Abaixo, um breve texto sobre o cinquentenário de O Tempo e o Vento, a monumental obra do gaúcho Érico Veríssimo, vivido em 2012, mas que, infelizmente, em âmbito nacional, passou quase sem ser lembrado.
Por Carlos André Moreira
Não deixa de ser curioso o
quanto uma obra sobre a inexorabilidade do tempo consegue resistir tão bem a
ele. Neste 2012, completa-se o cinquentenário da publicação do último volume de
O Arquipélago, encerrando a monumental
empreitada assumida por Érico Veríssimo de traduzir ficcionalmente a formação
de seu Estado e de seu país. E por mais que o tempo tenha passado para ele e
seus personagens, a obra nunca pareceu tão viva e seus ventos nunca sopraram
tão longe.
Por qualquer ângulo de análise, O Tempo e o Vento é uma empreitada sem
similares na literatura brasileira: uma saga planejada e escrita ao longo de
quase três décadas, abordando por meio de sua ficção dois séculos de história,
uma história não apenas do Rio Grande do Sul, sua gente e suas revoluções, como
fizeram muitos dos romancistas que o seguiram, mas uma história do Rio Grande
do Sul inserido no Brasil - é majoritariamente disso que trata o panorama
traçado por O Arquipélago, o mais extenso da série e o que mais tempo e energia
custou a Erico para escrever.
O Continente, o capítulo inaugural da trilogia e
até hoje o mais popular, foi publicado em 1949. Em 1951, veio O Retrato, a
continuação que mudava intencionalmente o "andamento" da composição -
a metáfora não é descabida: melômano entusiasmado, Erico escreveu em um
prefácio inédito que a ideia da saga já havia se delineado em sua mente como
uma "longa sinfonia dividida nos clássicos movimentos e possivelmente com
grandes massas corais". Apenas nove anos depois, em 1961, saiu o primeiro
tomo de O Arquipélago. No intervalo de quase uma década entre um e outro, o
próprio Erico admitia haver abraçado uma série de projetos, livros e encargos
que nada mais eram que pretextos para fugir temporariamente da responsabilidade
e das expectativas criadas em torno da conclusão da saga.
Entre 1951 e 1961, de fato, Erico redigiu e
publicou em velocidade relâmpago uma novela considerada por ele mesmo
"exótica" no conjunto de sua obra, Noite. Também lançou México, um de
seus mais populares livros de viagem, fruto de uma visita ao México que se
seguiu à mais radical de todas as "manobras evasivas" do autor:
mudar-se para os Estados Unidos aceitando um convite para dirigir o
Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA).
"Nessa aceitação vejo hoje um sinal de minha
hesitação quanto à última parte de O Tempo e o Vento. No fundo, essa ida para
os Estados Unidos foi uma espécie de fuga dos fantasmas, problemas e
dificuldades que me esperavam atocaiados nesse novo livro", confessou
Erico em uma entrevista à Revista do Globo em 1961, depois da publicação,
afinal, do primeiro tomo de O Arquipélago.
Premido, entre outras coisas, pelo próprio
"apreciável sentimento de culpa" infundido pela trilogia inconclusa e
pela dificuldade de escrever aquele que deveria ser seu romance mais franco, em
sua própria opinião, Érico foi derrubado pelo estresse e teve seu primeiro
infarto, em março de 1961, o que poderia ter atrasado ainda mais a conclusão da
obra. O tratamento na época incluía uma intervenção cirúrgica mais agressiva
que as de hoje e exigia uma recuperação bem mais demorada. Érico ficou dois
meses em cama. Em Solo de Clarineta,
o autor relata o quanto sua recuperação esteve ligada ao processo de revisar as
mais de mil páginas que já tinha escritas de O Arquipélago (cuja história ainda não havia sido concluída). Erico
emendou e remontou várias partes da obra - o começo da narrativa, que flagra
Rodrigo Terra Cambará acossado pela morte ao sofrer um edema pulmonar agudo,
foi reescrito usando "da experiência adquirida durante a minha própria
doença", contou o escritor.
Apesar do infarto, O Arquipélago tinha
seu primeiro tomo publicado em julho de 1961, com páginas redigidas
literalmente no leito de convalescente do escritor. Embora os dois últimos
volumes da trilogia não tenham jamais atingido a popularidade do capítulo
inicial da saga, O Continente, o
ciclo se encerrava como uma realização de proporções ao mesmo tempo tão heróicas
e tão humanas como muitos dos feitos vividos pelos heróis mais remotos de Érico.
Sem se esquivar do desafio de falar de seu tempo com um olhar plural, o
escritor traçou com O Continente um
panorama histórico que pautou boa parte da ficção gaúcha depois dele; fez de O Retrato um perfil admirável
de um homem complexo, cheio de ideias nobres mas sem o temperamento necessário
para renunciar aos apetites predatórios da elite de que faz parte; e mapeou com
O Arquipélago o horizonte político e
cultural do Brasil de seu tempo com um olhar geral que poucos autores nacionais
tiveram.
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Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/pagina/o-tempo-e-o-vento-50-anos.html
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