Não, não é do clássico futebolístico entre Sport e Náutico, que terá lugar hoje (sexta-feira) na capital pernambucana, que estou a falar. Tampouco é de meteorologia. Do que se trata é que esta semana Pernambuco está a ferver politicamente. Desde segunda-feira, quando o agora ex-governador Eduardo Campos "bateu no peito", "riscou o chão" e, acompanhado da ex-ministra Marina Silva, se apresentou diretamente para a refrega eleitoral presidencial, o caldeirão político na terra do 'Leão do Norte' ferve. O bloco eduardista foi colocado na rua em Brasília, mirando parceria com Aécio Neves - de forma comum, chegam mesmo a falar, para o futuro, em medidas duras, classificadas por Neves como 'impopulares'. No mesmo dia, a Presidente da República aportou em solo pernambucano e se disse pronta para o embate - escolheu a casa do adversário para assim dizer. Vamos a ver o que se vai passar. Enquanto isso, ficamos a pensar nas tais medidas ' duras, impopulares'. O que seriam? O jornalista Paulo Moreira Leite também se indaga a respeito - abaixo, o texto dele.
IMPOPULARES
E AMARGOS EM 2014
O
espantoso, na campanha, é que candidatos falam em medidas que prejudicam a
maioria dos eleitores e nada acontece
Por Paulo Moreira Leite
Só
pode haver algo muito errado numa campanha eleitoral na qual um candidato de
oposição diz que não tem medo de tomar “medidas impopulares” e nada acontece.
Assessores
de outro candidato de oposição, informa o Pedro Venceslau no Estado de S. Paulo de
hoje, admitem em voz baixa que apoiam “medidas amargas.”
Vamos
combinar.
Até
por uma questão de respeito por cada um de nossos 100 milhões de eleitores, em
especial a imensa maioria que é alvo de medidas impopulares e amargas, seria
bom saber o que se quer dizer com isso.
Fazendo
uma imagem para facilitar o entendimento, vou colocar a coisa em termos bem
populares.
É
como um sujeito que chega para jantar de luxo, avisa que dentro de alguns
minutos pretendem passar na cozinha para bater a carteira dos empregados e
nenhum convidado pergunta: como assim? Eles vão deixar?
Na
lata? E ainda manda aviso prévio?
Quantos
reais podem ser extraídas do bolso de cada brasileiro quando um governante
pretende tomar medidas “impopulares?”
Quanto
valem os “amargos?”
Este
é o debate que importa, não?
Em
situações normais, nossos New York Times, Guardian, CNN, El País, Le Monde não deixariam passar uma notícia
dessas. Na disputar pelo olhar do público, teriam transformado uma afirmação
dessas num escândalo.
Tenho
certeza de que Adam Prezeworski, o brilhante cientista político que o PSDB
adorava ler quando se considerava social-democrata, iria questionar: estamos
abandonando a frágil mas necessária relação entre capitalismo e democracia?
Até
por uma questão de etiqueta, no mundo inteiro políticos que defendem medidas
“não-populares” gostam de disfarçar, dizendo que são na verdade “populares.”
Não
é sincero mas é menos arrogante do que entrar numa campanha eleitoral dizendo
que se pretende prejudicar a maioria.
Igual
a isso é falar em medidas amargas quando faltam poucas semanas para a criançada
ganhar os ovos de Páscoa, não é mesmo? No fundo, não espanta.
Um
sorridente filósofo-economista em campanha já disse – longe, muito longe dos
palanques — que acha que o país não pode conviver com um povo que come bife
todo dia. É ruim para o meio ambiente, pretextou, pois gado solta gases para a
camada de ozônio.
O
cidadão comum – o “popular” que não estava naquele jantar de “impopulares”– ,
agora você começa a entender a coisa, tem direito a fazer perguntas. Diga
rápido o que são medidas “impopulares” para 2015? Por exemplo:
a)
o plano é acabar com a lei do salário mínimo?
b)
revogar a CLT e informalizar o mercado de trabalho?
c)
cortar gastos sociais, o que inclui, você sabe, o Bolsa Família?
d)
cortar repasses a bancos oficiais que permitem manter crédito barato para
investimentos e emprego?
O
debate de política econômica na eleição de 2014 é este. O país vive o menor
desemprego de sua história. A economia cresce. Sim. Não tivemos recessão –
apesar da torcida impopular.
É
preciso ser muito “não-popular” para encher a boca e dizer que “deu errado”,
vamos combinar.
Qual
a prioridade, para a maioria dos “populares”, num país onde a lei diz que um
homem vale 1 voto?
É
preciso devotar um desprezo impopular irresistível pela inteligência popular
para querer apresentar uma boa folha corrida do PSDB na luta contra a inflação.
A
média da inflação no governo FHC foi de 9,2% — depois da moeda nova. A de Lula,
que recebeu uma inflação de 12,5%, foi de 5,7%. A de Dilma se encontra em 6,1%.
Em
1995, 1996, 1999 e 2002, a inflação atingiu sob FHC, um patamar que jamais
seria repetido, em momento algum, após a chegada de Lula ao Planalto. Ocorreram
perdas salariais, que não se verificaram a partir de 2002. Deu errado?
Esse
debate distorcido acontece porque estamos em 2002, mais uma vez. Terror
eleitoral programado, com ajuda de nossos News of the World. O terror deles funciona com a
língua de significados invertidos, onde a verdade é seu oposto.
Você
lembra. Em 2002, um economista do Goldman Sachs lançou o “lulômetro”, uma peça
de marketing eleitoral disfarçada de cálculo econômico, que pretendia
aterrorizar o eleitor com projeções sobre o futuro do país caso Luís Inácio
Lula da Silva chegasse a presidência. Ajudou a criar pânico nas bolsas, deixou
a classe média amedrontada, criando uma situação política que forçou Lula a
fazer concessões além da conta para garantir o início de seu governo. Já vimos
este filme. Dez anos depois do lulômetro, o economista-chefe do mesmo
Goldman Sachs disse para a revista Época Negócios que
Lula foi o mais competente presidente dos países do G-20.
Os
mais espertos impopulares-amargos de 2014 apostam em todas as canoas – não
podem se dar ao luxo da imprudência por motivos ideológicos — mas não deixam de
notar que uma delas anda na frente. Podem até ter suas preferências profundas
mas querem ganhar o jogo de qualquer maneira, não importa o vitorioso. Em caso
de derrota, querem colocar uma faca no pescoço de Dilma. Este é o ponto. Por
isso falam tanto em mudar o “modelo.” A crítica se concentra em 2009, quando o
país enfrentou a maior crise do capitalismo desde 1929 sem desemprego nem
recessão. Dizem que o erro foi cometido ali e agora é preciso arrumar a casa.
Não perdoam o esforço para resistir a austeridade, as demissões em massa, aos
cortes que jogaram a Velha Europa no atoleiro de hoje.
Em
2014, o condomínio Lula-Dilma disputa – como favorito – o quarto mandato
consecutivo no Planalto, um feito sem igual na história de nossa República. Não
teve ajuda “im-popular” de ninguém.
Em
momentos de delírio, os adversários sonharam até com um impeachment auxiliado
por um barítono da Baixada Fluminense, não é mesmo? A base é o reconhecimento
pelas conquistas que os “populares” obtiveram até aqui. O que se pretende é
revogar, uma a uma, aquelas conquistas alinhavadas nos ítens “a” a “d.”
Foi
assim há 50 anos, não custa lembrar. Num gesto de grande dignidade, o avô das
medidas impopulares chamou de “canalhas” aqueles que pretendiam derrubar, pelas
baionetas, um governo que não tomava medidas “impopulares.”
O
avô do amargo recusou-se a entregar o cargo, foi para a cadeia depois discursar
no rádio em defesa da “revolução pernambucana.”
Está
na hora de garantir transparência política na campanha, concorda?
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