A vida
dos professores não tem sido fácil. Eles têm sido responsabilizados por uma
série de problemas no campo educacional, tanto da parte macro (do sistema,
digamos) como da micro, isto é, no quotidiano das escolas/salas de aula.
Geralmente são responsabilizados por todos os problemas e insucessos na relação
de ensino-aprendizagem. Determinado objetivo não foi atingido, culpa do
professor! Evasão/desistência, culpa do professor! E quando ele procura levar
realmente a sério o seu trabalho, deve também estar preparado para as
incompreensões. No mínimo, poderá ser chamado de chato, exigente, etc. Daí não
ser surpresa que aumente o número de pessoas na área sem compromisso
profissional efetivo, que de fato se empenhem e façam acontecer aquilo que, de
específico, se espera de um professor: ensinar os conteúdos da sua disciplina. O
fato novo em relação ao sofrimento dos professores, é que ele começa discutido
publicamente. Os debates a respeito da chamada síndrome bornout são ilustrativos disto. E também está aumentando o número
de pesquisas tendo como objeto o sofrimento dos professores. Abaixo, um texto
neste sentido, decorrente de um trabalho de mestrado.
Professores sob
pressão: sofrimento e mal-estar na educação1
Rosana
Márcia Rolando AguiarI; Sandra Francesca Conte de Almeida
Sobre a escuta dos graduandos do curso de
Pedagogia-séries iniciais
O
presente trabalho pretendeu discutir o sofrimento
psíquico de professores do Ensino Fundamental, as implicações desse fenômeno no
processo pedagógico, bem como a impossibilidade de um sujeito
"produzir" uma doença psíquica de forma individual, desvinculada das
condições sociais de seu trabalho e das relações interpessoais com o outro.
Como
docente do curso de formação de professores do Projeto Professor Nota Dez, desenvolvido pelo Centro
Universitário de Brasília (UNICEUB), situado no DF, o sofrimento de alguns
alunos em suas práticas pedagógicas pôde ser escutado pela primeira autora do
trabalho. Esses alunos falavam de suas raivas, decepções e ressentimentos.
Denunciavam o real da vida de professores: falavam sobre suas angústias e
doenças em decorrência da pressão constante e do sofrimento por eles vivido na
prática docente.
O
curso – Formação de
Professores para Séries Iniciais do Ensino Fundamental – Professor Nota Dez –aconteceu
como um projeto implantado pelo UniCEUB, pelo curso de Pedagogia da Faculdade
de Ciências da Educação (FACE), financiado pela Secretaria de Educação do
Distrito Federal, mediante contrato para atender em torno de 3.000 professores
da rede pública, que se encontravam em exercício da docência nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, sem, no entanto, possuírem habilitação de nível
superior.
Os
alunos participantes desta pesquisa, todos eles professores de séries iniciais,
apresentaram muitas queixas das quais se pode ressaltar que eram reclamações
generalizadas: uma delas era a falta de compromisso das famílias para com a
escola, pois muitos pais sequer acompanhavam seus filhos pequenos no processo
educacional; quando eram chamados à escola para reuniões ou mesmo
individualmente, para discutirem com os professores questões a respeito dos
alunos, a grande maioria raramente comparecia. Na opinião dos professores havia
um verdadeiro abandono das crianças pelos pais, e esse abandono era denunciado
pelos alunos sob forma de indisciplina, violência e dificuldades das mais
diversas ordens. Outra queixa bastante presente no discurso dos professores era
a falta de apoio dos coordenadores e diretores das escolas. Os professores se
sentiam inseguros, pois se viam sozinhos e despreparados quando precisavam
tomar decisões pertinentes às dificuldades de seus alunos.
Bueno
e Lapo (2002) afirmam que "por se encontrarem inseridos em uma sociedade
que se transforma muito rapidamente e que exige constantes mudanças e
adaptações, eles se sentem insatisfeitos ao não conseguirem dar conta das
exigências que lhe são feitas no campo profissional. Essas exigências nem
sempre são explicitadas e entendidas pelos professores, mas são sentidas
através da percepção de que as coisas na escola não estão indo bem, de que por
mais que se esforcem não conseguem atingir um nível de excelência exigido pela
sociedade a ponto de reverter a situação de precariedade em que se
encontram" (p.13).
Diante
desses impasses, o professor se vê convocado a tomar decisões, desde
estratégias para o ensino de alunos que não aprendem e crianças com dificuldades
no comportamento, até decisões que visam facilitar a aprendizagem do aluno,
como convocar os pais à escola e propor-lhes um trabalho em conjunto. Mas, ao
perseguirem o ideal de realizar um trabalho de qualidade, se vêem frustrados,
não acolhidos em suas demandas, o que os faz desistir, por vezes, desse mesmo
ideal.
Infelizmente,
pode-se afirmar que grande parte dos docentes se apresenta como profissionais
frustrados, desanimados e impotentes diante da grande crise vivida hoje na
educação; pais demitidos de sua função de cuidadores, crianças violentas,
escolas públicas sucateadas, falta de programas governamentais que sejam
realmente implementados e, portanto, cumpridos.
Essa
realidade tomou um sentido importante, pois despertou-nos o interesse pelo
sofrimento psíquico dos professores. Chamou-nos a atenção o grande número de
alunos com atestados médicos, completando suas tarefas em casa.
Os
participantes da pesquisa foram 16 professores do Ensino Fundamental da SEDF,
regentes de sala de aula, de escolas públicas do DF, do sexo feminino e
masculino, com idades entre 25 e 40 anos, graduandos em pedagogia-séries
iniciais. Estes docentes foram individualmente convidados a participar da
pesquisa, face às manifestações de mal-estar/sofrimento psíquico nas salas de
aula (sonolência, desinteresse, apatia e relatos de estresse e depressão).
Assim,
o estudo teve como objetivo investigar o sofrimento psíquico de professores
como um dos principais sintomas do mal-estar na educação, considerando que o
sintoma, em psicanálise, é entendido como "solução de compromisso (...)
que o sujeito encontra para dar conta do conflito entre a problemática
inconsciente e suas defesas" (Chemama, 1995, p.203).
Utilizou-se
o recurso dos relatos autobiográficos da trajetória profissional como
dispositivo de "escuta" do sofrimento dos professores ao mesmo tempo
em que se lhes assegurava seu lugar de sujeito, ao resgatar sua palavra e
implicá-los na sua história de vida.
A
crise na educação: escola e profissão docente na modernidade
A
nomeada crise social e familiar, na sociedade moderna, tem se traduzido,
freqüentemente, como uma crise
da educação cujos efeitos têm
sido devastadores no cotidiano escolar e na vida dos docentes, comparecendo
como queixas e sintomas diversos, revelando o profundo mal-estar que acomete os
professores. A crise na educação escolar e na educação familiar, bem como a
crise na sociedade contemporânea, é advinda da crise moral e ética que permeia
a sociedade, na atualidade.
Arendt
(2003) discute a crise social e familiar e o papel da escola na conservação da
tradição como forma de tentar amenizar os efeitos dessa crise em nossas
crianças. A autora considera que há um papel de conservação da tradição que a
escola deve exercer. Para ela, à escola cabe a função de proporcionar aos
alunos acesso aos conhecimentos que estes não têm, e, neste aprendizado, há um
componente de preservação do mundo. O assédio do novo é potencialmente
destrutivo, sendo assim a criança deve ser protegida do mundo. A autora segue
afirmando que o lugar de proteção da criança é a família, onde os membros
adultos se recolhem à segurança da vida privada entre quatro paredes. É aí – na
segurança da vida privada – que as crianças estão protegidas do aspecto público
do mundo, dos perigos da sociedade moderna (ausência de valores morais,
pessoais e éticos). Para Arendt, a família deve funcionar como um escudo contra
o mundo moderno.
Assim,
ao adulto é conferida a responsabilidade de educar suas crianças, ensinando-as
a conviver em sociedade, pois na relação de um adulto com uma criança sempre há
um componente de educação. A mesma autora salienta que o papel da escola é de
ensinar às crianças como o mundo é, e não somente ensiná-las sobre a arte de
viver. Defende a autoridade na sala de aula e acredita que o aluno deve ser
apresentado ao mundo e, mais que isso, deve ser estimulado a mudar o mundo.
Para
Arendt (2003), o educador está em relação ao jovem como representante de um
mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade. Esta responsabilidade não é
imposta arbitrariamente aos educadores; ela está implícita no fato de que os
jovens são introduzidos por adultos em um mundo em contínua mudança. E afirma
que "qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva
pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em
sua educação" (p.239).
A
mudança social acelerada e a crise na educação familiar constituem um problema
que se reflete no cotidiano escolar. Os fenômenos sociais e a crescente mudança
nos hábitos, costumes e valores são desafios que a sociedade impõe à escola.
Há, portanto, um verdadeiro enfraquecimento, empobrecimento de aspectos que
deveriam ser privilegiados na educação familiar, como o respeito e a
consideração aos professores. Na sociedade moderna, as crianças não são mais
ensinadas, em casa, sobre o valor de um mestre, sobre sua autoridade, nem mesmo
a respeito da função do professor; esses valores não mais são passados de
geração para geração.
Em
Nóvoa (1999) lê-se que os valores que sustentavam a profissão docente caíram em
desuso, em virtude da evolução social e da mudança nos sistemas educativos.
Para o autor, os ideais da educação necessitam ser reexaminados, já que o velho
modelo não serve mais à ação pedagógica e nem à profissão docente. E acrescenta
que os professores se vêem em um enorme conflito, pois necessitam refazer suas
identidades. Para ele é necessário aderir a novos valores, pois o que poderá
contribuir para o fazer pedagógico é, justamente, uma reflexão crítica sobre a
função de professor.
A
respeito dos reflexos da crise na educação familiar e as conseqüências na
educação escolar, Fleig (2000) chama a atenção para o fato de que, quando o
homem abre mão da transmissão de saberes aos seus semelhantes e passa a agir
como se fosse o último dos homens, passa também a desacreditar na geração
seguinte, então ninguém pode usufruir o que herda.
Mas,
o que constitui o futuro é justamente os saberes herdados, passados de pai para
filho; diante da ausência desses, o presente se solidifica preenchido pelo
vazio.
A
tese do declínio da função paterna, na sociedade contemporânea, e seus efeitos
no processo de subjetivação do sujeito – ausência de lei, de limites e de
hierarquia de valores – tem sido atribuída à modernidade, responsabilizada pelo
desinvestimento social da figura paterna e da família patriarcal, suposto
sustentáculo do Complexo de Édipo. Lajonquière (2000), no entanto, relativiza
alguns dos pressupostos dessa tese ao argumentar que, "ao contrário, a
modernidade elevou o pai a ‘um nível superior de espiritualidade’ – conforme
expressão de Freud em Moisés e
a religião monoteísta –, a
ponto de reforçar a potestade do reconhecimento simbólico, colocando o laço
filiatório ao abrigo da arbitrariedade das vontades" (p. 58). O autor
reconhece, não obstante, que a modernidade contribuiu "no processo
paulatino de declínio da família patriarcal" (p.58). Polêmica à parte, se
reconhecemos que o inconsciente é o discurso do Outro, portanto, que o sujeito
é social, pode-se inferir que a escola e seus professores se deixam afetar tanto pela rede discursiva que
denuncia a crise social de valores culturais e morais cada vez mais fluidos
quanto por passagens ao ato, no cotidiano escolar, ambos dando testemunho que a
autoridade devida ao professor é amplamente negada.
Mal-estar
docente, cultura e subjetividade
O
tema mal-estar docente, cultura e subjetividade, nesta proposta de trabalho,
tenta elucidar os efeitos da cultura no processo de subjetivação do homem
moderno, efeitos que se fazem presentes também na escola.
Enunciado
por Freud (1930), o mal-estar na civilização foi usado, nesta pesquisa, para
discutir a dor própria da condição do existir humano e para a compreensão do
sofrimento de existir "na pele" de professor. O mal-estar docente foi
abordado enquanto sintoma que aponta para um desconforto subjetivo e singular e
não como uma doença orgânica. É por meio da queixa e da manifestação de
sintomas, na escola, que os professores conseguem revelar ou denunciar o
mal-estar na educação, pois demandam ser testemunhados pelos colegas e por toda
a comunidade escolar e, com isso, alcançam cuidados e "benefícios
secundários" (Almeida, 2000), sendo menos pressionados.
A
este respeito, Freud (1913) confirma que as relações humanas bem como os
costumes firmados na cultura suscitam no sujeito um intenso mal-estar e as mais
severas defesas. Para Freud, essas devem ser aplicadas aos desejos incestuosos.
Ao ser introduzido no código e na lei social, o sujeito (neurótico) se dirige
contra a liberdade e o prazer seguindo em direção à renúncia das pulsões. Por
meio das interdições, as proibições retiram o homem de sua natureza e
animalidade, tornando-o social.
Para
Freud (1924), as proibições morais e as convenções regulam as forças internas,
mas as proibições não conseguem abolir a pulsão, ao invés disso, para o autor,
esta é reprimida e se torna inconsciente. Disso depende toda a organização
psíquica do sujeito, tudo o mais, em sua história, decorre do conflito entre a proibição,
o interditado e as forças pulsionais. O homem sempre coloca o desejo em direção
à possibilidade de realização do que julga torná-lo feliz, ou o que poderá de
alguma forma levá-lo, imaginariamente, ao gozo supremo. Esse desejo permanece
desde sempre oculto, mas não diminuído. Para fugir desse impasse, o homem
"encontra" atos e objetos substitutos para realização de seu desejo.
Nessa passagem de sua obra, Freud argumenta que toda a organização do sujeito
humano é passada para gerações posteriores, como um dom psíquico herdado e vem
junto em todo processo de educação. Sendo assim, todo o núcleo das neuroses e
sua natureza associal têm, para o autor, também uma origem genética. O sujeito
para viver na cultura tenta fugir de um mundo insatisfatório, que gera
mal-estar, para uma realidade prazerosa e de fantasia, evitando o confronto com
o real (a castração). Assim o homem, o tempo todo, tenta voltar-se contra essa
verdade.
Diniz
(1998) acrescenta que não há harmonia na passagem do estado de natureza para o
de cultura. A cultura intervém, então, na natureza, para discipliná-la e
regularizá-la. Desta forma, a entrada do humano na ordem simbólica, em
desarmonia com a natureza, é paga com uma perda, uma falta que põe o sujeito a
desejar.
Então,
o mal-estar é próprio da condição humana, portanto não há como o sujeito humano
dele escapar. Freud (1930) aponta o trabalho como uma das fontes do mal-estar
na cultura, pois gera conflitos nos sujeitos e, portanto, uma sensação de
estranhamento e infelicidade. Dentre as manifestações do mal-estar, o sujeito
humano convive, também, com o sofrimento físico, pois está desde o nascimento
condenado à decadência. Mas o corpo acaba por padecer de sofrimentos de outra
ordem, pois há um mal-estar interior que assola o sujeito humano para que esse
possa existir. E Freud alerta para a verdade de que o maior dos sofrimentos
acontece quando há um comprometimento do relacionamento com os outros.
A
felicidade e a completude são perseguidas, mas, contudo, sem nenhuma garantia
de sucesso; esse vem por acréscimo. Neste sentido, há que se ter um
"quantum" de resistência necessária para sobreviver na cultura.
O
mal-estar presente no campo da educação é entendido por Cordié (1998) como um
fenômeno que envolve aspectos exteriores ao sujeito, como os sociológicos e as
condições mesmas do fazer pedagógico e as demandas diárias, os fatores
profissionais e, também, a problemática do próprio sujeito, já que "ensinar
não é uma atividade neutra" (p.44).
Zaragoza
(1999) aponta para um dos fatores que leva o docente a um extremo mal-estar.
Segundo o autor, a interação do professor em sala de aula pode levá-lo a
adoecer, pois a ação do mestre em sala gera tensões, emoções e sentimentos
muitas vezes negativos em relação aos alunos, às condições ambientais e em
relação ao próprio contexto escolar. Esta situação é agravada pelo fato de que
o professor, sempre, se depara com a necessidade de desempenhar papéis
contraditórios, que lhe exigem manter um enorme equilíbrio psíquico. Exige-se
do professor que este seja amigo, companheiro dos alunos ou que sempre lhes
ofereça apoio, e até mesmo ajuda para o desenvolvimento pessoal.
Em
uma reportagem publicada no Correio Braziliense do dia 15 de outubro de 2004,
data em que se comemorava o dia do professor, lê-se a matéria Pouco a comemorar, que traz dados alarmantes sobre a
saúde dos docentes, no Distrito Federal: "só na rede pública, faltam pelo
menos 1,5 mil profissionais, que morreram, aposentaram-se ou pediram demissão,
mas não foram substituídos definitivamente. A secretaria de Educação calcula
que 800 educadores entram de licença médica todos os meses por problemas como
tendinite, alergia ao giz, perda de voz e depressão. As doenças atingem 44% da
categoria".
Parece
haver, então, um mal-estar que comparece no não-dito, que não se expressa pela
palavra, mas que se denuncia na saúde psíquica do professor. Trata-se,
obviamente, de um adoecimento que não acontece isoladamente, pois há sempre uma
relação entre o adoecer e o vivido e experienciado pelo sujeito, subjetivamente
e em suas relações.
É
importante observar que o sujeito moderno não pode se entristecer, nem se
angustiar, também não lhe sendo permitido lidar com o sofrimento sem ser
diagnosticado como "deprimido". Observa-se, no entanto, que há um uso
indiscriminado do termo, que parece classificar e categorizar todos os tipos de
sofrimento oriundo do mal-estar na cultura, embora se saiba que não há uma
palavra que dê conta de abarcar a falta-a-ser do sujeito, à exceção do que a
psicanálise nomeia castração.
Não obstante, normatizar, medicalizar e classificar em uma mesma categoria
todos os que sofrem a dor de viver parece hoje ser a saída. Vive-se em um tempo
dos analgésicos e anestésicos em que sofrer não faz mais sentido. Em parte, por
isso, os homens são cada vez mais incapazes de avaliar o sentido da dor.
Roudinesco
(2000) aponta a utilidade dos medicamentos, mas, também, a incapacidade destes
de curar o homem de seus males psíquicos. A autora discute a subjetividade do
ser humano e sua relação com a morte, com as paixões, a sexualidade, a loucura,
o inconsciente e com o outro. Para Roudinesco, a fala, como importante
componente da "cura" do homem, não se limita à sua condição biológica.
Segundo a mesma autora, Freud, no final de sua vida, tinha consciência de que,
"um dia os avanços da farmacologia imporiam limites à técnica do
tratamento pela fala" (p.45). Para Freud, no futuro, as doenças da alma
poderiam vir a ser tratadas com medicamentos, mas, contudo, seria necessário um
equilíbrio entre os tratamentos medicamentosos e a psicanálise. Não foi o que
aconteceu, pois há algum tempo a farmacologia e os saberes médicos dominam os
tratamentos psíquicos e esses males são, na maioria das vezes, tratados como
doença orgânica, onde a palavra do sujeito que sofre não é escutada.
No
que diz respeito especificamente ao sofrimento psíquico de professores, existem
inúmeras investigações tentando elucidar as causas do desconforto e do
adoecimento na profissão docente.
O
estudo de Codo (1999) pesquisou a chamada síndrome de desistência do educador,
o burnout, termo inglês
que significa algo como perder o fogo, perder a energia. Para o autor, esta
síndrome afeta frontalmente os professores e constitui o principal problema dos
profissionais da educação. O burnout surge quando o professor esgota seus
recursos pessoais ou estes são insuficientes para atender ao excesso de
demandas existentes na escola. A esses docentes faltam estratégias de
enfrentamento das situações do cotidiano escolar. No estudo, o autor enfoca
desde os determinantes macroeconômicos até os conflitos mais subjetivos que são
apontados como causa do adoecimento do professor. Segundo o autor, somente na
década de 70 é que foram construídos modelos teóricos e instrumentos capazes de
compreender o desânimo crônico, a apatia e a despersonalização dos professores.
O estudo aponta para um professor que está cansado, abatido, sem mais vontade
de ensinar, um docente em franco processo de desistência.
Em
Souza (2002) lê-se que "todos
os que são professores conhecem essa experiência devastadora: ser profissional
e psiquicamente demolido por crianças ou jovens que os destituem do lugar de
professores, não pelo fracasso, mas pela ausência, pela recusa em entrar no
jogo da escola" (p.109). E tanto Souza quanto Almeida (2000) alertam para
o fato de que ao se sentir socialmente abandonado, o professor não renuncia
facilmente aos seus sintomas, que adquirem o estatuto de um mal-estar
assistido, com todas as "vantagens" e "benefícios" daí
advindos e deles fazendo uso.
Falta
à escola uma maior reflexão a respeito do envolvimento pessoal do professor no
exercício da docência. Só muito recentemente pesquisadores da área de educação
começaram a se debruçar sobre as histórias de vida dos docentes e sua relação
com as trajetórias profissionais, resgatando experiências subjetivas, memórias
educativas, ações, posturas, opções, conflitos pessoais, dentre outros aspectos
capazes de auxiliar na compreensão do processo pelo qual os sujeitos se tornam
professores. Assim, é necessário considerar que os aspectos profissionais e os
pessoais, na maioria das vezes, se confundem durante o exercício do magistério.
Sintoma,
desamparo e narcisismo
O
sofrimento oriundo das situações de trabalho traz em seu bojo a necessidade de
se entender as posições subjetivas do sujeito e suas defesas diante do próprio
adoecimento, sendo o sintoma depressivo e o sentimento de desamparo modalidades
de manifestação desse sofrimento, na modernidade, e do mal-estar docente, na educação.
Sufocados
pelas exigências que a realidade educacional lhes impõe e por ideais educativos
inalcançáveis, os professores manifestam uma enorme angústia e grande
sentimento de desamparo e muitos não encontram saídas a não ser pela via das
queixas e do sintoma depressivo.
Em
Freud (1925), lê-se a respeito do sintoma. Este surge como um sinal de um
substituto de uma satisfação pulsional, que permanece em estado jacente e é
conseqüência de um processo de recalcamento. Neste sentido, a idéia persiste
como uma formação inconsciente destinada à satisfação da pulsão. E Freud chama
a atenção, neste mesmo texto, que em virtude do processo de recalcamento, o
prazer que se esperava da satisfação transforma-se em desprazer. Os professores
que idealizam excessivamente o ato pedagógico sofrem, pois o prazer que
esperavam ilusoriamente encontrar na docência acaba não correspondendo ao
esperado. Sendo assim, acabam erguendo mecanismos de proteção que os retire, de
alguma forma, da convivência diária com as situações que os fazem sofrer. Freud
corrobora com esta idéia, pois relata que o organismo recorre a tentativas de
fuga quando se vê ameaçado por perigos externos.
O
sintoma, em psicanálise, é entendido de forma diferente da medicina, pois nesta
ciência o mesmo é visto como sinal de doença orgânica, já que o organismo é de
ordem estritamente biológica. A noção de sintoma, em psicanálise, aponta para a
subjetividade do sujeito e para algo simbólico, que vem no lugar de outra
coisa. Entretanto, no sintoma existe algo de biológico, que incide no real do
corpo, quando há um não sentido que aprisiona o sujeito e não pode ser
representado com palavras, não pode ser simbolizado.
O
sintoma, diz Blanchard-Laville (2000), é sempre endereçado ao outro. No caso
dos professores, o não reconhecimento por seu trabalho e a falta de acolhimento
às suas demandas são sinalizadas pelo sintoma como uma mensagem endereçada ao
outro, na tentativa de serem minimamente escutados.
Birman
(2000) discute a escuta do sintoma na psicanálise e avalia que apesar dos
avanços da medicina a sensibilidade relativa às novas formas de subjetivação,
na atualidade, não foi, ainda, percebida pela ciência médica. O próprio corpo
tomou novas formas de subjetivação na sociedade moderna e, mesmo assim, o
sintoma continua sendo visto apenas como sintoma físico, pela medicina.
Na
escola, os sintomas do mal-estar dos professores se manifestam na interface de
problemas pessoais com os problemas escolares. Muitas vezes, aparecem junto a
uma incapacidade de lidar com as frustrações advindas da própria função, bem
como com as frustrações da própria vida, com o desamparo sentido no mundo
moderno, quando não encontram um lugar para serem escutados e se deparam com a
ausência de respostas aos ideais perseguidos desde a infância. Esses sujeitos
parecem reprimir toda a agressividade neles contida, evitando o contato próximo
com seus alunos e seus pares quando, por exemplo, se afastam do trabalho por
licença médica. Pode-se notar que esta é mais uma das modalidades de formação
de sintoma, o isolamento, pois é usado como recurso para evitar que certos
conteúdos sejam tocados, conforme já previa Freud (1925).
A
respeito da singularidade do sintoma, do modo de arranjo sintomático de cada
sujeito, Zaragoza (1999) defende três formas do que ele chama de "produção
da degeneração da eficácia docente", um dos arranjos psíquicos para dar
conta da função pedagógica: a) a dos professores que deixam de atuar com
qualidade porque sua personalidade ficou afetada; b) a dos professores que se
inibem e rotinizam seu trabalho profissional como mecanismo de defesa face às
condições em que exercem o magistério e c) a dos professores que traçam uma
linha clara de atuação, operando com uma conduta flutuante, impregnada de
contradições, que acaba por não responder às transformações exigidas pela
mudança do contexto social do magistério.
Lacan,
(citado em Quinet, 2003), considera que o sintoma "é o significante de um
significado recalcado da consciência do sujeito" (p.123). Portanto, o
significado de cada sintoma é singular a cada sujeito, dado aos seus mais
variados arranjos fantasmáticos, traumas e experiências individuais. A respeito
de sintoma, Lacan esclarece, ainda, que o homem segue seu percurso de vida
desejando reconhecimento, mas tal desejo permanece desde sempre excluído,
recalcado. O que adoece o humano, então, continua Lacan, é o sintoma, e este
nada mais é que o sinal de uma disfunção orgânica, um funcionamento que vem do
real do corpo, que deve ser atravessado e não curado. Para Lacan, "em nenhum
caso poderia o tratamento consistir na erradicação do sintoma, enquanto efeito
estrutural do sujeito" conforme aponta Chemama (1995, p. 203).
Uma
das grandes contribuições de Freud, e até mesmo uma inovação, diz Birman
(2000), foi pensar outras relações entre organismo e psiquismo pela mediação do
corpo, pois este é atravessado por forças pulsionais e é permeado pelo
organismo. O organismo está ligado às ordens da natureza e o corpo, em
contrapartida, se constitui em uma ruptura com esta, pois o corpo é da ordem do
sexual e do pulsional. Para o referido autor há, nesta perspectiva, um corpo sujeito.
Em
Freud (1920) pode-se ler a respeito de um corpo imaginado, representado. Em sua
teorização à respeito da histeria, Freud tentava estabelecer diferenças entre as
paralisias motoras e histéricas, pois estas seriam fundadas em representações
corporais, rompendo com o corpo biológico. Sendo assim, intencionou romper com
este modelo puramente biológico, médico, proporcionando um outro tipo de escuta
às histéricas.
Uma
das conclusões de Freud, em seu texto de 1925, é a de que nas três grandes
estruturas psíquicas (neurose, psicose e perversão), o que está em jogo é o
horror à castração, pois para ele a angústia é uma reação a uma situação de
perigo. Freud menciona que está inclinado a aderir ao ponto de vista de que o
medo da morte deve ser análogo ao medo da castração e que, nesta situação o ego
está reagindo ao temor de ser abandonado. Isto porque ele não dispõe mais de
qualquer salva-guarda contra todos os perigos que o cercam. Deste modo, pode-se
pensar que o sintoma é, então, uma reação à eminência da perda e da separação.
Freud
(1925) chamou subjetividade de desamparo. Este se refere à angústia com as
relações interpessoais, sociais e a toda a estrutura do sujeito. Para Birman
(2000) "o desamparo seria aquilo que instaura o mal-estar na
modernidade" (p.43). Mas, os humanos dependem de certa ausência, de algo
que está fora, para existirem enquanto sujeito. O sentido sempre vai estar
fora, vem sempre do Outro. De certa forma, o incômodo que a alternância entre
presença e ausência traz na infância vai sendo atualizado por professores que
não suportam a dor de não serem reconhecidos em sua função.
A
respeito do desamparo existencial, Lasch (1983) aponta que a dor da separação
tem sua origem na prolongada experiência de desamparo na infância, pois segundo
o mesmo autor, "o bebê humano nasce muito cedo" (p.151). Este vem ao
mundo com uma incapacidade de prover suas necessidades biológicas e, portanto,
completamente dependente de seus cuidadores. A respeito destes, o bebê
imagina-os com superpoderes e sobre-humanos, capazes de suprir-lhes todas as
demandas. Segundo Lasch, a experiência de desamparo é muito dolorosa, pois é
precedida do referido "sentimento oceânico", o qual todos procuram
por toda a vida recuperar.
A
separação primeira e o nascimento são sempre relembrados quando a criança é
deixada só, ou quando sente necessidades biológicas não satisfeitas, como fome,
sede, sono, dentre outras. Esta experiência é para a criança uma ameaça à sua
própria existência. Para essas, não há maior ameaça à segurança quanto a ameaça
do desamparo. Para Birman (2000), "o registro psíquico do desamparo é algo
de ordem originária,
marcando a subjetividade humana para todo o sempre" (p.37).
O
referido sentimento de desamparo foi incrementado na modernidade, pois o
distanciamento característico das relações sociais, na atualidade, mina as
certezas do sujeito que necessita do outro para se constituir como tal.
Dejours
e Abdoucheli (1994) trabalham com o conceito de psicopatologia do trabalho e o
definem como "uma análise dinâmica dos processos psíquicos mobilizados
pela confrontação do sujeito com a realidade do trabalho" (p.120). Na
referida obra, os autores se ocupam em definir os conflitos que surgem de forma
dinâmica no cotidiano de todo trabalho. Esses se devem ao fato de cada sujeito
carregar consigo uma história particular que existe muito antes do encontro com
as situações de trabalho e guarda consigo, muitas vezes, características
independentes da vontade do próprio sujeito.
A
psicopatologia do trabalho parte do pressuposto de que existe uma subjetividade
anteriormente constituída que, quando exposta a certas condições, corre o risco
de, no sujeito, ser modificada, e também modificar, no outro social, as
características pessoais expostas no gerenciamento de situações de conflito no
trabalho.
O
sofrimento oriundo das situações de trabalho traz, para a sua compreensão, a
necessidade de entender as posições subjetivas do sujeito e suas defesas diante
do próprio adoecimento. Os trabalhadores, incluindo os da escola, permanecem
sujeitos de seu trabalho, pensam a respeito de si mesmos, sobre sua
organização, conduta e discurso, e também na repercussão de seus problemas no
ambiente de trabalho. Deste modo, "penetramos então em uma problemática
que não utiliza mais o esquema causalista: renunciamos à idéia de que o
comportamento dos trabalhadores fosse determinado pela própria vontade ou pela
força das pressões da situação" (Dejours & Abdoucheli, 1994, p.122).
Entre
as pressões do trabalho e o adoecimento existe um sujeito que reage e se
defende de acordo com sua estrutura mental, que é de certa forma, invariável e
estável em cada um; deste modo, a estrutura determina o modo de cada sujeito
lidar com seu sofrimento. A metáfora usada por Dejours e Abdoucheli (1994)2 é a de um cristal de rocha que em seu
rompimento, sob o impacto de situações de pressão intensa, não se quebra de
forma qualquer, mas segue as linhas de sua estrutura interna. Neste sentido,
deixa claro que o impasse afetivo é singular a cada sujeito dotado de desejo e
perpassado pelo inconsciente.
As
demandas de perfeição e poder do mundo moderno, as exigências sociais que
contornam a escola trazem ao professor uma angústia enorme, pois o docente que
sofre diante de seus ideais inalcançáveis de perfeição está, justamente, fora
da cultura do narcisismo, quando não assume o ideal narcísico da
contemporaneidade e sucumbe diante da falta de respostas para muitas situações
demandadas pelos pais, alunos e até mesmo pela direção da escola. O professor
que adoece sofre uma ferida narcísica por não conseguir corresponder às
demandas do cotidiano escolar. Assim, sente-se incompetente quando é frustrado
em seu compromisso com a idealização do ato pedagógico.
Lasch
(1983) afirma que a tentativa de restauração da unidade um dia perdida traz
consigo certa impossibilidade de perceber as frustrações, o que dá origem a
dolorosos temores de perseguição. O desamparo tem aí sua origem, fazendo
sintomas psíquicos como, por exemplo, a depressão.
Em
1930, Freud já apontava para três grandes ameaças ao ser humano, sendo uma delas
a falência do corpo. Desde então, o desamparo humano foi colocado em pauta,
enunciado no discurso freudiano, que seguiu em direção à posição de fragilidade
do homem ao relacionar essas ameaças vindas, além da corporeidade, também da
natureza e das relações intersubjetivas. Freud aponta para o desamparo humano,
afirmando que é justamente para se livrar deste que o sujeito, diante de sua
fragilidade, finitude e mortalidade, necessita criar mecanismos para tamponar
essas marcas, maquiando-as com onipotência e auto-suficiência.
Nota-se
que na escola, hoje, todos querem suas demandas atendidas sem se importar com
os custos, no outro, desse desejo. Os pais esperam respostas milagrosas da
escolarização de seus filhos, mesmo diante de sua omissão. A direção escolar e
os alunos querem, a todo custo, seus pedidos prontamente atendidos. Diante do
caos de demandas em seu trabalho, o professor se sente imensamente ameaçado em
sua integridade psíquica e física, já que o excesso de demandas torna
insuportável a função docente.
Dejours
(1994) corrobora com essa idéia e analisa que, para o trabalhador, há um
conflito de desejos frente à realidade do trabalho. Assim, há uma "carga
psíquica negativa" despendida na organização do trabalho, quando o sujeito
tem que abrir mão de seu "livre arbítrio", em função das demandas do
outro. O sujeito, nestas circunstâncias, é despossuído de sua saúde física e de
seu desejo, sendo domesticado e forçado a agir da maneira que o outro quer. A
carga psíquica do trabalho é resultante do confronto entre o desejo do
trabalhador e as demandas do empregador e essa carga tende a aumentar quando a
liberdade de ação no trabalho diminui, afirma o autor.
A
questão aponta então, para a necessidade de que os professores tomem contato
com sua dor, com a finitude, com a incerteza que a angústia de não saber tudo
ou nada saber a respeito de si mesmo provoca. A possibilidade de confrontar-se
com a dor da angústia da castração, colocando-a em palavras, na escola, em
reuniões de equipe ou mesmo nas coordenações do trabalho pedagógico poderia ser
um dos apoios ou suporte, que se traduz, nas queixas dos docentes, por falta de
acolhimento. O que parece ser importante, no âmbito da instituição escolar, é
que o professor seja escutado e acolhido por seus pares, não necessariamente
ser escutado em um setting analítico, já que muitos professores não fazem
análise ou não têm essa demanda. Uma escuta qualificada ou um suporte
psicológico realizado por um profissional sensível ao sofrimento do outro pode
auxiliar o professor a amenizar a sua angústia. Sentindo-se acolhidos e menos
desamparados, os docentes poderão se implicar no seu desejo de "ser
professor", barrando o gozo e buscando a realização pessoal e profissional
possível.
Sobre
a análise e discussão dos dados
Na
análise dos dados da pesquisa foram discutidas as queixas dos docentes e
identificadas, nos relatos de histórias de vida dos sujeitos, as disposições
subjetivas e as condições objetivas que se relacionavam ao sofrimento psíquico
e, conseqüentemente, ao adoecimento do professor, de modo a traduzir os
principais sintomas do mal-estar na educação. Assim, algumas categorias
temáticas emergiram da análise de conteúdo dos relatos autobiográficos e foram
discutidas à luz da teoria psicanalítica, visando apreender os sentidos
particulares atribuídos pelos professores ao seu sofrimento e como este se
articulava aos discursos social e educacional dominantes. Foram doze as
categorias analisadas:
1. o descrédito em relação ao adoecimento dos professores;
2. o preconceito contra os professores diagnosticados como deprimidos;
3. as dificuldades de aprendizagem dos alunos e o mal-estar docente;
4. a violência extra e intra-escolar;
5. a indisciplina na escola;
6. a educação familiar dos professores, a relação transferencial com os alunos e a atuação profissional;
7. o sentimento de insegurança vivenciado pelos docentes;
8. o absenteísmo como uma das modalidades de defesa contra o mal-estar docente;
9. o desgaste emocional pelo excessivo envolvimento do professor com os problemas pessoais de seus alunos;
10. as frustrações pelas condições de trabalho e a importância dada ao apoio institucional necessário à prática pedagógica;
11. as queixas e a demanda de escuta;
12. os sintomas de depressão e seu "tratamento".
2. o preconceito contra os professores diagnosticados como deprimidos;
3. as dificuldades de aprendizagem dos alunos e o mal-estar docente;
4. a violência extra e intra-escolar;
5. a indisciplina na escola;
6. a educação familiar dos professores, a relação transferencial com os alunos e a atuação profissional;
7. o sentimento de insegurança vivenciado pelos docentes;
8. o absenteísmo como uma das modalidades de defesa contra o mal-estar docente;
9. o desgaste emocional pelo excessivo envolvimento do professor com os problemas pessoais de seus alunos;
10. as frustrações pelas condições de trabalho e a importância dada ao apoio institucional necessário à prática pedagógica;
11. as queixas e a demanda de escuta;
12. os sintomas de depressão e seu "tratamento".
Considerações
finais
A
formação inicial e continuada de professores desconhece, ainda hoje, as
manifestações psíquicas presentes na sala de aula e na escola. Os efeitos
negativos dessas manifestações são visíveis na prática, quando os professores
não conseguem atender aos seus ideais educativos e às demandas escolares e, por
isso, adoecem. Assim, repensar o papel da formação docente é fundamental para a
(re)construção da identidade profissional.
O
mal-estar relatado pelos professores, nesta pesquisa, evoca as angústias
vividas por eles no cotidiano escolar, efeito das circunstâncias aversivas com
que se deparam todos os dias no trabalho. Muitas vezes, as queixas revelam uma
expectativa de melhoria dos problemas levantados.
A
angústia dos professores deverá, assim como a de um analisando, ser atravessada
por meio do resgate de sua palavra e não eliminada, como se pode,
equivocadamente, pensar. "Consideramos que a angústia na escola deve ser
abordada sob esta mesma perspectiva. Isto é, não há nada que possa curar a
angústia do professor, mas pode-se buscar atravessá-la e, nesta travessia, é
interessante que ele possua algum suporte" (Prioste, 2006 p.150).
Neste
caso, pensa-se que um dos principais suportes ao professor poderia acontecer no
percurso de formação, na medida em que esta acolha a criação ou a abertura de
um espaço onde o docente possa, de maneira efetiva, endereçar sua palavra a um
Outro, ser escutado e se escutar em relação a seus medos, inseguranças e
dúvidas que comparecem na prática pedagógica e, ainda, interrogar-se sobre sua
escolha profissional e nela implicar-se como sujeito de desejo.
Para
este suporte, a escola poderá conferir ao psicólogo escolar um espaço concreto
para o desempenho dessas funções. Este profissional estaria, assim, autorizado
pelos sujeitos e pela instituição a funcionar como o Outro que escuta, um lugar
para onde o docente pudesse dirigir a palavra e ouvir-se a si mesmo. A palavra
seria recolocada em circulação, por meio da transferência.
Um
psicólogo orientado pela teoria psicanalítica pontuará, em seu trabalho de
escuta, o discurso, a palavra e não o comportamento dos sujeitos. Dessa forma,
operando com as leis de funcionamento do inconsciente, presentificado na
linguagem, poderá extrair dela a eficácia de sua ação. Com a circulação da
palavra existirá certa "oxigenação" na instituição. Os efeitos da
verdade dos sujeitos a respeito da prática docente poderão beneficiá-los, para
transformar a práxis por meio das falas e questionamentos singulares. Neste
caso, o resultado será a possibilidade de criação de novos discursos, conforme
sugere Kupfer (1997).
Com
relação à formação de professores, Almeida (2003) sugere algumas modalidades ou
dispositivos de ação que, mesmo partindo do modelo clínico, têm se mostrado
eficazes como ferramentas para as indagações e angústias presentes nas práticas
educativas: "a) a atitude
clínica, compreendendo o fazer falar o outro e a escuta clínicadessa fala; b) os
relatos escritos (...) memórias educativas, registros da prática, estudos de
caso, histórias de vida; c) (...) a prática reflexiva; a mudança nas
representações e nas práticas; a observação mútua; a metacomunicação com os
alunos; a escrita clínica; a videoformação; a entrevista de explicitação; a
história de vida; (...) (p.174)". Para a autora, o trabalho de formação
deve ser remetido à dimensão da ética e, nesta perspectiva, a ética pode
indicar a dimensão de um juízo crítico, buscando compreender o sentido da ação,
podendo ser também tomada, juntamente com o desejo, conceito fundamental em psicanálise,
naquilo que de singular e de inconsciente a ação comporta.
Em
referência ao mal-estar docente, ou dito de outra forma, ao modo como cada um
goza de seu sintoma, o "tratamento" seria, então, no âmbito da
instituição escolar, possibilitar que cada docente se implique eticamente na
sua ação e busque dar sentido aos seus atos, falando e questionando-se a
respeito de sua práxis e de seus efeitos subjetivos e profissionais, no
exercício cotidiano de suas funções educativas.
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Paulo: EDUSC.
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1.
Este trabalho é uma versão, resumida e simplificada, da Dissertação de Mestrado
em Psicologia, intituladaSofrimento psíquico de professores: uma leitura
psicanalítica do mal-estar na educação, de autoria da primeira autora, sob
a orientação da segunda, apresentada em 2006, na Universidade Católica de
Brasília, com financiamento da CAPES/UCB.
2.
Os autores não fazem referência a Freud, mas a metáfora do cristal foi usada
por Freud, em 1932-33, para explicar que a estrutura psíquica organiza-se, “cristaliza-se"
tal como um corpo químico complexo, a exemplo do cristal, com linhas de
clivagem originais e que não podem variar ulteriormente. Assim, a
descompensação da estrutura psíquica (a quebra do cristal) não se realizará de
uma forma aleatória, mas segundo e seguindo essas linhas e pontos de clivagem
pré-estabelecidos em toda a ontogênese e que perfazem as fragilidades individuais
de cada um de nós.
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