terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Sentidos da tristeza e melancolia romântica

O básico do texto aí abaixo é da vasta obra de Michael Löwy, de trabalhos como A Estrela da Manhã, Romantismo e Messianismo, Revolta e Melancolia, etc.

 

Por Guilherme Gutman e Pedro Duarte
            A caracterização de um sujeito como alguém romântico recupera conceitos como “melancolia” e “nostalgia”. Emerge, assim, a noção de um presente faltoso, um passado que se foi e certa esperança de um futuro que nunca chega. A relação entre Romantismo, melancolia e modernidade pode ser descrita através de uma dimensão crítica. Apesar dessa crítica representar algo aceso e vigilante, e a melancolia aparentemente associar-se a um desânimo e passividade, a reflexão sobre o diálogo entre esses três elementos é possível através do caráter crítico inesperado da melancolia. Essa tese encontra-se no pensamento de Michel Löwy, principalmente, em sua obra Romantismo e messianismo, na qual se pretende descobrir tal dimensão nas reflexões marxistas.
            A modernidade marcha a todo vapor calcada no Progresso e na Ciência, e a melancolia acompanha o movimento, não se apresentando passiva diante dele, mas crítica. O olhar melancólico seria quase como um antídoto à visão progressista da modernidade e da História. Ele é um olhar dirigido não para a face épica das criações humanas, mas para os seus escombros e seu aspecto trágico.
            A dimensão do ruminar é entendida pelos teóricos da melancolia como o seu aspecto positivo. O ser melancólico não apenas perde alguma coisa ao não conseguir lidar com funções pragmáticas e elementos mundanos, mas ganha a possibilidade de pensamento e criação. Ele é capaz de transformar objetos pretensamente úteis em objetos de ruminação. A melancolia como ruminação, dessa forma, exige um processo muito mais lento que o tempo racional e científico.
            A melancolia aparece no Romantismo marcada por um caráter histórico. A modernidade nasce sob o signo melancólico porque a sua base é a falta, a perda. O significado da palavra moderno surge de uma autoconsciência histórica da modernidade. O sujeito moderno não se sente mais capaz de confiar na sabedoria antiga para prosseguir. O seu mundo está marcado por uma crise na história da cultura e por um desamparo.
            É justamente a conquista da autoconsciência da modernidade que possibilita a querela entre Romantismo e Classicismo quanto à beleza estética. O que a vida moderna teria perdido em relação à Grécia seria a capacidade de basear-se em um padrão. A modernidade não pretendeu abandonar os gregos, mas reconheceu o padrão de vida desses como insuficiente para compreensão dos problemas do mundo moderno. Nesse momento, encontra-se um olhar melancólico diante de um mundo que perdeu uma forma já estabelecida.
            Perde-se, portanto, a importância da beleza clássica e surge uma nova categoria no lugar do belo, o sublime. O belo representa um sentimento estético de puro prazer, harmonia e perfeição. Já o sublime é prazer com dor, alegria com tristeza.  Na modernidade não há mais a ligação entre um sujeito e seu objeto através de um fio pleno. Experimenta-se um mundo de caráter problemático e confuso. Tal condição se reflete na arte e no desenvolvimento das obras do período.
            O homem moderno olha para a natureza e não consegue mais encontrar um lugar para si. Caminha na escuridão por não ter mais uma tradição clássica que o oriente e enfrenta, desamparado, ruínas e escombros. É no Romantismo que a paisagem e natureza ganham pela primeira vez um papel que não é o de cenário, um mero pano de fundo. A natureza romântica não é mero objeto a ser manipulado pela humanidade. Ela é um personagem vivo e poético que não está apenas atrás do que acontece, mas é o que acontece. No entanto, ela não se mostra totalmente. É nebulosa.
            O sublime é definido pelos filósofos do final do século XVIII como um sentimento estético derivado do momento de incapacidade da imaginação humana em nomear alguma coisa, ou seja, de uma resistência do objeto. O sublime aparece quando todo o padrão de medida é implodido. Para Kant, no sublime encontramos um grande prazer, pois é como se nossa imaginação apresentasse um desafio ao nosso pensamento. Quando ela não consegue formar uma imagem precisa de determinada coisa, a imaginação recorre ao pensamento para que esse atue de alguma maneira. Eis o sublime.
            Tanto o belo quanto o sublime são, no pensamento kantiano, características subjetivas e tipos de representação nos quais não encontramos o absoluto diretamente, mas indiretamente. Um sujeito tem acesso ao absoluto na medida em que se frustra e fracassa por não conseguir atingi-lo. O absoluto se afasta a cada tentativa e simboliza uma ausência sentida porque tentada. Há um contato com o  absoluto diante da impossibilidade de assim representá-lo. Essa ideia auxilia a compreensão do caráter melancólico do Romantismo: o reconhecimento da incapacidade científica de tudo esclarecer.
            A melancolia romântica é uma crítica à modernidade feita a partir dela mesma. Se a modernidade critica todos os tipos de ideais já definidos, é preciso que ela seja também autocrítica. E é justamente o caráter melancólico produzido por esse período histórico que possibilita a crítica de si mesmo.
            O que se aprende desde os filósofos antigos é que o bem encontra-se do lado da claridade, do Sol. O Romantismo, por sua vez, valoriza a noite e descarta sua associação ao mal. A claridade, a luz são fundamentais se o interesse do observador é pragmático, objetivo e busca reconhecer certa ordem. Mas é a escuridão que possibilita a visão da unidade, do conjunto e que impulsiona a imaginação. A tradição romântica aponta para a visualização da dimensão contrastiva da noite e descarta sua subestimação. O sonho e o inconsciente tornam-se fundamentais diante da desconfiança da autodeterminação e da vigília do homem. O amor romântico  é  prazer e serenidade.  
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