de ética da universidade, que não se posicionou a respeito. “O
coordenador do curso apenas conversou com os alunos e pediu que retirassem o
grupo virtual do site. Mas até a comunidade sair do ar eles colocaram posts
ofensivos, me xingaram de todos os palavrões que se pode imaginar.”
Ao contrário de muitos
professores, que acabam doentes, Luciana permaneceu indo normalmente ao
trabalho. “Tenho jogo de cintura, não me deixei abalar, mas foi muito
complicado. Não é nada agradável ter um grupo de pessoas que não gosta do seu
trabalho e que, em vez de discutir civilizadamente, publica insultos contra
você diariamente na internet”, desabafa.
A solução que a
faculdade encontrou foi não renovar o contrato com Luciana, que hoje leciona em
faculdade federal e não sofreu mais este tipo de assédio.
Brincadeira ou assédio?
O assédio moral aos
professores não é uma novidade do século XXI, mas Quézia acredita que antes era
mais disfarçado. “Na década de 1970, quando dava aulas, os alunos ficavam
quietos na presença do professor. Hoje as relações são muito diferentes, há uma
desvalorização generalizada do papel do educador. Os próprios pais, muitas
vezes, ao invés de questionarem os filhos, questionam os professores, mesmo
quando se trata de notas baixas.”
Além disso, o próprio
sistema, segundo ela, dá mais poder ao aluno. “A reprovação, que era um
instrumento de controle, quase não existe mais, e o aluno sabe disso”, diz
Quézia.
Professor versus aluno
O professor então
estaria isento de responsabilidade? O sociólogo Gualberto Gouveia, que estuda o
tema há seis anos, acredita que não. “Muitos estão afastados dos alunos, não se
atualizam e perdem o controle com facilidade. Isso dá margem às brincadeiras,
que, muitas vezes, não passam disso mesmo.”
Para a psicopedagoga
Birgit Mobus, da Escola Suíço-Brasileira de São Paulo, o limite entre uma
gracinha de mau gosto e agressão nem sempre é claro. “Se um aluno coloca sal na
água do professor, é indisciplina? Qual o significado de ‘vá se ferrar’, por
exemplo? Para alguns, é um palavrão; para outros, um desabafo do tipo ‘não
enche’. Depende muito do humor do professor e de seu nível de tolerância. O bom
profissional sabe avaliar a gravidade de um fato e conversa com o aluno e os
pais para resolver”, acredita.
E quando o aluno resolve
partir para a agressão física? “Crianças pequenas, que não sabem lidar com a
raiva, podem bater no professor. Muitas vezes, estes alunos têm pais abusadores
ou não têm limites dentro de casa e carregam o mesmo comportamento para a sala
de aula”, diz Birgit.
Não é incomum também
ouvir dos pais que, já que pagam a escola, os professores têm de fazer o que
eles querem. “Os professores são cobrados, mas não são valorizados. E isso se
reflete no comportamento dos alunos”, afirma Quézia.
O que fazer
No caso de agressão de
aluno contra professor, o termo bullying não se aplica, pois é usado para
denominar agressão entre pares, ou seja, aluno contra aluno ou professor contra
professor. Mas assim como nos casos de bullying, a escola tem sua
responsabilidade. “Ela deve ficar alerta ao problema, no sentido de
preveni-lo”, explica o advogado trabalhista empresarial José Eduardo Pastore.
A difamação, que
consiste em atribuir a alguém fato ofensivo à sua reputação, pede medidas:
- Registre um boletim de
ocorrência (BO) contra o autor da difamação ou seu responsável legal.
- No caso de redes
sociais, ingressar com uma ação cautelar para que o provedor forneça os dados
sobre a identidade do computador do qual as mensagens foram postadas e ainda
para que o provedor remova do ar o conteúdo ofensivo.
- Entre na Justiça com
um pedido de indenização por danos morais.
- Entre na Justiça com
uma ação de difamação, de caráter criminal. O crime de difamação se enquadra
nos crimes contra a honra, Capítulo V, Título I da Parte Especial do Código
Penal Brasileiro. A difamação, prevista no artigo 139 do Código Penal, é punida
com detenção de três meses a um ano, além de multa.
* O nome foi trocado a pedido da entrevistada
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Fonte: http://mulher.uol.com.br/comportamento/noticias/redacao/2010/08/18/professores-tambem-sao-vitimas-de-ciberviolencia.htm
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