quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Um Professor singular e sem medo

Faleceu no último dia 21/10 o Professor Oliveiros S. Ferreira , que teve um papel central na formação de uma diversidade de cientistas sociais brasileiros, e a quem uma ex-aluna sua, a Profa. Maria Hermínia Tavares de Almeida, definiu como um 'Professor singular e sem medo'.  Sob inspiração hegeliana, já escrevi que é na reconciliação com a vida onde poderemos encontrar a permanência e a valorização do desaparecido, assimilando o significado das vidas individuais. Seja de forma agnóstica ou como quer que seja, o que importa - como escreveu o meu amigo Ângelo Novo em relação à partida do ensaísta João Esteves - é procurar razões, até desesperadamente, para não desesperar. 
Voltando ao Professor Oliveiros, é de se dizer, portanto, que continuará a existir após o seu desaparecimento. E talvez, agora, desfazendo-se alguns equívocos em relação aos seus posicionamentos e ao seu trabalho intelectual. Foi um tipo de professor raro nos dias de hoje, e, ao mesmo tempo, tão necessário. Vale a pena a leitura do artigo aí baixo a seu respeito.

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Por Maria Hermínia Tavares de Almeida

Oliveiros S. Ferreira (1929-2017),  foi meu professor no Curso de Ciências Sociais da USP, onde começou a lecionar em 1953 na então Cadeira de Política, como era chamado o que viria a ser, mais tarde, o Departamento de Ciência Política.
Foi um professor capaz de prender pela argumentação e seduzir pelas palavras. Nas suas aulas o argumento consistente e aquele que se lhe opõe com a mesma fundamentação se mostravam, um e outro, imersos numa peculiar riqueza de conceitos, fatos, paralelos e interpretações.
Tudo isso trazia não só conhecimento e inteligência, mas ainda a irresistível tentação da travessura intelectual e um desejo de compartilhar sua cumplicidade, senão com o pensamento exposto, com o ato de pensar.
Coisa de quem nunca teve medo de ideias, fosse o seu autor o pensador francês Georges Sorel (1847-1922) ou Lev Davidovich, como ele gostava de se referir a um dos seus preferidos, o revolucionário russo Leon Trótski (1879-1940).
A ironia, que nunca deixou de acompanhá-lo em classe, mal disfarçava peculiar mistura de ceticismo e esperança. Lusbel, uma das formas do demônio, existe, ensinava ele, mas o governo dos homens não está fadado a sucumbir aos seus diabólicos intentos. E é esse não perder de vista jamais a condição humana que o fazia buscar socorro tantas vezes na literatura. Tanto melhor para nós, seus alunos.
Nos anos 1990, convidado a dar a aula inaugural do curso de graduação em Ciências Sociais, Oliveiros começou sua conferência sobre Karl Marx com uma longa discussão sobre o amor. E por aí ele foi com sua leitura tão pessoal quanto estimulante, que deixou alguns visivelmente incomodados, outros perplexos, e muitos, principalmente os mais jovens, encantados.
A irreverência, a originalidade, a capacidade de sempre apresentar um ponto de vista diferente são atributos pessoais importantes num intelectual – para não falar num jornalista com luzes próprias. Porém, muito mais do que qualidades que valorizam, ou deviam valorizar, quem as tem, elas são virtudes inestimáveis em um departamento universitário.
A institucionalização da atividade acadêmica é condição essencial para a produção organizada de conhecimentos. Ela substitui o diletantismo pela profissionalização, o arbítrio subjetivo por critérios socialmente construídos de aferição de mérito.
Entretanto, a institucionalização acadêmica tem seus riscos. O maior deles é a propensão à conformidade aos padrões consagrados de trabalho científico e às correntes intelectuais dominantes.
Não é fácil se proteger dessa forma sorrateira de mediocridade que assedia constantemente a vida universitária. Contra ela só a força disruptiva do pensamento que é contra a corrente, que nos força a olhar o mundo de forma diferente do que estamos acostumados.
No departamento de Ciência Política da USP esse foi o papel de Oliveiros Ferreira.
De inclinação política à direita e bem relacionado com militares, Oliveiros mostrou impecável solidariedade com seus colegas perseguidos pela ditadura. Quando fui detida em 1973 pela Operação Bandeirantes, que negava notícias sobre meu paradeiro, foi a ele que meus amigos recorreram para finalmente me localizar. Um exemplo, entre muitos, do ser humano generoso que foi.

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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/10/1929312-professor-singular-oliveiros-s-ferreira-nunca-teve-medo-de-ideias.shtml