Por Wilson Ferreira
Desde “O Exterminador do Futuro” (1984) e “De Volta ao Futuro” (1985),
as representações do tempo mudaram no cinema e audiovisual: o Tempo tornou-se
mutante e aleatório como um hipertexto. Mas curiosamente, a série da TVE (a
tevê pública espanhola) “El Ministerio Del Tiempo” (2015) vai na contramão
desse imaginário sobre o tempo-espaço que caracteriza a atual era das
tecnologias digitais e Globalização: ao contrário, a série de ficção-científica
mostra o Tempo como um fenômeno unidirecional e imutável onde um ministério
secreto do governo protege misteriosas portas do tempo de possíveis
oportunistas que tentem alterar o passado em seu próprio benefício. Se o cinema
é um documento do imaginário de cada época, a série espanhola parece apontar
para uma reação contra o paradigma tempo-espaço que sustenta a financeirização
e a Globalização. Mergulhada em uma crise econômica desde o fim da estabilidade
da Zona do Euro, a Espanha nos oferece uma série que quer se apegar ao
nacionalismo e à sua História como resposta à crise global.
O leitor deve conhecer o
mais famoso quadro do pintor espanhol Valazquez, Las Meninas de 1656 –
composição enigmática que sugere um quadro dentro de um quadro, criando uma
relação incerta entre observador e a obra. Quem é a figura no fundo
atravessando um corredor que observamos através de uma porta aberta? O neto do
pintor, Dom José Nieto Velazquez? Não, provavelmente algum viajante do Tempo de
passagem que parou para observar a cena.
É o que sugere a série
produzida pela tevê pública espanhola (TVE) Lo Ministerio Del Tiempo em
uma rápida sequência onde é apresentado ao protagonista o maior segredo
guardado pelo governo espanhol: portas e corredores do tempo existentes em um
subterrâneo na cidade de Madrid – segredo de um rabino na Idade Média que, em
troca de não ser expulso revelou o segredo para reis católicos. Uma rede de
portas de origem misteriosa que se conecta com o passado dos reinos espanhóis.
A
rede de portas é administrada e guardada por entediados funcionários públicos
do Governo, principalmente porque existe a ameaça da existência de portas
clandestinas: existem pessoas que querem mudar o passado em seu benefício –
líderes de legiões romanas que querem ter acesso a metralhadoras atuais ou
militares franceses do século XVIII que querem ter acesso a revólveres da
polícia de Madrid para derrotar a Espanha – tema do episódio piloto da série. E
se a Al Qaeda de 2001 tivesse acesso aos modelos atuais de celulares?
Três Personagens Distintos
A série acompanha o recrutamento pelo ministério de
três personagens em três épocas diferentes: Alonso de Entreríos (soldado
condenado a morte no século XVI), Amélia Folch (feminista e primeira mulher a
frequentar uma universidade da Espanha no século XIX - inteligente e com uma
memória fotográfica é o cérebro do grupo) e Julian Martinez, paramédico do Samu
na Madrid atual.
Cada um deles vive em sua respectiva época, mas
ocasionalmente são convocados para missões secretas para localizar e combater
oportunistas que descobrem as portas do tempo clandestinas, e tentam mudar o
passado a seu favor. Três personagens bem distintos, que criam em muitos momentos
situações engraçadas e irônicas – como um soldado do século XVI poderá aceitar
ordens de uma feminista do final do século XIX?
Duas coisas chamam a atenção nas linhas de diálogo
do El Ministério Del Tiempo: constantes referencias irônicas que o
paramédico Julian faz ao filme O Exterminador do Futuro (The
Terminator, 1984) e ironias em relação a atual situação econômica da Espanha –
venceu a guerra contra a França no passado, mas hoje “presta homenagens ao
Banco Central Europeu”. Ou quando os três atônitos protagonistas perguntam o
que fazer em sua primeira missão para deter os militares franceses do século
XVIII: “improvisem, como faz todo espanhol”, numa alusão ao atual cenário de
crise econômica.
Três Personagens Distintos
A
série acompanha o recrutamento pelo ministério de três personagens em três
épocas diferentes: Alonso de Entreríos (soldado condenado a morte no século
XVI), Amélia Folch (feminista e primeira mulher a frequentar uma universidade
da Espanha no século XIX - inteligente e com uma memória fotográfica é o
cérebro do grupo) e Julian Martinez, paramédico do Samu na Madrid atual.
Cada
um deles vive em sua respectiva época, mas ocasionalmente são convocados para
missões secretas para localizar e combater oportunistas que descobrem as portas
do tempo clandestinas, e tentam mudar o passado a seu favor. Três personagens
bem distintos, que criam em muitos momentos situações engraçadas e irônicas –
como um soldado do século XVI poderá aceitar ordens de uma feminista do final
do século XIX?
Duas coisas chamam a atenção
nas linhas de diálogo do El Ministério Del Tiempo:
constantes referencias irônicas que o paramédico Julian faz ao filme O Exterminador do Futuro (The
Terminator, 1984) e ironias em relação a atual situação econômica da Espanha –
venceu a guerra contra a França no passado, mas hoje “presta homenagens ao
Banco Central Europeu”. Ou quando os três atônitos protagonistas perguntam o
que fazer em sua primeira missão para deter os militares franceses do século
XVIII: “improvisem, como faz todo espanhol”, numa alusão ao atual cenário de
crise econômica.
Exterminador do Futuro e De Volta para o Futuro dos
anos 1980 foram filmes que alteraram a concepção clássica sobre o tempo no
cinema. Ao contrário de séries cultuadas como O Túnel do Tempo (Time Tunnel, 1966-67) onde
Philip e Doug tentam evitar sem sucesso as tragédias da História, a partir dos
anos 1980 podemos voltar ao passado para alterá-lo e, simultaneamente, melhorar
o presente. Mais do que isso, em filmes recentes como O Efeito Borboleta (2004)
e Sr. Ninguém (Mr. Nobody, 2009)
transforma-se em um hipertexto onde cada opção cria um futuro ou um passado
alternativos, configurando um contínuo espaço-tempo cada vez mais complexo como
uma série de universos paralelos que, potencialmente, poderiam se tangenciar ou
influenciarem-se mutuamente.
O
que chama a atenção de El Ministerio Del Tiempo é
a sua concepção do contínuo tempo-espaço que transforma a série num documento
de época, um produto cultural cujo imaginário reflete a atual situação
econômica espanhola e europeia.
Em
primeiro lugar a série parece romper com a concepção de tempo, por assim dizer,
pós-moderna iniciada nos anos 1980 – um contínuo maleável, moldável e que pode
se bifurcar. Ao contrário, na série espanhola o passado deve ser guardado e
mantido intacto a todo custo. O Governo é o guardião da História cuja missão é
caçar todos os oportunistas que tentam mudá-la.
Parece
que todos os passados de todas as épocas estão ainda sendo vivenciados
repetidamente, ad eternum – por
exemplo, um dos funcionários públicos que administram as portas do tempo sempre
visita a de número 58 para reviver uma histórica vitória em uma partida do time
do Real Madrid.
Tempo Real e a Globalização
O
tempo-espaço complexo e mutável retratado pelo cinema segue paralelo ao
desenvolvimento das mídias digitais, a linguagem hipertexto e a Internet –
tecnologias que foram as ferramentas fundamentais para a Globalização e a
integração do sistema financeiro mundial.
Se o
historiador francês Marc Ferro estiver correto de que toda produção
cinematográfica é um documento histórico por carregar consigo mentalidades,
costumes e o universo simbólico do período em que foi produzido, podemos
considerar que isso é mais do que um paralelismo (sobre isso leia FERRO, Marc. Cinema e História, São
Paulo: Paz e Terra, 1992).
Os seminais Exterminador do Futuro e De Volta Para o Futuro refletiram
a concepção tempo-espaço da financeirização da sociedade – a hegemonia dos
mercados financeiros (o chamado “turbo-capitalismo”) produziu a virtualização
monetária, a integração em tempo-real das praças financeiras que produziu
fluxos voláteis e cenários de engenharia financeira cada vez mais complexo.
Para o capital financeiro
virtual e sem o antigo lastro-ouro que ancorava o papel-moeda, a realidade
torna-se plástica, rapidamente modelável em um eterno presente (o
“tempo-real”). Passado e futuro desaparecem nesse contínuo presente e o tempo
deixa de ser rígido numa sucessão de causa e efeito – agora o Tempo é
aleatório, caótico.
Não mais lemos a História
como um texto, mas navegamos como em um hipertexto onde saltamos de um lado
para outro por meio de hiperlinks.
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Fonte: http://jornalggn.com.br/blog/wilson-ferreira/.