quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Ciência/Pesquisa: Carta aos Jovens

O russo Ivan Pavlov, Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina, certa feita escreveu uma carta aos jovens interessados pela pesquisa e pela ciência. A meu ver, não só jovens no sentido cronológico, mas também para todos aqueles que, independente da idade, estão a se iniciar no universo da pesquisa científica. Até porque, de resto, idade cronológica, por vezes, não atesta maturidade. Mas, o que realçou Pavlov aos jovens iniciantes em pesquisa/ciência? Falou de premissas básicas que, mutatis mutandis, com as mediações contextuais, têm muito a dizer contemporaneamente. Uma expressão russa da carta, tanto em língua portuguesa como inglesa, está traduzida como paixão. Possivelmente, por o que estou informado, não tem a ver com a paixão no sentido tradicional da nossa "raiz linguística" (que pode resultar até em sofrimento), mas diz respeito, sim, a 'entusiasmo comprometido com algo'. Reproduzo, a seguir, a versão da carta em língua portuguesa e inglesa - o cotejamento, entre as duas versões, pode revelar diferenças.

Pavlov: sobre os jovens e a ciência 


Carta aos Jovens 

Por Ivan Pavlov 

O que desejaria eu aos jovens de minha Pátria, consagrados à ciência?
Antes de tudo - constância. Nunca posso falar sem emoção sobre essa importante condição para o trabalho científico. Constância, constância e constância!
Desde o início de seus trabalhos, habituem-se a uma rigorosa constância na acumulação do conhecimento. 
Aprendam o ABC da Ciência antes de tentar galgar seu cume. Nunca acreditem no que se segue sem assimilar o que vem antes. Nunca tente dissimular sua falta de conhecimento, ainda que com suposições e hipóteses audaciosas. Como se alegra nossa vista com o jogo de cores dessa bolha de sabão - no entanto, ela, inevitavelmente, arrebenta e nada fica, além da confusão.
Acostume-se à discrição e à paciência. Aprendam o trabalho árduo da ciência. Estudem, comparem, acumulem fatos.
Ao contrário das asas perfeitas dos pássaros, a ciência nunca conseguirá alçar voo, nem se sustentar no espaço. Fatos - esta é a atmosfera do cientista. Sem eles, nunca poderemos voar. Sem eles, nossa teoria não passa de um esforço vazio.
Porém, estudem, experimentem, observem, esforcem-se para não abandonar os fatos à superfície. Não se transformem em arquivistas de fatos. Tentem penetrar no ministério de sua origem e, com perseverança, procurem as leis que os governam.
Em segundo lugar - sejam modestos. Nunca pensem que sabem tudo. E não se tenham em alta conta; possam ter sempre a coragem de dizer: sou ignorante. Não deixe que o orgulho os domine. Por causa dele, poderão obstinar-se, quando for necessário concordar; por causa dele, renunciarão ao conselho saudável e ao auxílio amigo; por causa dele, perderão a medida da objetividade.
No grupo que me foi dado dirigir, todos formavam uma mesma atmosfera. Estávamos todos atrelados a uma única tarefa e cada um agia segundo sua capacidade e possibilidades. Dificilmente era possível distinguir você próprio do resto do grupo. Mas dessa comunidade tirávamos proveito.
Em terceiro lugar - a paixão. Lembre-se de que a ciência exige que as pessoas se dediquem a ela durante a vida inteira. E se tivessem duas vidas, ainda assim não seria suficiente. A ciência demanda dos indivíduos grande tensão e forte paixão.
Sejam apaixonados por sua ciência e por suas pesquisas.
Nossa Pátria abre um vasto horizonte para os cientistas e é preciso reconhecer - a ciência generosamente nos introduz na vida de nosso país. Prossigam com o máximo de generosidade!
O que dizer sobre a situação de nossos jovens cientistas? Eis que aqui tudo é claro. A vocês muito foi dado, mas de vocês muito se exige. E para os jovens, assim como para nós, a questão de honra é ser digno de uma esperança maior, aquela que é depositada na ciência de nossa pátria.
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Tradução: Annibal Villela, in CASTRO, C. de M. A prática da pesquisa. São Paulo:  McGraW-Hill do Brasil, 1977



A letter to the youth
By Ivan Pavlov

"What would I wish for the young people of my motherland who dedicated themselves to science?
First of all - consistency. Of this very important condition for fruitful scientific work I cannot speak without emotion. Consistency, consistency and again consistency. Right from the very beginning inculcate in yourself the habit of strict consistency in acquiring knowledge.
Learn the ABC of science before you attempt to scale its peaks. Never embark on what comes after without having mastered what goes before. Never try to cover up the gaps in your knowledge, even by the boldest guesses and hypotheses. No matter how this bubble may delight the eye by its profusion of colours, it is bound to burst, and you will be left with nothing but confusion.
Develop in yourself restraint and patience. Never funk the hard jobs in science. Study, compare, accumulate facts.
No matter how perfect a birds wing may be it could never make the bird air-borne without the support of the air. Facts are the air of the scientist. Without them you will never be able to take off, without them your "theories" will be barren.
But when studying, experimenting and observing, do your best to get beneath the skin of the facts. Do not become hoarders of the facts. Try to penetrate into the secrets of their origin. Search persistently for the laws governing them.
The second thing is modesty. Never think that you know everything. No matter in what high esteem you are held, always have the courage to say to yourself: "I am ignorant."
Do not let pride take possession of you. It will result in you being obstinate when you should be conciliatory. It will lead you to reject useful advice and friendly help. It will deprive you of the ability to be objective.
In the team of which I am leader, everything depends on the atmosphere. All of us are harnesses to a common cause and each pulls his weight. With us it is often impossible to discern what is "mine" and what is "yours," but our common cause only gains thereby.
The third thing is - passion. Remember, science requires your while life. And even if you two lives to give, that would not be enough. Science demands of a man the utmost effort and supreme passion. Be passionate in your work and your quests.
Our country is opening wide vistas before scientists, and - it must be owned - science in our country is being fostered with a generous hand.
What is there to say about the status of our young scientist? Here, it would seem, everything is quite clear. Much is given to him, much is expected from him. For him, as for us, it is a matter of honour to justify the great trust that our country puts in science."
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