terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O Tempo e o Vento

Abaixo, um breve texto sobre o cinquentenário de O Tempo e o Vento, a  monumental obra do gaúcho Érico Veríssimo, vivido em 2012, mas que, infelizmente, em âmbito nacional, passou quase sem ser lembrado. 

(Gilmar Fraga/Arte ZH)

Por Carlos André Moreira

Não deixa de ser curioso o quanto uma obra sobre a inexorabilidade do tempo consegue resistir tão bem a ele. Neste 2012, completa-se o cinquentenário da publicação do último volume de O Arquipélago, encerrando a monumental empreitada assumida por Érico Veríssimo de traduzir ficcionalmente a formação de seu Estado e de seu país. E por mais que o tempo tenha passado para ele e seus personagens, a obra nunca pareceu tão viva e seus ventos nunca sopraram tão longe.
Por qualquer ângulo de análise, O Tempo e o Vento é uma empreitada sem similares na literatura brasileira: uma saga planejada e escrita ao longo de quase três décadas, abordando por meio de sua ficção dois séculos de história, uma história não apenas do Rio Grande do Sul, sua gente e suas revoluções, como fizeram muitos dos romancistas que o seguiram, mas uma história do Rio Grande do Sul inserido no Brasil - é majoritariamente disso que trata o panorama traçado por O Arquipélago, o mais extenso da série e o que mais tempo e energia custou a Erico para escrever. 

O Continente, o capítulo inaugural da trilogia e até hoje o mais popular, foi publicado em 1949. Em 1951, veio O Retrato, a continuação que mudava intencionalmente o "andamento" da composição - a metáfora não é descabida: melômano entusiasmado, Erico escreveu em um prefácio inédito que a ideia da saga já havia se delineado em sua mente como uma "longa sinfonia dividida nos clássicos movimentos e possivelmente com grandes massas corais". Apenas nove anos depois, em 1961, saiu o primeiro tomo de O Arquipélago. No intervalo de quase uma década entre um e outro, o próprio Erico admitia haver abraçado uma série de projetos, livros e encargos que nada mais eram que pretextos para fugir temporariamente da responsabilidade e das expectativas criadas em torno da conclusão da saga. 

Entre 1951 e 1961, de fato, Erico redigiu e publicou em velocidade relâmpago uma novela considerada por ele mesmo "exótica" no conjunto de sua obra, Noite. Também lançou México, um de seus mais populares livros de viagem, fruto de uma visita ao México que se seguiu à mais radical de todas as "manobras evasivas" do autor: mudar-se para os Estados Unidos aceitando um convite para dirigir o Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA).

"Nessa aceitação vejo hoje um sinal de minha hesitação quanto à última parte de O Tempo e o Vento. No fundo, essa ida para os Estados Unidos foi uma espécie de fuga dos fantasmas, problemas e dificuldades que me esperavam atocaiados nesse novo livro", confessou Erico em uma entrevista à Revista do Globo em 1961, depois da publicação, afinal, do primeiro tomo de O Arquipélago.

Premido, entre outras coisas, pelo próprio "apreciável sentimento de culpa" infundido pela trilogia inconclusa e pela dificuldade de escrever aquele que deveria ser seu romance mais franco, em sua própria opinião, Érico foi derrubado pelo estresse e teve seu primeiro infarto, em março de 1961, o que poderia ter atrasado ainda mais a conclusão da obra. O tratamento na época incluía uma intervenção cirúrgica mais agressiva que as de hoje e exigia uma recuperação bem mais demorada. Érico ficou dois meses em cama. Em Solo de Clarineta, o autor relata o quanto sua recuperação esteve ligada ao processo de revisar as mais de mil páginas que já tinha escritas de O Arquipélago (cuja história ainda não havia sido concluída). Erico emendou e remontou várias partes da obra - o começo da narrativa, que flagra Rodrigo Terra Cambará acossado pela morte ao sofrer um edema pulmonar agudo, foi reescrito usando "da experiência adquirida durante a minha própria doença", contou o escritor.

Apesar do infarto, O Arquipélago tinha seu primeiro tomo publicado em julho de 1961, com páginas redigidas literalmente no leito de convalescente do escritor. Embora os dois últimos volumes da trilogia não tenham jamais atingido a popularidade do capítulo inicial da saga, O Continente, o ciclo se encerrava como uma realização de proporções ao mesmo tempo tão heróicas e tão humanas como muitos dos feitos vividos pelos heróis mais remotos de Érico. Sem se esquivar do desafio de falar de seu tempo com um olhar plural, o escritor traçou com O Continente um panorama histórico que pautou boa parte da ficção gaúcha depois dele; fez de O Retrato um perfil admirável de um homem complexo, cheio de ideias nobres mas sem o temperamento necessário para renunciar aos apetites predatórios da elite de que faz parte; e mapeou com O Arquipélago o horizonte político e cultural do Brasil de seu tempo com um olhar geral que poucos autores nacionais tiveram.
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Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/pagina/o-tempo-e-o-vento-50-anos.html

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