Recentemente falecido, o historiador Eric Hobsbawm marcou a sua trajetória, sem dúvida, como um cientista social de primeira grandeza. É autor de uma ciência social que faz falta hoje, marcadamente cosmopolita. Nascido em 1917 em Alexandria (Egito), Hobsbawm fez seus estudos em Viena, Berlim, Londres e Cambridge. Fellow da British Academy e da American Academia of Arts and Sciences, professor visitante em diversas universidades da Europa e da América, lecionou até aposentar-se no Birkbeck College, da Universidade de Londres, e depois disso na New School for Social Research, em Nova York. Da sua vasta obra, há um livro que não é muito conhecido, mas que, penso eu, é de um valor fundamental - A Invenção das Tradições, organizada por ele e pelo também historiador Terence Ranger. Ora, determinadas palavras, comportamentos e ideias mostrados de forma estereotipada e preconceituosa, no mais das vezes, resultam de 'processos inventados', em decorrência das mais diversas motivações. Como também o inverso é verdadeiro: o que é mostrado como o certo, o bem, etc,. não passa de uma fraude. Por estas e outras questões, a leitura de A Invenção das Tradições é imperativa. Abaixo, uma resenha da obra, a partir da Introdução escrita por Hobsbawm.
Por Adilson Luís Franco Nassaro
Eric Hobsbawm, nascido em Alexandria, em 1917, é
um historiador reconhecido internacionalmente pela sua capacidade e
versatilidade, dispensando apresentação no meio acadêmico por conta de sua rica
e conhecida produção nos estudos sobre classes populares, ideologias políticas
e sociais, história contemporânea e teoria da história.
Um de seus interesses é o desenvolvimento das
tradições e também o estudo de sua construção no contexto do Estado-nação.
Argumenta que muitas vezes as tradições são inventadas por elites nacionais
para justificar a existência e importância de suas respectivas nações. Hobsbawm
reconhece em sua “Introdução” à obra “A invenção das tradições” que a expressão
título corresponde a uma questão interdisciplinar e referenda a contribuição da
historiografia nesse campo comum também aos antropólogos sociais e outros
estudiosos de ciências humanas que devem considerá-la útil às suas pesquisas.
A expressão “invenção das tradições” é utilizada
em sentido amplo, mas bem definido, incluindo tanto as tradições propriamente
inventadas e institucionalizadas, quanto àquelas que surgem repentinamente e da
mesma forma se estabelecem, permanecendo tal como as outras, como se sua origem
fosse remota, ainda que durem relativamente pouco. Esse conjunto de práticas de
natureza ritual ou simbólica teriam por objetivo incorporar determinados
valores e comportamentos definidos por meio da repetição em um processo de
“continuidade em relação ao passado”, via de regra, um passado histórico
apropriado.
Explica o autor que ela pode se expressar pela
escolha de um estilo arquitetônico, por exemplo, funcionando como uma reação a
situações novas, funcionando como referência a situações anteriores em uma
continuidade artificial. Esse contraste torna interessante o estudo do tema na
história contemporânea, pela tentativa de se estruturar de modo imutável e
invariável alguns aspectos do meio social ao mesmo tempo em que se apresentam constantes as mudanças e inovações do
mundo moderno.
Apresenta a diferença entre tradição e costume
(vigente nas sociedades “tradicionais”) e, também, entre tradição e convenção
(ou rotina). A tradição tem por objetivo e característica a invariabilidade,
impondo práticas fixas, normalmente formalizadas, como repetição. Já o costume
não impede as inovações e muda até certo ponto, limitado pela “exigência de que
deve parecer compatível ou idêntico ao precedente” e a convenção não possui
função simbólica nem ritual, embora possa adquiri-la eventualmente. Após a
Revolução Industrial, as sociedades se obrigaram a formar novas redes de
convenções e rotinas e na medida em que elas se tornam hábitos, se perpetuam
por uma necessidade mecânica. Desse modo, as redes de convenção não constituem
“tradições inventadas”, pois as justificativas seriam técnicas, não ideológicos
e poderiam ser prontamente modificadas ou mesmo abandonadas pela necessidade
prática.
O autor destaca que é relativamente desconhecido o
processo pelo qual os complexos simbólicos e rituais são criados, considerando
que a invenção de tradições seria um meio de formalização e ritualização sempre
se referindo ao passado, impondo repetição. Ele é mais evidente quando
realizado por um só homem a exemplo de Baden Powell, com o escotismo. Algumas
vezes o processo é documentado em sua criação o que facilita a investigação,
outros não. Ainda, há algumas situações em que as tradições são parte
inventadas, parte desenvolvidas em grupos fechados ou realizadas de modo
informal em determinado ambiente aberto e se perpetuam. Também, existiriam
adaptações para conservar velhos costumes em condições novas ou para usar
velhos modelos para novos fins (ex: Igreja Católica frente a novos desafios). O
autor prossegue, citando vários exemplos e variações sobre o tema que provocam
um debate quanto à apropriação de objetos do passado para perpetuação do
presente ou para definição de uma ritualística capaz de estabelecer um padrão
de perpetuidade.
Em síntese, sobre as tradições inventadas desde a
Revolução Industrial, Hobsbawm propõe classificação em três categorias
superpostas, quais sejam: a) as que estabelecem ou simbolizam a coesão social
ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais;
b) as que estabelecem ou legitimam instituições, status, ou relação de
autoridade e c) aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação
de ideias, sistemas de valores e padrões de comportamento.
Defendida a preponderância das tradições
inventadas “comunitárias”, o autor passa a investigar a sua natureza com o
auxílio da antropologia, para demonstrar diferenças entre “as práticas
inventadas e os velhos costumes tradicionais”. As práticas antigas eram sociais
específicas e muito coercivas, enquanto as inventadas tendem a ser gerais e
vagas quanto aos valores que se quer inculcar (“patriotismo”, “lealdade”,
“dever” etc.). A bandeira nacional, o hino nacional e as armas nacionais seriam
os símbolos pelos quais um país proclama sua identidade e soberania perante os
demais, revelando em si o passado, pensamento e toda a cultura da nação.
Identifica, ainda, um grande espaço cedido pela decadência das velhas tradições
e antigos costumes, que não foi preenchido pelas invenções, apesar de
abundantes.
Explora, por fim, o aspecto dos vestígios ou
indícios encontrados nas tradições inventadas que indicam problemas que não
poderiam ser localizados no tempo. A partir desses sinais, o pesquisador pode
avançar, desde que em um contexto amplo da história da sociedade e integrado em
um estudo mais extenso. Também, esclarece o papel dessa análise sobre as
relações humanas com o passado, o que é ofício do historiador e o fenômeno de
tornar-se a própria tradição, por vezes, símbolo de conflito, a exemplo das
lutas por causa de monumentos presentes ao longo do tempo.
Em conclusão, os historiadores estão envolvidos
nesse processo de interpretação das tradições inventadas e eles contribuem
“para a criação, demolição e reestruturação de imagens do passado que
pertenciam não só ao mundo da investigação especializada, mas também à esfera
pública onde o homem atua como ser político”. Especialmente no caso da história
moderna e contemporânea, são altamente aplicáveis para compreensão de uma
“inovação histórica comparativamente recente”, qual seja, a “nação” e os
fenômenos associados (nacionalismo, Estado nacional, símbolos nacionais e
outros). Para tanto, Hobsbawm explora o exemplo da concepção das nações
israelita e palestina que deve ser considerada nova, não obstante a longa
continuidade histórica dos judeus ou dos muçulmanos do Oriente Médio. Isso se
dá em função de suas associações a símbolos adequados, em geral bastante
recentes.
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Fonte: http://historia-resenhas.blogspot.com.br
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