Você tem Facebook?
Rodrigo Savazoni
A internet mudou o mundo. Segue transformando-o. E
a mais recente transformação é consequência da invenção do Facebook por
Mark Zuckerberg. Seis anos atrás, aos 19 anos, ele lançou o mais bem sucedido e
abrangente site de rede social. Porque, como a grande maioria dos garotos de
sua geração, acreditou que uma idéia na cabeça e alguns códigos à mão o fariam
bilionário. Acertou. Isso o torna a expressão perfeita do fluido
capitalismo contemporâneo, que vive de nos vender – o que somos e fazemos –
produzindo uma inestimável sensação de liberdade.
No ano que se encerrou, conforme registra o livro
The Connector, lançado recentemente nos Estados Unidos, a invenção de
Zuckerberg atingiu a marca de 550 milhões de usuários. “Uma em cada dúzia de
seres humanos existentes no planeta usa a ferramenta. Elas falam 75 línguas e
coletivamente gastam mais de 700 bilhões de minutos no Facebook todos os
meses. No último mês de 2010, o site angariou uma de cada quatro páginas de
internet visitadas nos Estados Unidos. Essa comunidade tem crescido ao ritmo de
cerca de 700 mil pessoas por dia”.
Por essa e outras razões – algumas delas vamos
tentar descrever neste texto –, o Facebook passou a concentrar a
atenção dos homens e mulheres que dedicam suas vidas a pesquisar e avaliar os
fenômenos políticos, econômicos, sociais e culturais que são reflexo da
emergência da rede mundial de computadores.
É bom alertar, estamos diante de um
paradoxo que não compreenderemos por meio de leituras dicotômicas. Para aquilo
que é líquido, busque-se o recipiente correto, senão a análise escorre pelas
frestas. Esse paradoxo consiste em: por um lado, a rede social de Zuckerberg é,
sem sombra de dúvida, um elemento fundamental para a explosão do uso
da web – inclusive proporcionando impactos políticos inestimáveis, como na
Tunísia e no Egito; por outro, integra e aprofunda o movimento de cercamento às
reais liberdades que marcaram a internet desde a sua criação.
Esse cerco à internet livre é produzido por uma
aliança entre governos conservadores, indústria da propriedade cultural,
empresas de telefonia e algumas das emergentes corporações do mundo
das redes, com diferentes níveis de envolvimento de cada um desses atores.
O papel do Facebook nessa
epopéia é o do monopólio, que busca transformar uma parte (um site)
em todo (a rede). A ambição de Zuckerberg é que todo cidadão conectado à
internet – atualmente cerca de 2 bilhões de seres humanos -, tenha um perfil no Facebook e
possa se relacionar lateralmente por meio da ferramenta. Diz fazer isso porque
quer ver o mundo mais “aberto e conectado”. Não é verdade.
Para entendermos porque essa declaração é falsa,
primeiramente precisamos compreender a qual campo fazemos referência quando
falamos do Facebook.
Segundo danah boyd, estudiosa do tema e
consultora de grandes empresas do mundo, um site de rede social tem
três características: 1) permitir ao usuário construir um perfil; 2) articular
uma lista de amigos e conhecidos; e 3) visualizar e cruzar sua lista de amigos
com os seus associados e com outras pessoas dentro do sistema.
O primeiro site com essas características foi
lançado em 1997, portanto apenas um ano depois de a internet se tornar
comercial no Brasil. A explosão desse modelo, no entanto, ocorreria a partir de
2002, com a criação do Friendster e, logo depois, do MySpace.
No Brasil, diferentemente de outros países, a
experiência foi singular. O que o mundo vem experimentando nos últimos dois
anos com o crescimento do Facebook (todos os seus “amigos”
trocando mensagens, fotos, vídeos, entre outras informações, em um mesmo ambiente
controlado), os brasileiros experimentaram a partir de 2004 com a invasão do Orkut,
o site de relacionamento criado pelo Google que segue líder de audiência por
aqui.
Até pouco tempo – e não seria impreciso demarcar
que o Facebooktambém é responsável por isso – as redes sociais foram
observadas apenas como fenômeno adolescente, sem grande importância ou impacto
no ecossistema midiático. Nos últimos anos, no entanto, isso mudou,
principalmente porque essas redes passaram a redefinir a forma como as pessoas
consomem e circulam informações. Conforme escreve Grossman, um dos principais
objetivos de Zuckerberg é mudar a “forma como a mídia é organizada, para
reconstruí-la a partir da oligarquia benevolente de sua lista de amigos como
princípio dessa reorganização”. Quando isso ficou evidente, o tema redes
sociais ganhou outro tratamento por parte dos detentores de poder.
Redes são pessoas
“As pessoas fazem as redes sociais para além delas
mesmas”, explica André Lemos, professor da Universidade Federal da Bahia e
autor, com Pierre Lévy, de O Futuro da Internet, lançado no ano passado. “A
rede não é o canal por onde passam coisas, como pensamos comumente, mas algo
fluido, movente: ela é a relação que se estabelece, a cada momento, entre os
diversos atores. Ela é o que agrega. Ela faz o social”.
Como outras – mas melhor que qualquer uma – a
ferramenta de Zuckerberg se propõe justamente facilitar a aproximação entre
pessoas, o que só é possível porque as massas, de fato, aderiram à plataforma.
“O sucesso do Facebook demonstra que
as pessoas querem se relacionar”, opina Sérgio Amadeu da Silveira, professor da
Universidade Federal do ABC (UFABC) e eleito em janeiro para uma das
representações da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil
(CGI-Br). “Ao contrário do que foi sentenciado pelos tecnofóbicos, a
rede permite aproximar as pessoas e intensifica os relacionamentos. O Facebook e
outras redes sociais são articuladores coletivos, por isso, canalizam os
processos de convocação, mobilização e solidariedade”
Para Giselle Beiguelman, artista multimídia e
professora da Universidade de São Paulo, “é importante perceber, no entanto,
que ao mesmo tempo em que redes sociais como o Facebook abrem
possibilidades inéditas de fomento do consumo e controle, tornam-se
também dispositivos de uso crítico e criativo das mídias existentes. Por isso,
apontam para diferentes concepções e tendências políticas da ecologia midiática
atual.”
Essa ambivalência estrutura o paradoxo ao qual nos
referimos anteriormente. Ao obcecadamente buscar fazer melhor aquilo que a web
se propõe a fazer, mimetizando-a em um ambiente controlado, Zuckerberg constrói
talvez a mais definitiva ameaça às liberdades que constituíram a estrutura
inovadora da rede mundial de computadores.
Não à toa, Tim Berners Lee, o inventor da web,
deixou de lado sua postura pouco beligerante, para se posicionar claramente
contra esse movimento do Facebook em um artigo publicado no ano
passado na Scientific American.
Em “Vida Longa a Web: um chamado pela continuidade
dos padrões abertos e da neutralidade de rede”, Berners Lee faz duas críticas
ao invento de Zuckerberg: a) ao não permitir que informações produzidas e
publicadas em sites de rede social circulem livremente (você só as acessa se
estiver vinculado ao banco de dados da empresa) esses projetos trabalham pela
destruição da universalidade da web, que é uma de suas características mais
fundamentais; b) seu crescimento exagerado conforma um monopólio que acabará
por limitar a inovação.
Para entender a crítica descrita no ponto “a”, é
preciso desfazer uma confusão comum entre dois termos que são comumente
utilizados como sinônimos, mas não são: internet e web. Internet é uma rede de
redes, evolução das pesquisas militares da segunda metade do século
20 que desembocaram no desenvolvimento de protocolos de interoperabilidade que
permitiram a conexão entre diferentes redes físicas (como o Internet Protocol
IP, criado por Vint Cerf).
A world wide web (WWW) foi criada no início dos
anos 90 e pode ser explicada como uma camada visual da rede que para ser
acessada necessita de um software de navegação (um navegador, como o Firefox, o
Chrome ou o Internet Explorer). Todos os protocolos criados são de livre uso e
constituiu-se então um Consórcio, chamado W3C, que se dedica a manter a
abertura e a flexibilidade dessas aplicações, melhorando-as.
Para sustentar sua crítica de que o Facebook promove
a fragmentação da web, Berners-Lee escreve: “o isolamento ocorre porque cada
pedaço de informação não tem um endereço. (…) Conexões entre os dados só
existem dentro de um site. Assim, quanto mais você entra, mais você se tranca
em seu site de redes sociais tornando-o uma plataforma central, um silo fechado
de conteúdo, e que não lhe dá total controle sobre suas informações. Quanto
mais esse tipo de arquitetura ganha uso generalizado, mais a web torna-se
fragmentada, e menos temos um único espaço de informação universal.”
Um monopólio e seu produto: nós
“O Facebook atua estranhamente como um
concentrador de atenções e uma “draga” de conteúdos. Nele tudo pode entrar, mas
nada pode sair”, reforça Sérgio Amadeu. “O Facebook apaga postagens e
elimina perfis sem nenhuma obrigação de avisar os usuários. Atuou contra o
Wikileaks atendendo os interesses do governo norte-americano. A
democracia inexiste no convívio com os gestores doFacebook. Se o Facebook fosse
um país seria uma ditadura e Mark Zuckerberg um déspota de novo tipo”.
Em entrevista publicada no livro The Connector,
Zuckerberg admite o objetivo de constituir um gigantesco banco de dados sob seu
controle. “Estamos tentando mapear o que existe no mundo”, diz ele. De acordo
com Grossman, “ser membro do Facebook é o equivalente a ter um
passaporte. Ou seja, ele é uma ferramenta para verificação de sua identidade,
não apenas no Facebook, mas onde quer que se esteja online”.
“Ferramentas como o Facebook estão no
centro do chamado capitalismo cognitivo que precisam para existir
mobilizar todas as forças afetivas, criativas, comunicacionais. Mobilizar a
‘vida’ como um todo”, escreve Ivana Bentes, coordenadora do curso de
Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Esses
dispositivos servem simultâneamente a criação e ao controle, que é a forma de
operar do pós-capitalismo, é a lógica do Google e doFacebook.
Modular a ‘autonomia’ e a ‘liberdade’ indispensáveis na produção atual
imaterial (design, moda, estilos de vida, conhecimento, tudo que é inovação).”
Tim Wu, ativista pela liberdade da rede, professor
de direito da Universidade de Columbia, autor do livro The Master
Switch – The Rise and Fall of Information Empires, ajuda-nos a explicar o que
vem ocorrendo com a web com base naquilo que ele chama de o ciclo padrão de
desenvolvimento midiático. Ele apresentou essa sua interpretação no Seminário
sobre Cidadania Digital organizado por Amadeu da Silveira em 2009. Para ele, ao
surgir, uma mídia se caracteriza por: abertura, amadorismo e competição.
Depois, tende à formação de monopólios proprietários fechados. Isso estaria
agora ocorrendo com a internet, a qual estaria deixando para trás o tempo da
inovação em direção ao domínio de grandes monopólios (entre os quais o Facebook).
A arquitetura de padrões abertos e distribuídos da
internet permitiu que a inovação brotasse no quintal de casa. No Vale do Silício
garagens viraram museus, onde estão registrados os primórdios dos objetos e
interfaces que hoje todos utilizamos. A principal contradição no caso do Facebook é
a de ter se beneficiado desse ambiente inovador para agora traí-los, em um
movimento que ninguém é capaz de definir onde desembocará, uma vez que sobram
dúvidas sobre qual será o destino que Zuckerberg dará para todo esse arsenal
informação que ele passou a comandar.
Giselle, para quem todas essas críticas são
essenciais, soma mais alguns elementos a esse paradoxo que estamos descrevendo:
“a vulnerabilidade das informações pessoais no Facebook é
constantemente apontada como um dos seus problemas. Contudo, é bom lembrar, que
num mundo mediado por bancos de dados de toda sorte – de programas de busca a
redes sociais, passando pelas ‘Amazons’ da vida e as catracas da empresa e da
escola –, somos uma espécie de plataforma que disponibiliza informações e
hábitos conforme construímos nossas identidades públicas nos diversos serviços
relacionados ao nosso consumo, lazer e trabalho”.
O caso do Egito
Em meio a críticas e desconfianças, o Facebook segue
avançando. Uma das razões para isso, segundo Grossman, é que o “Facebook faz
mais o ciberespaço como o mundo real: maçante, mas civilizado. Considerando que
as pessoas levavam uma vida dupla, o real eo virtual, agora eles levam como uma
só novamente.”
Outra razão que ajuda a explicar o sucesso da
ferramenta é a crescente utilização da plataforma para fins políticos, como no
caso dos protestos contra o ditador egípicio Hosni Mubarak. No período em que
as manifestações tiveram início (e antes de o governo “desligar” a internet
como forma de reprimir as movimentações) oFacebook chegou a concentrar 40%
de todo o tráfego de dados daquele país.
Isso demonstra que os bancos de dados que nos
espreitam também são instrumentos que servem à desobediência. “Facebook e
Google oferecem ferramentas de expressão, de ativismo, de criação (os
dispositivos como potência são incríveis!) e ao mesmo tempo ‘capturam’ essa
potência, monetizam”, descreve Ivana. “A batalhado pós-capitalismo, a
matéria do Facebook são os fluxos da própria vida. Nós
somos o produto, mas nós somos os sujeitos da colaboração, das trocas, da
cooperação social. O desespero do capital hoje é ser tão nômade e
fluido quanto a vida, daí as ferramentas de colaboração serem hoje as mesmas do comando
e do controle.”
O caso do Egito é emblemático não só do uso
da internet para movimentações políticas, mas em especial do uso
feito do Facebook. Foi por meio do site de rede social o
Movimento Jovem 6 de Abril organizou suas primeiras manifestações. Conforme
descrito em matéria publicada pelo The New York Times, os organizadores
reuniram mais de 90 mil assinaturas online e com isso conseguiram encorajar as
pessoas a irem para a rua.
À internet, sem dúvida, coube um papel fundamental,
mas é preciso também relativizá-lo. “No caso do conflito no Egito, a
rede de atores é composta por instâncias diversas: pessoas, discursos, redes
sociais (Facebook e Twitter, os mais usados), SMS e telefones celulares,
cartazes em praça pública, repercussão na mídia internacional, debates
televisivos, luta corporal etc”, explica Lemos. “Nesse sentido, acho excelente
que o Facebook seja usado para articular pessoas para a causa
egípcia. Isso para além do Facebook. As redes sociais são um elemento
importante de publicização dodescontentamento egípcio, mas elas não fazem,
sozinhas, a revolução”
Para Ivana Bentes, “o decisivo é que o desejo, a
criação, a colaboração vem antes e não se reduzem ao comando, transbordam os
dispositivos, mesmo quando são capturadas, rastreadas, monetizadas. Para ser
mais brutal eu diria que por enquanto precisamos também dos Facebooks e Googles
para fazer a insurreição digital que será decisiva para inventarmos uma nova
política para o século XXI. Pós-Google e Pós-Face”.
* Este texto foi construído a partir do diálogo
com os professores André Lemos (Universidade Federal da Bahia – UFBA), Gisele
Beiguelman (Universidade de São Paulo – USP), Ivana Bentes (Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ) e Sérgio Amadeu da Silveira
(Universidade Federal do ABC – UFABC).