O mais recente livro de Paulo Arantes (USP) promete ser daqueles que, analiticamente, não deixam pedra sobre pedra. Uma boa novidade por estas paragens, tão na mesmice acadêmica dos lugares comuns. Chama-se 'O Novo Tempo do Mundo'. Abaixo, uma breve apreciação da obra.
Pedro Rocha de Oliveira
O que há de comum entre o extermínio colonial, os campos
de concentração, a destruição nuclear mútua assegurada, e a criminalização da
pobreza? Resposta: a sociedade moderna, com seu regime de guerra civil
permanente e a “máquina de moer gente” da produção de mercadorias. Essa
sociedade, que nasceu falando de sua própria novidade, nasceu também contando o
tempo que – quando o que está em jogo é o controle do trabalho – é
dinheiro. Inventou a promessa do desenvolvimento perpétuo, a inclusão social total
a perder de vista, o projeto civilizatório de uma felicidade-depois como paga
do sofrimento-agora.
Mas
na época em que o próprio dinheiro, no cassino geral do capitalismo
especulativo, também virou coisa do futuro; em que a supostamente dourada
aliança entre welfare state e corrida armamentista internacional
deu lugar à combinação de neoliberalismo e militarização do quotidiano; em que
a mercadoria colonizou a vida privada até o último pelo pubiano; em que o
horizonte de contagem do tempo é a catástrofe ambiental, o colapso urbano, a
emergência militar e a crise econômica; na época, enfim, do que Paulo Arantes
há tempos já chama de “fuga para a frente”, o próprio adiamento, a
relativização da vida, a espera, se transformou em fim-em-si-mesmo, espelhando
e explicitando com fulgor sinistro a lógica circular da modernização-acumulação
capitalista.Desde o Estado que combina agenciamento do sub-emprego e promoção
do microcrédito à prática descarada da exceção, até as empresas que, através de
violência econômica e extra-econômica, chantageiam povos inteiros, as típicas
construções sociais modernas estão com os dentes de fora, mostrando a quê
vieram, para quem quiser ver. E Paulo Arantes não desvia o olhar.
Lançando mão ocasional do seu sutil humor de cadafalso –
procedimento de distanciamento que não tira ninguém do sufoco, mas devolve a
ele com vitalidade renovada para a crítica do existente – o autor analisa a
economia de guerra, a indústria dos presídios, os campos de extermínio, as
revoltas nos guetos, o golpe militar, e promove a experiência conceitual
cuidadosa e radical desse tempo novo que dá a sensação de que a novidade
morreu, mostrando o enraizamento dessa sensação na pré-histórica história
catastrófica do capitalismo, defrontando o leitor com a necessidade de rejeitar
urgentemente sua continuidade tediosa, trabalhosa, patogênica, destrutiva –
rejeitar seus escombros, que persistem em se manter de pé.
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Fonte: http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/o-novo-tempo-do-mundo3
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