O russo Ivan Pavlov, Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina, certa feita escreveu uma carta aos jovens interessados pela pesquisa e pela ciência. A meu ver, não só jovens no sentido cronológico, mas também para todos aqueles que, independente da idade, estão a se iniciar no universo da pesquisa científica. Até porque, de resto, idade cronológica, por vezes, não atesta maturidade. Mas, o que realçou Pavlov aos jovens iniciantes em pesquisa/ciência? Falou de premissas básicas que, mutatis mutandis, com as mediações contextuais, têm muito a dizer contemporaneamente. Uma expressão russa da carta, tanto em língua portuguesa como inglesa, está traduzida como paixão. Possivelmente, por o que estou informado, não tem a ver com a paixão no sentido tradicional da nossa "raiz linguística" (que pode resultar até em sofrimento), mas diz respeito, sim, a 'entusiasmo comprometido com algo'. Reproduzo, a seguir, a versão da carta em língua portuguesa e inglesa - o cotejamento, entre as duas versões, pode revelar diferenças.
Pavlov: sobre os jovens e a ciência |
Carta aos Jovens
Por Ivan Pavlov
O que desejaria eu aos jovens de
minha Pátria, consagrados à ciência?
Antes de tudo - constância. Nunca posso falar sem emoção sobre essa importante condição para o trabalho científico. Constância, constância e constância!
Antes de tudo - constância. Nunca posso falar sem emoção sobre essa importante condição para o trabalho científico. Constância, constância e constância!
Desde o início de seus trabalhos,
habituem-se a uma rigorosa constância na acumulação do conhecimento.
Aprendam o ABC da Ciência antes de
tentar galgar seu cume. Nunca acreditem no que se segue sem assimilar o que vem
antes. Nunca tente dissimular sua falta de conhecimento, ainda que com
suposições e hipóteses audaciosas. Como se alegra nossa vista com o jogo de
cores dessa bolha de sabão - no entanto, ela, inevitavelmente, arrebenta e nada
fica, além da confusão.
Acostume-se à discrição e à
paciência. Aprendam o trabalho árduo da ciência. Estudem, comparem, acumulem
fatos.
Ao contrário das asas perfeitas
dos pássaros, a ciência nunca conseguirá alçar voo, nem se sustentar no espaço.
Fatos - esta é a atmosfera do cientista. Sem eles, nunca poderemos voar. Sem
eles, nossa teoria não passa de um esforço vazio.
Porém, estudem, experimentem,
observem, esforcem-se para não abandonar os fatos à superfície. Não se transformem
em arquivistas de fatos. Tentem penetrar no ministério de sua origem e, com
perseverança, procurem as leis que os governam.
Em segundo lugar - sejam modestos.
Nunca pensem que sabem tudo. E não se tenham em alta conta; possam ter sempre a
coragem de dizer: sou ignorante. Não deixe que o orgulho os domine. Por
causa dele, poderão obstinar-se, quando for necessário concordar; por causa
dele, renunciarão ao conselho saudável e ao auxílio amigo; por causa dele,
perderão a medida da objetividade.
No grupo que me foi dado dirigir,
todos formavam uma mesma atmosfera. Estávamos todos atrelados a uma única
tarefa e cada um agia segundo sua capacidade e possibilidades. Dificilmente era
possível distinguir você próprio do resto do grupo. Mas dessa comunidade
tirávamos proveito.
Em terceiro lugar - a paixão.
Lembre-se de que a ciência exige que as pessoas se dediquem a ela durante a
vida inteira. E se tivessem duas vidas, ainda assim não seria suficiente. A ciência
demanda dos indivíduos grande tensão e forte paixão.
Sejam apaixonados por sua ciência
e por suas pesquisas.
Nossa Pátria abre um vasto horizonte
para os cientistas e é preciso reconhecer - a ciência generosamente nos
introduz na vida de nosso país. Prossigam com o máximo de generosidade!
O que dizer sobre a situação de
nossos jovens cientistas? Eis que aqui tudo é claro. A vocês muito foi dado,
mas de vocês muito se exige. E para os jovens, assim como para nós, a questão
de honra é ser digno de uma esperança maior, aquela que é depositada na ciência
de nossa pátria.
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Tradução: Annibal Villela, in CASTRO, C. de M. A prática da pesquisa. São Paulo: McGraW-Hill
do Brasil, 1977
A letter to the youth
By Ivan Pavlov
"What would I wish for the young people
of my motherland who dedicated themselves to science?
First of all - consistency. Of this very
important condition for fruitful scientific work I cannot speak without
emotion. Consistency, consistency and again consistency. Right from the very
beginning inculcate in yourself the habit of strict consistency in acquiring
knowledge.
Learn the ABC of science before you attempt
to scale its peaks. Never embark on what comes after without having mastered
what goes before. Never try to cover up the gaps in your knowledge, even by the
boldest guesses and hypotheses. No matter how this bubble may delight the eye
by its profusion of colours, it is bound to burst, and you will be left with
nothing but confusion.
Develop in yourself restraint and patience.
Never funk the hard jobs in science. Study, compare, accumulate facts.
No matter how perfect a birds wing may be it
could never make the bird air-borne without the support of the air. Facts are
the air of the scientist. Without them you will never be able to take off,
without them your "theories" will be barren.
But when studying, experimenting and
observing, do your best to get beneath the skin of the facts. Do not become
hoarders of the facts. Try to penetrate into the secrets of their origin.
Search persistently for the laws governing them.
The second thing is modesty. Never think that
you know everything. No matter in what high esteem you are held, always have
the courage to say to yourself: "I am ignorant."
Do not let pride take possession of you. It
will result in you being obstinate when you should be conciliatory. It will
lead you to reject useful advice and friendly help. It will deprive you of the
ability to be objective.
In the team of which I am leader, everything
depends on the atmosphere. All of us are harnesses to a common cause and each
pulls his weight. With us it is often impossible to discern what is
"mine" and what is "yours," but our common cause only gains
thereby.
The third thing is - passion. Remember,
science requires your while life. And even if you two lives to give, that would
not be enough. Science demands of a man the utmost effort and supreme passion. Be passionate in your work and your quests.
Our country is opening wide vistas before
scientists, and - it must be owned - science in our country is being fostered
with a generous hand.
What is there to say about the status of our
young scientist? Here, it would seem, everything is quite clear. Much is given
to him, much is expected from him. For him, as for us, it is a matter of honour
to justify the great trust that our country puts in science."
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