segunda-feira, 20 de maio de 2013

O Dia do Pedagogo e os Sentidos da Educação: o Papel da Escola


Aos profissionais da Pedagogia que visitam este espaço, as minhas saudações pelo seu dia - o 20 de Maio, Dia do Pedagogo. Marcando essas saudações, abaixo estão alguns extratos de uma entrevista de Dermeval Saviani acerca dos sentidos da educação e do papel da escola, numa reflexão mais do que pertinente diante de determinados discursos que, ora transformando a escola em espaço de "assistência social", ora envolvendo-a no véu do populismo, levam-na a fazer tudo, menos que o é o seu atributo: ensinar, e ensinar com qualidade, formando as novas gerações com padrão de excelência. 

 
            “Sem dominar aquilo que os dominantes dominam, os dominados não chegam a se libertar da dominação”. O aforismo do professor Dermeval Saviani era uma crítica endereçada a teóricos e educadores que pregavam, nas décadas de 1970 e 1980, uma escola voltada às chamadas ‘experiências populares’, em detrimento do saber sistematizado, desprezando a ciência e difundindo, em muitos casos, uma visão preconceituosa sobre a dinâmica da vida acadêmica. Reconhecido como um dos maiores especialistas em educação no país, com contribuições tidas como fundamentais na confecção da LDB e da Constituição, Saviani avalia que o eixo da discussão mudou a partir da década de 1990, quando o ensino ficou a reboque, no seu entender, do assistencialismo e da maquiagem estatística. Em entrevista, Saviani fala das perspectivas contemporâneas da educação brasileira.
No último Cole (Congresso de Leitura), realizado na Unicamp, foi consensual a opinião de que a escola está há muito deixando de lado o seu papel de educar e de formar o cidadão. O senhor concorda?
O que eu tenho constatado e também tem sido um dos vetores das lutas que travamos desde a segunda metade da década de 70, é uma certa tendência a deslocar aquilo que me parece ser o papel principal da escola. Entendo que ela tem a ver com o saber sistematizado, com a cultura letrada, com o saber científico. Não com o senso comum, o saber espontâneo, o saber da experiência, ou aquilo que é chamado de cultura popular. Por quê? O que se pode constatar é que, para desenvolver a cultura popular, não se precisa da escola. Agora, na medida em que se desenvolveu uma tendência que desvalorizava ou secundarizava a cultura erudita e valorizava a cultura popular e, por conta disso, passou-se a taxar a escola como alienante, como instrumento de dominação por estar ligada à norma culta, comecei a me perguntar: em que grau isso é realmente transformador? Em que grau isto não vai fazer o jogo da dominação existente? A escola seria uma forma do homem do povo ter acesso ao saber elaborado, sem o que esse tipo de saber fica privilégio das elites. 
Houve reação a esta posição?
Passei a me bater contra a tendência a diferenciar as escolas: a das massas e a das elites, esta última qualitativamente mais desenvolvida. Isso me colocou num certo momento num embate com os seguidores do Paulo Freire, que viam nas minhas formulações uma contraposição a esse educador.
Como o senhor reagiu?
Essa visão de escola sempre me intrigou, porque era como se você nas escolas devesse fazer discurso político. Como esse discurso vai se sustentar se não existe conteúdo das várias áreas que os alunos viriam a dominar? Então esse discurso acaba deixando os trabalhadores sempre na dependência dos intelectuais. Isso me chocava. Os defensores da escola centrada no saber elaborado eram acusados como tendo uma visão vanguardista. A crítica era na seguinte direção: o povo é que deve estar na direção do movimento e os intelectuais têm que se deixar dirigir pelas próprias massas. É aí que reside o problema: como as massas podem exercer a função de dirigentes se elas não estão instrumentalizadas com o conhecimento? A democracia deve ser buscada, mas ela não está no ponto de partida e sim no ponto de chegada.
O senhor poderia explicar?
Quando vou, por exemplo, me relacionar com os analfabetos, é uma falácia acreditar-se que posso ter uma relação democrática com a criança ou aluno. Não há democracia aí porque ele está numa posição em que depende do meu auxílio para adquirir determinados instrumentos. O processo pedagógico é que deve elevá-lo. No ponto de chegada, sim. Uma vez alfabetizado, ele se torna capaz não apenas de se expressar oralmente, como também por escrito. E o que funda a relação pedagógica é exatamente essa diferença. Aí sim a diferença é removida e a igualdade se estabelece. Aí pode ser travada uma relação democrática. É claro que essas coisas têm níveis diferentes de análises. Foi essa discussão que se travou nas décadas de 1970 e 1980.
E na década de 1990?
Ao longo da década de 1990, esses problemas tenderam a se deslocar para um plano secundário, ou até mesmo foram superados. Aí surgiu esse fenômeno que está sendo constatado agora, ou seja, os próprios agentes governamentais assumindo essa visão de que a escola deve ter mais uma função assistencial do que propriamente de formação intelectual, de preparo cultural.
O senhor poderia exemplificar?
A função assistencial não é específica da escola. Se você considera que é preciso políticas sociais nesse campo porque as famílias não estão mais dando conta de sobreviver, trata-se de política compensatória que você pode fazer via secretarias de assistência social. 
O senhor acha que existe essa confusão hoje no Brasil?
Não só acho que há uma confusão, como acho que as políticas educacionais governamentais no nível do MEC têm estimulado esse viés assistencialista. Acho que há aí um componente econômico-financeiro associado ao ponto de vista ideológico.
O senhor acredita que essa política é deliberada?
Sim. Um outro componente dessa visão ideológica é que os conhecimentos que a população precisa dominar são mais os do dia a dia. O importante não é estar empregado, mas ser empregável. Ser empregável significa ter flexibilidade e capacidade de adaptação. E você se adapta na medida em que você convive, se relaciona. Então os conhecimentos sistemáticos tendem a ser secundarizados. A questão que se põe, que precisa ser pensada, é se isto tenderia a alterar substantivamente o caráter da escola. Se isto é um indicador de que a sociedade está mudando e que, com a mudança da sociedade, a natureza da escola também está mudando. 
O que pode ser feito?
Termos que resistir a essa tendência dominante. Mas essa resistência vinha se manifestando a meu ver de forma passiva e individual. Então eu postulei a resistência implicando duas características: 1) que ela seja organizada e coletiva e 2) que ela seja propositiva. Não adianta resistir na base do não concordo. O governo baixa um decreto e eu manifesto minha discordância. Isso não se impõe. Quando muito, pelo que tenho observado, se a grita é mais ou menos geral, o governo faz recuo tático. Para dar eficácia a esse movimento de resistência, propus a estratégia que chamei de resistência ativa.


QUEM É DERMEVAL SAVIANI

Formação
Bacharel e Licenciado em Filosofia, pela PUC-SP, 1966
Doutor em Filosofia da Educação, pela PUC-SP, 1971
Livre -Docente em História da Educação, pela Unicamp, 1986

Carreira científica e docente
Doutorado em filosofia da Educação na PUC-SP, em 1971.
Professor Titular da Universidade Federal de São Carlos-UFSCar, em 1975.
Professor Titular da PUC-SP, em 1979.
Concurso de Livre-Docência em História da Educação na Unicamp, em 1986.
Concurso de Professor Adjunto na Unicamp, em 1990.
Concurso de Professor Titular na Unicamp, em 1993.
Pesquisador Senior I-A do CNPq. 

Algumas obras 
Educação Brasileira: estrutura e sistema, São Paulo, Saraiva, 1973. (8a. Ed. Campinas, Autores Associados, 2000).

Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo, Autores Associados/Cortez, 1980. (13a. Ed. Campinas, Autores Associados, 2000).
Escola e Democracia. São Paulo, Autores Associados/Cortez, 1983 (34a. Ed. Campinas, A. Associados, 2001). Obs.: traduzido para o espanhol: Escuela y Democracia. Montivideo, Monte Sexto, 1988.
Ensino Público e algumas falas sobre Universidade. São Paulo, A. Associados/Cortez, 1984. (5a. Ed., 1991).
Política e Educação no Brasil. São Paulo, A. Associados/Cortes, 1987(4a. Ed., Campinas, Autores Associados, 1999).
Sobre a Concepção de Politécnia. Rio de Janeiro, Fiocruz, 1989.
Pedagogia Histórico-Crítica. São Paulo, A. Associados/Cortez, 1991. (7a. Ed., Campinas, A. Associados, 2000.).
Educación: Temas de actualidad. Buenos Aires, Libros del Quirquincho, 1991 (em Português: Educação e Questões da Atualidade. São Paulo, Cortez/Livros do Tatu, 1992.
A Nova Lei da Educação: trajetória, limites e perspectivas. Campinas, Autores Associados, 1997 (7a. Ed., 2001).
Da nova LDB ao novo Plano Nacional de Educação: por uma outra Política Educacional. Campinas, Autores Associados, 1998 (3a. Ed., 2000).
Para uma história da educação latino-americana (Org.). Campinas, Autores Associados, 1996.
Formação de Professores: a experiência internacional sob o olhar brasileiro (Org.). Campinas/São Paulo, Autores Associados/NUPES, 1998 (2a. Ed., 2000).
História e História da Educação: o debate teórico-metodológico atual (Org.). Campinas, Autores Associados/HISTEDBR, 1998 (2a. Ed., 2000).
História da Educação: Perspectivas para um intercâmbio internacional (Org.). Campinas, Autores Associados/HISTEDBR, 1999.
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Fonte: Jornal da Unicamp (http://www.unicamp.br/unicamp/)


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