quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Desventuras na Educação: Desinteligência, prejuízos do 'faz de conta' à formação e as falácias do "eduquês"

Circulam informações atribuídas ao Ministério da Educação dando conta da vontade dos gestores que ascenderam com o governo Temer de extinguir apoios e programas relacionados à docência/formação de professores, como o PIBID. A justificativa invocada seria que, não obstante o montante de recursos destinados a essas iniciativas durante os governos Lula e Dilma, os resultados concretos em termos de melhoria dos níveis de desempenho do Brasil em avaliações como o PISA, substancialmente, não apareceram. De fato, durante os governos mencionados, independente de quaisquer considerações críticas que a eles se faça, é de se reconhecer que a educação esteve no foco das atenções: expansão/interiorização das universidades federais, programas de bolsas, políticas de inclusão educacional, etc. Ao ponto de até mesmo um adversário e crítico duro de tais governos, como José Arthur Giannotti, reconhecer esse fato, ao escrever um artigo, em 2010, sugestivamente intitulado universidade da bonança, para assinalar que falta de verba, na época, não era mais desculpa para o pouco desenvolvimento do ensino superior no Brasil. Entretanto, a situação educacional do Brasil mantém-se caótica e as posições do país nas avaliações no tocante à qualidade são vexatórias. Por quê? Já faz tempo que estudos longitudinais, na esfera da economia da educação, aportam hipóteses explicativas consistentes para fenômenos assim. Parece que vale a pena tê-los em conta. Além disso, abordagens como a aí abaixo, desenvolvida pelo professor Nuno Crato (autor de 'Passeio Aleatório pela Ciência do Dia a Dia'), têm ganhado terreno. A conferir.


capacitao


Texto/entrevista por Angela Pinho 

Por mais controvérsias que existam sobre métodos de ensino, um conjunto de ideias virou praticamente [um negativo] consenso entre [determinados] educadores nas últimas décadas [assim como entre alguns gestores, assessores e vendedores de serviços educacionais]
Algumas delas: o aluno deve gostar do que aprende; memorizar informações é negativo; e desenvolver competências ‘como pensamento crítico’, mais do que ensinar o conteúdo curricular, é o verdadeiro papel da escola do século 21.
Para Nuno Crato, são erros.  Ministro da Educação de Portugal de 2011 a 2015, ele comandou uma reforma no sistema educacional do país que recorreu a uma receita clássica. Eliminou disciplinas como estudo acompanhado e projetos, e aumentou o rigor na seleção de professores.
Após sua saída do ministério, os resultados do Pisa, exame internacional de educação, fizeram o mundo voltar os olhos para Portugal.
Na prova de 2015, o país superou a média da OCDE, organização que reúne o mundo desenvolvido, ultrapassando Estados Unidos e Espanha, por exemplo. Junto a Dinamarca, Suécia e à minúscula Malta, foi a única nação europeia a melhorar em todas as áreas avaliadas.
Hoje, no ranking do exame, Portugal ocupa o 18º lugar em ciências, o 15º em leitura e o 21º em matemática - três anos antes, estava em 29º, 22º e 28º, respectivamente. As colocações do Brasil são 49ª, 45ª e 53ª.

ENTREVISTA COM NUNO CRATO 

Um gargalo na educação brasileira é o ensino médio. E em Portugal?
Passava-se o mesmo. O aluno completava o básico e depois com muita dificuldade o secundário. Isso só pode ser ultrapassado com uma melhor preparação para o ensino médio. Não é simplificar, mas trabalhar mais. Uma receita simples. É importante também haver uma diversidade de caminhos.


O sr. é um crítico do chamado "eduquês". Quais são os maiores mitos da educação?
Há muitos. Um é que os alunos só devem aprender o que gostam. O problema é que eles só podem saber o que gostam depois de aprender. Portanto, além de motivar os alunos, é preciso rigor para lhes transmitir conhecimentos e habilidades fundamentais.

Outro mito é que avaliação faz mal, cria estresse, e os jovens ficam traumatizados. Mas avaliação não é um obstáculo, é um incentivo. Todos precisamos. Tudo isso são mitos muito antigos.
O que se chama de educação moderna, no fundo, são ideias muito velhas, de mais de um século, muitas sem fundamento. Exemplo é a noção de que a exigência prejudica os pobres. Não, ela é amiga deles, porque os mais favorecidos podem ir a escolas privadas, podem ter apoio especial. Os mais desfavorecidos, não. Ou a escola pública lhes dá o conhecimento e as capacidades de que precisam, ou terão mais dificuldade no futuro.

E as críticas aos métodos de ensino que fazem o aluno memorizar o conteúdo [considera-se uma certa diferença ente o processo de memorização e o mero decorar, o ‘puro decoreba’?
Outro mito é que memorizar faz mal. Pelo contrário. Memorizar ajuda a desenvolver o cérebro e preparar para atividades de ordem superior. Claro que não queremos alunos que saibam de cor as coisas e não saibam aplicá-las. Mas a memorização também é necessária, pois, se não se sabe nada, não se pode aplicar.

A ideia de que o aluno pode ser crítico sem saber também é outra totalmente falsa. Como se pode fazer formação crítica sem se dominar o conteúdo? Como o aluno pode ter formação crítica sobre economia de mercado se ele não souber o que é a economia de mercado

Como melhorar a formação de professores?
Em Portugal, nós aumentamos a exigência para a profissão. Para entrar na universidade em cursos da área, exigimos uma nota mínima em disciplinas como português. Outra, que infelizmente foi retirada, é uma prova para entrar na carreira. [As duas medidas foram propostas também no Brasil, pelo então ministro Fernando Haddad, em 2009. A prova nacional não foi levada adiante, e a nota mínima virou lei em 2013, mas nunca foi regulamentada].

Além disso, as universidades também aumentaram a carga horária para o conhecimento das matérias que serão lecionadas.

Algumas escolas brasileiras vêm adotando um ensino por projetos que reúnem várias disciplinas. O que acha?
Projetos podem e devem ser feitos. Podem e devem ser multidisciplinares. Mas isso é muito negativo se destrói conteúdos das disciplinas, porque elas têm uma estrutura que os jovens precisam conhecer, e não só por meio de projetos dispersos.

A história, por exemplo, tem uma ideia de continuidade que deve ser apresentada de maneira sistemática. Se o jovem faz uma vez um projeto sobre a Grécia Antiga, outro sobre os índios brasileiros, nunca terá um conhecimento conjunto da história. Projetos são auxiliares do ensino, não podem ser sobrevalorizados.

Por que os países asiáticos, como Cingapura, dominam hoje os rankings educacionais?
Porque fazem o básico. Têm as disciplinas bem organizadas e professores exigentes, que trabalham sistematicamente as aulas e com planejamento.  


Há uma ideia corrente de que se investir muito no conteúdo não vai formar um cidadão.
É um erro completo. Não tem sentido formar cidadãos ignorantes. Quanto mais conhecedor ele for, mais crítico, ativo, criativo e solidário será. Estamos no século XXI e, portanto, temos uma sociedade em que os jovens emigram, devem aprender línguas, mudam de emprego. É um mundo diferente. 




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Leitu-ra
Ciências
Matemáti-ca
'12

Média de todos os países do ranking
Leitura: 493 / Ciências: 401 / Matemática: 490
Fonte: Pisa-OCDE/Inep