De tanta mediocridade, corporativismo e populismo, a universidade pode definhar por ela mesma. É um risco. Daí a necessidade de alimentar um 'debate vivo', com consistência argumentativa, sobre os seus caminhos. Conhecer outras experiências para projetar o futuro da universidade brasileira. O texto abaixo assume essa perspetiva.
Luis Paulo Vieira Braga
A evolução sócio-econômica na Alemanha de Humboldt pressionou
por mudanças no ensino superior naquele país. Um sistema que compreende duas
categorias de instituições de ensino superior foi criado para atender a
formação profissional, por um lado (Fachhoshule),
e a tradicional formação para pesquisa, por outro(Universidade). No entanto,
com o correr do tempo, ambas as instituições avançaram na direção oposta –
escolas técnicas pesquisando e universidades incluindo o mercado profissional.
O impasse foi superado por uma nova reforma que criou categorias de excelência
às quais as instituições poderiam se candidatar. Assim ficou resolvido o
problema da diferenciação entre instituições públicas, porque na Alemanha as
universidades são do Estado, mas com autonomia de fato e de direito. Nos EUA a
diversidade de instituições de nível superior é muito ampla, podendo chegar a
dezenas de tipos. Simplificadamente há três grandes classes: Community Colleges, Colleges e Universidades. Os Community Colleges oferecem
cursos de dois anos e são voltados principalmente para a formação profissional (Vocacional Education),
embora também hajam escolas que preparam para o ensino universitário (Collegiate Education)
ou para nivelar egressos do high school com deficiências na sua formação (Developmental Education).
As universidades e Colleges não são caracterizados pela atividade de
pesquisa, mas por cursos de graduação de quatro anos, de qualidade e
individualizado. O topo desse conjunto é constituido pelas universidades de
excelência com um efetivo equivalente ou superior de alunos de pós-graduação e
intensa atividade de pesquisa avançada, usualmente liderada por professores
premiados de renome internacional. Na França convivem três classes de
instituições de ensino superior: Grands-Écoles (elite das instituições de ensino), Universidades e Institutos
Universitários de Tecnologia. O ensino não é necessariamente associado à
pesquisa porque existe uma rede de centros de pesquisa ou laboratórios
dedicados a essa atividade que se integra às universidades na etapa da
pós-graduação. Na Inglaterra a caracterização de universidade é reservada
somente às instituições que atendem a determinados requisitos que incluem
quantitativo de alunos, qualidade do aprendizado, estrutura administrativa
compatível com os ideais acadêmicos, etc.
As dificuldades de financiamento do ensino superior na Europa,
associados à pressão por mais vagas e ao declínio europeu frente aos EUA e à
Ásia motivaram a reforma de Bolonha que busca compatibilizar os diferentes
sistemas dos países europeus. O foco é o curso que se divide em um período de
graduação(de 3 a 4 anos) e outro de pós-graduação(de 1 a 2 anos). O
currículo está estruturado em créditos (European
Credit Transfers) e supõe equivalência entre as instituições participantes do
processo, assim um estudante poderia fazer uma graduação cursando créditos em
diferentes escolas. A graduação pode ser tanto voltada para o mercado de
trabalho, como para a pesquisa, o que representa um desafio em instituições com
tradicional vocação estrita para uma ou outra tendência, por exemplo, a opção
de 3 anos para bacharéis ainda é vista com muita reserva nas universidades.
No Brasil, como se sabe, existem quatro modalidades de
instituições de ensino superior: Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia(IFETS), Faculdades, Centros Universitários e Universidades. A
legislação delimita a caracterização de cada instituição pela composição do
corpo docente (titulação e regime de trabalho), atuação no ensino de graduação
e pós-graduação (lato e estrito senso) e nível de autonomia(criação de cursos,
número de vagas, etc.). Para todas é nominalmente exigida a comprovação de
atividades de ensino-extensão-pesquisa. Os cursos de graduação(bacharelados e
licenciaturas) duram de 4 a 5 anos mas existem também os cursos sequenciais de
2 anos voltados para o mercado profissional imediato. Convivem estabelecimentos
públicos, privados, confessionais e comunitários. Desde há alguns anos tenta-se
implantar em caráter experimental uma versão tropicalizada da proposta de
Bolonha, mas que mais se assemelha ao modelo do Developmental
Education dos EUA em virtude da enorme
deficiência dos ensinos Básico e Médio em nosso país. O fato de
conviverem na mesma instituição vários modelos, aliado ao fato de que o
Ministério da Educação é pródigo em lançar novas normas, inclusive engajando a
Universidade no seu vasto programa de assistência social, está colocando uma
enorme pressão sobre seu corpo social. A ausência de uma reforma universitária
bem estruturada que substitua o modelo que vige desde 1968 não pode ser
compensada por medidas circunstanciais que não raro são revisadas semanas ou
dias depois, em virtude do açodamento em lançá-las. O exemplo mais recente
dessa prática é o Programa Mais Médicos. Nesse quadro, uns tentam se
safar mais do que outros e ganha força a idéia da universidade de excelência
que abrigaria a nata da comunidade científica, já que a universidade, no
Brasil, tem sido o local preferencial para a realização de pesquisa, sem nenhum
desmerecimento aos institutos e laboratórios científicos do país. Para isso,
entretanto, é necessário encontrar uma solução institucional para as questões
de isonomia, orçamento, regime de trabalho, etc e apoio político no executivo para empreitada de tamanho vulto.
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