Por André Singer
(Cientista político – USP)
O governo Michel Temer passa por má fase, com dificuldade
para achar quadros de reposição aos que deixam o navio intempestivamente. Não
obstante, sempre encontra um modo de prestar serviços ao país. No caso, o de
revelar, cruamente, a que ponto nos trouxe a crise que entra em seu quinto ano.
O prêmio concedido a
Roberto Jefferson, presidente do PTB, com a nomeação da filha, Cristiane Brasil, para a pasta do Trabalho, mostra
que o sucesso das operações anticorrupção pouco alterou os costumes políticos
nacionais. Como se sabe, ao conceder a entrevista que deflagrou o mensalão, em 2005, Jefferson se autoincriminou. Para
denunciar José Dirceu e o PT, teve que reconhecer a própria culpa. Passados 13
anos, cumprido um de prisão em regime fechado, lá está ele, impávido, de volta
ao poder por meio da descendente.
A própria deputada
escolhida aparece na delação da Odebrecht à Lava Jato,
além de enrolada com processos trabalhistas (se bem que isso pode trazer
conhecimento útil no posto que ocupará). Pai no mensalão; filha na Lava Jato.
Nada disso importa. Sob o comando de Jefferson, o PTB deu 14 votos na Câmara
pelo impeachment de Dilma, 14 contra o afastamento de Temer e promete outros
tantos para a reforma da Previdência. É dando que se recebe.
E se alguém acha que essas
agremiações clientelistas estão com os dias contados até a eleição de 2018,
deveria ler com atenção o noticiário corrente. Fernando Henrique mandou dizer a
Alckmin que ele precisa ser capaz de colar os cacos fisiológicos. Kassab, chefe
de um deles, sinaliza que o PSD está disposto a conversar, apesar de ter um
pré-candidato, Henrique Meirelles, no seu partido. O ministro Marun, homem de
Eduardo Cunha, indica que o MDB também pode apoiar o governador paulista,
apesar das mágoas, uma vez que este não se jogou a favor de Temer na hora do
aperto, como fez Jefferson.
Enfim, a velha política
vai se rearrumando. É possível até que da profusão de novos grupos — à direita,
ao centro e à esquerda — saia alguma novidade interessante, mas o Congresso de
2019 não será muito distinto do que está aí. A classe política é o resultado de
lenta sedimentação. Não será destruída nem construída do dia para a noite.
Há um erro fundamental em
achar que processos espetaculares teriam o condão de substituir a camada atual
de legisladores por uma nova em folha. Os políticos profissionais refletem a
sociedade da qual emergem. Eles não mudarão enquanto esta não mudar.
PS: de acordo com Fernanda
Calgaro, do "G1", o deputado do PSD-RJ que deve assumir com a
vacância de Brasil foi condenado "por exploração sexual de menor". O
parlamentar diz que a condenação foi política.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/. Título original: 'O Brasil de Cristiane'.