quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A invenção das tradições

Recentemente falecido, o historiador Eric Hobsbawm marcou a sua trajetória, sem dúvida, como um cientista social de primeira grandeza. É autor de uma ciência social que faz falta hoje, marcadamente cosmopolita. Nascido em 1917 em Alexandria (Egito), Hobsbawm fez seus estudos em Viena, Berlim, Londres e Cambridge. Fellow da British Academy e da American Academia of Arts and Sciences, professor visitante em diversas universidades da Europa e da América, lecionou até aposentar-se no Birkbeck College, da Universidade de Londres,  e depois disso na New School for Social Research, em Nova York. Da sua vasta obra, há um livro que não é muito conhecido, mas que, penso eu, é de um valor fundamental - A Invenção das Tradições, organizada por ele e pelo também historiador Terence Ranger. Ora, determinadas palavras, comportamentos e ideias mostrados de forma estereotipada e preconceituosa, no mais das vezes, resultam de 'processos inventados', em decorrência das mais diversas motivações. Como também o inverso é verdadeiro: o que é mostrado como o certo, o bem, etc,. não passa de uma fraude. Por estas e outras questões, a leitura de A Invenção das Tradições é imperativa. Abaixo, uma resenha da obra, a partir da Introdução escrita por Hobsbawm.  



Por Adilson Luís Franco Nassaro

Eric Hobsbawm, nascido em Alexandria, em 1917, é um historiador reconhecido internacionalmente pela sua capacidade e versatilidade, dispensando apresentação no meio acadêmico por conta de sua rica e conhecida produção nos estudos sobre classes populares, ideologias políticas e sociais, história contemporânea e teoria da história. 

Um de seus interesses é o desenvolvimento das tradições e também o estudo de sua construção no contexto do Estado-nação. Argumenta que muitas vezes as tradições são inventadas por elites nacionais para justificar a existência e importância de suas respectivas nações. Hobsbawm reconhece em sua “Introdução” à obra “A invenção das tradições” que a expressão título corresponde a uma questão interdisciplinar e referenda a contribuição da historiografia nesse campo comum também aos antropólogos sociais e outros estudiosos de ciências humanas que devem considerá-la útil às suas pesquisas.
A expressão “invenção das tradições” é utilizada em sentido amplo, mas bem definido, incluindo tanto as tradições propriamente inventadas e institucionalizadas, quanto àquelas que surgem repentinamente e da mesma forma se estabelecem, permanecendo tal como as outras, como se sua origem fosse remota, ainda que durem relativamente pouco. Esse conjunto de práticas de natureza ritual ou simbólica teriam por objetivo incorporar determinados valores e comportamentos definidos por meio da repetição em um processo de “continuidade em relação ao passado”, via de regra, um passado histórico apropriado. 
Explica o autor que ela pode se expressar pela escolha de um estilo arquitetônico, por exemplo, funcionando como uma reação a situações novas, funcionando como referência a situações anteriores em uma continuidade artificial. Esse contraste torna interessante o estudo do tema na história contemporânea, pela tentativa de se estruturar de modo imutável e invariável alguns aspectos do meio social ao mesmo tempo em que se apresentam constantes as mudanças e inovações do mundo moderno.
Apresenta a diferença entre tradição e costume (vigente nas sociedades “tradicionais”) e, também, entre tradição e convenção (ou rotina). A tradição tem por objetivo e característica a invariabilidade, impondo práticas fixas, normalmente formalizadas, como repetição. Já o costume não impede as inovações e muda até certo ponto, limitado pela “exigência de que deve parecer compatível ou idêntico ao precedente” e a convenção não possui função simbólica nem ritual, embora possa adquiri-la eventualmente. Após a Revolução Industrial, as sociedades se obrigaram a formar novas redes de convenções e rotinas e na medida em que elas se tornam hábitos, se perpetuam por uma necessidade mecânica. Desse modo, as redes de convenção não constituem “tradições inventadas”, pois as justificativas seriam técnicas, não ideológicos e poderiam ser prontamente modificadas ou mesmo abandonadas pela necessidade prática. 
O autor destaca que é relativamente desconhecido o processo pelo qual os complexos simbólicos e rituais são criados, considerando que a invenção de tradições seria um meio de formalização e ritualização sempre se referindo ao passado, impondo repetição. Ele é mais evidente quando realizado por um só homem a exemplo de Baden Powell, com o escotismo. Algumas vezes o processo é documentado em sua criação o que facilita a investigação, outros não. Ainda, há algumas situações em que as tradições são parte inventadas, parte desenvolvidas em grupos fechados ou realizadas de modo informal em determinado ambiente aberto e se perpetuam. Também, existiriam adaptações para conservar velhos costumes em condições novas ou para usar velhos modelos para novos fins (ex: Igreja Católica frente a novos desafios). O autor prossegue, citando vários exemplos e variações sobre o tema que provocam um debate quanto à apropriação de objetos do passado para perpetuação do presente ou para definição de uma ritualística capaz de estabelecer um padrão de perpetuidade. 
Em síntese, sobre as tradições inventadas desde a Revolução Industrial, Hobsbawm propõe classificação em três categorias superpostas, quais sejam: a) as que estabelecem ou simbolizam a coesão social ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; b) as que estabelecem ou legitimam instituições, status, ou relação de autoridade e c) aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de ideias, sistemas de valores e padrões de comportamento. 
Defendida a preponderância das tradições inventadas “comunitárias”, o autor passa a investigar a sua natureza com o auxílio da antropologia, para demonstrar diferenças entre “as práticas inventadas e os velhos costumes tradicionais”. As práticas antigas eram sociais específicas e muito coercivas, enquanto as inventadas tendem a ser gerais e vagas quanto aos valores que se quer inculcar (“patriotismo”, “lealdade”, “dever” etc.). A bandeira nacional, o hino nacional e as armas nacionais seriam os símbolos pelos quais um país proclama sua identidade e soberania perante os demais, revelando em si o passado, pensamento e toda a cultura da nação. Identifica, ainda, um grande espaço cedido pela decadência das velhas tradições e antigos costumes, que não foi preenchido pelas invenções, apesar de abundantes.
Explora, por fim, o aspecto dos vestígios ou indícios encontrados nas tradições inventadas que indicam problemas que não poderiam ser localizados no tempo. A partir desses sinais, o pesquisador pode avançar, desde que em um contexto amplo da história da sociedade e integrado em um estudo mais extenso. Também, esclarece o papel dessa análise sobre as relações humanas com o passado, o que é ofício do historiador e o fenômeno de tornar-se a própria tradição, por vezes, símbolo de conflito, a exemplo das lutas por causa de monumentos presentes ao longo do tempo.
Em conclusão, os historiadores estão envolvidos nesse processo de interpretação das tradições inventadas e eles contribuem “para a criação, demolição e reestruturação de imagens do passado que pertenciam não só ao mundo da investigação especializada, mas também à esfera pública onde o homem atua como ser político”. Especialmente no caso da história moderna e contemporânea, são altamente aplicáveis para compreensão de uma “inovação histórica comparativamente recente”, qual seja, a “nação” e os fenômenos associados (nacionalismo, Estado nacional, símbolos nacionais e outros). Para tanto, Hobsbawm explora o exemplo da concepção das nações israelita e palestina que deve ser considerada nova, não obstante a longa continuidade histórica dos judeus ou dos muçulmanos do Oriente Médio. Isso se dá em função de suas associações a símbolos adequados, em geral bastante recentes.

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Fonte:  http://historia-resenhas.blogspot.com.br 

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