segunda-feira, 24 de julho de 2017

Políticas sobre drogas: 'Uruguai na vanguarda'

O transcrevo aí abaixo um editorial do jornal Folha de São Paulo, publicado no último fim de semana. O foco é a política sobre drogas adotada pelo Uruguai, no que se refere à cannabis. O jornal intitula o texto como 'Uruguai na vanguarda', tendo em conta a fase da política uruguaia que começou no último dia 19/07 e que consiste na venda do produto num número determinado de farmácias do país, sob o controle do governo. Num exemplo de política gradual e tendo em atenção o fator saúde, a descriminalização já estava instituída entre os uruguaios. O reconhecimento do significado da política do país vizinho pela Folha nada mais faz do que constatar um fato, onde ciência e racionalidade passam a ser critérios de arbitragem, ao invés de preconceitos, insensatez e opiniões desprovidas de fundamentos, sendo exemplo dessa toada o "achismo" segundo o qual "todo defensor da descriminalização do uso da cannabis é usuário da mesma". O fracasso da dita guerra às drogas (que teve efeito contrário ao que pretendia), o controle dos presídios por organizações criminosas, o proibicionismo que alimenta o mercado do tráfico, o equívoco de encarcerar pessoas que o que precisam é dos serviços de saúde, etc., deveriam ser pontos centrais para o debate sobre as drogas num país como o Brasil, como a dimensão que tem na América Latina. Mas foi o Uruguai quem saiu na frente, e está na vanguarda. Mesmo sabendo-se que a questão das drogas é um tema complexo e não tem solução fácil, o país vizinho passa a ser uma referência na discussão sobre o assunto e, por certo, um centro que atrairá a atenção dos formuladores de políticas e dos pesquisadores que estudam as drogas. 


(170719) -- MONTEVIDEO, julio 19, 2017 (Xinhua) -- Una consumidora de marihuana muestra el envase de cannabis adquirido legalmente en una farmacia del barrio Pocitos, en Montevideo, capital de Uruguay, el 19 de julio de 2017. Dieciséis farmacias uruguayas comenzaron a vender a partir del miércoles marihuana para uso recreativo a los consumidores locales que se registraron previamente en el Instituto de Regulación y Control del Cannabis (Ircca), de los cuales el 70 por ciento son hombres y el 30 por ciento restante mujeres, y el costo será de 6,5 dólares estadounidenses (aproximadamente 187,04 pesos uruguayos) por cinco gramos, de acuerdo con información de la prensa local. (Xinhua/Nicolás Celaya) (nc) (jg) (ah)
Uruguaia mostra embalagem com cannabis comprada legalmente  em
 farmácia de Montevidéu (legenda/registro da publicação da Folha de São Paulo)


Editorial, Folha de São Paulo (dia 24/07/201) 

Começou na quarta-feira (19) a última fase da nova política do Uruguai para a maconha. Em 2013, lei aprovada pelo Congresso prescreveu a legalização gradual da droga. Primeiro, autorizou o plantio individual ou em clubes de cultivo (posse e consumo já eram liberados). Agora, a erva passa a ser vendida às claras em 16 farmácias do país.
A venda legal da maconha é restrita a cidadãos uruguaios ou residentes, que precisam se registrar para adquirir até 10 g por semana. De modo inédito, produção e distribuição ficam a cargo do Estado.
Outros países, como Portugal e Holanda, além de Estados dos EUA, descriminalizaram uso pessoal ou plantio caseiro. Só o Uruguai, porém, chegou à extravagância de estatizar todo o processo, levando mais longe a bandeira dos críticos do paradigma proibicionista.
Não há exagero em afirmar que o vizinho de 3,5 milhões de habitantes atrairá as atenções de boa parte do mundo. Aspectos positivos e negativos da experiência uruguaia, ainda que limitada à maconha, serão esgrimidos no que parecem contendas intermináveis entre quem apoia a guerra às drogas e quem advoga por sua legalização.
Se observado em perspectiva, contudo, esse debate está em movimento – e o segundo grupo tem conquistado terreno.
Nos anos 1980, quase não havia controvérsia; "proibir" era a palavra de ordem. O consenso começou a se desfazer na década seguinte, quando diversos países europeus passaram a preservar usuários, punindo apenas traficantes.
Consolidada a tendência, cresceu o grupo de personalidades insuspeitas dispostas a sustentar as vantagens da descriminalização (eliminar ou abrandar penas para o consumidor) e da legalização (autorizar produção e venda).
Os argumentos são sólidos. A guerra às drogas provou-se caríssima, ineficaz e proveitosa para os traficantes. Já a legalização pode gerar recursos para o Estado e garantir que os usuários com problemas sejam tratados em clínicas, e não em prisões, das quais não raro saem piores do que entram.
Adversários das medidas sempre disseram que a liberação das drogas implicaria aumento do número de consumidores e da criminalidade. A prática tem provado que esses temores são infundados.
No ano que vem, o Canadá seguirá o exemplo do Uruguai. Pode-se imaginar que, em breve, outros países farão o mesmo. De forma gradual, como deve ser, um paradigma insensato vai cedendo a um modelo muito mais racional.