quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A universidade em foco: passado e caminhos futuros

De tanta mediocridade, corporativismo e populismo, a universidade pode definhar por ela mesma. É um risco. Daí a necessidade de alimentar um 'debate vivo', com consistência argumentativa, sobre os seus caminhos. Conhecer outras experiências para projetar o futuro da universidade brasileira. O texto abaixo assume essa perspetiva.  




Luis Paulo Vieira Braga

A evolução sócio-econômica na Alemanha de Humboldt pressionou por mudanças no ensino superior naquele país. Um sistema que compreende duas categorias de instituições de ensino superior foi criado para atender a formação profissional, por um lado (Fachhoshule), e a tradicional formação para pesquisa, por outro(Universidade). No entanto, com o correr do tempo, ambas as instituições avançaram na direção oposta – escolas técnicas pesquisando e universidades incluindo o mercado profissional. O impasse foi superado por uma nova reforma que criou  categorias de excelência às quais as instituições poderiam se candidatar. Assim ficou resolvido o problema da diferenciação entre instituições públicas, porque na Alemanha as universidades são do Estado, mas com autonomia de fato e de direito. Nos EUA a diversidade de instituições de nível superior é muito ampla, podendo chegar a dezenas de tipos. Simplificadamente há três grandes classes:  Community Colleges, Colleges e Universidades. Os Community Colleges oferecem cursos de dois anos e são voltados principalmente para a formação profissional (Vocacional Education), embora também hajam escolas que preparam para o ensino universitário (Collegiate Education) ou para nivelar egressos do high school com deficiências na sua formação (Developmental Education). As universidades e Colleges não são caracterizados pela atividade de pesquisa, mas por cursos de graduação de quatro anos, de qualidade e individualizado. O topo desse conjunto é constituido pelas universidades de excelência com um efetivo equivalente ou superior de alunos de pós-graduação e intensa atividade de pesquisa avançada, usualmente liderada por professores premiados de renome internacional.  Na França convivem três classes de instituições de ensino superior: Grands-Écoles (elite das instituições de ensino), Universidades e Institutos Universitários de Tecnologia. O ensino não é necessariamente associado à pesquisa porque existe uma rede de centros de pesquisa ou laboratórios dedicados a essa atividade que se integra às universidades na  etapa da pós-graduação. Na Inglaterra a caracterização de universidade é reservada somente às instituições que atendem a determinados requisitos que incluem quantitativo de alunos, qualidade do aprendizado, estrutura administrativa compatível com os ideais acadêmicos, etc.

As dificuldades de financiamento do ensino superior na Europa, associados à pressão por mais vagas e ao declínio europeu frente aos EUA e à Ásia motivaram a reforma de Bolonha que busca compatibilizar os diferentes sistemas dos países europeus. O foco é o curso que se divide em um período de graduação(de 3 a 4 anos) e outro de pós-graduação(de 1 a 2 anos).  O currículo está estruturado em créditos (European Credit Transfers)  e supõe equivalência entre as instituições participantes do processo, assim um estudante poderia fazer uma graduação cursando créditos em diferentes escolas. A graduação pode ser tanto voltada para o mercado de trabalho, como para a pesquisa, o que representa um desafio em instituições com tradicional vocação estrita para uma ou outra tendência, por exemplo, a opção de 3 anos para bacharéis ainda é vista com muita reserva nas universidades.

No Brasil, como se sabe, existem quatro modalidades de instituições de ensino superior: Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia(IFETS), Faculdades, Centros Universitários e Universidades. A legislação delimita a caracterização de cada instituição pela composição do corpo docente (titulação e regime de trabalho), atuação no ensino de graduação e pós-graduação (lato e estrito senso) e nível de autonomia(criação de cursos, número de vagas, etc.). Para todas é nominalmente exigida a comprovação de atividades de ensino-extensão-pesquisa. Os cursos de graduação(bacharelados e licenciaturas) duram de 4 a 5 anos mas existem também os cursos sequenciais de 2 anos voltados para o mercado profissional imediato. Convivem estabelecimentos públicos, privados, confessionais e comunitários. Desde há alguns anos tenta-se implantar em caráter experimental uma versão tropicalizada da proposta de Bolonha, mas que mais se assemelha ao modelo do Developmental Education dos EUA em virtude da enorme deficiência dos ensinos Básico e  Médio em nosso país. O fato de conviverem na mesma instituição vários modelos, aliado ao fato de que o Ministério da Educação é pródigo em lançar novas normas, inclusive engajando a Universidade no seu vasto programa de assistência social, está colocando uma enorme pressão sobre seu corpo social. A ausência de uma reforma universitária bem estruturada que substitua o modelo que vige desde 1968 não pode ser compensada por medidas circunstanciais que não raro são revisadas semanas ou dias depois, em virtude do açodamento em lançá-las. O exemplo mais recente dessa prática é o Programa Mais Médicos.  Nesse quadro, uns tentam se safar mais do que outros e ganha força a idéia da universidade de excelência que abrigaria a nata da comunidade científica, já que a universidade, no Brasil, tem sido o local preferencial para a realização de pesquisa, sem nenhum desmerecimento aos institutos e laboratórios científicos do país. Para isso, entretanto, é necessário encontrar uma solução institucional para as questões de isonomia, orçamento, regime de trabalho, etc e apoio político no executivo  para empreitada de tamanho vulto.
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