Faleceu no último dia 21/10 o Professor Oliveiros S. Ferreira , que teve um papel central na formação de uma diversidade de cientistas sociais brasileiros, e a quem uma ex-aluna sua, a Profa. Maria Hermínia Tavares de Almeida, definiu como um 'Professor singular e sem medo'. Sob inspiração hegeliana, já escrevi que é na reconciliação com a vida onde poderemos encontrar a permanência e a valorização do desaparecido, assimilando o significado das vidas individuais. Seja de forma agnóstica ou como quer que seja, o que importa - como escreveu o meu amigo Ângelo Novo em relação à partida do ensaísta João Esteves - é procurar razões, até desesperadamente, para não desesperar.
Voltando ao Professor Oliveiros, é de se dizer, portanto, que continuará a existir após o seu desaparecimento. E talvez, agora, desfazendo-se alguns equívocos em relação aos seus posicionamentos e ao seu trabalho intelectual. Foi um tipo de professor raro nos dias de hoje, e, ao mesmo tempo, tão necessário. Vale a pena a leitura do artigo aí baixo a seu respeito.
Por Maria Hermínia Tavares de Almeida
Oliveiros S. Ferreira
(1929-2017), foi meu professor no Curso de Ciências Sociais da USP, onde
começou a lecionar em 1953 na então Cadeira de Política, como era chamado o que
viria a ser, mais tarde, o Departamento de Ciência Política.
Foi
um professor capaz de prender pela argumentação e seduzir pelas palavras. Nas
suas aulas o argumento consistente e aquele que se lhe opõe com a mesma
fundamentação se mostravam, um e outro, imersos numa peculiar riqueza de conceitos,
fatos, paralelos e interpretações.
Tudo
isso trazia não só conhecimento e inteligência, mas ainda a irresistível
tentação da travessura intelectual e um desejo de compartilhar sua
cumplicidade, senão com o pensamento exposto, com o ato de pensar.
Coisa
de quem nunca teve medo de ideias, fosse o seu autor o pensador francês Georges
Sorel (1847-1922) ou Lev Davidovich, como ele gostava de se referir a um dos
seus preferidos, o revolucionário russo Leon Trótski (1879-1940).
A
ironia, que nunca deixou de acompanhá-lo em classe, mal disfarçava peculiar
mistura de ceticismo e esperança. Lusbel, uma das formas do demônio, existe,
ensinava ele, mas o governo dos homens não está fadado a sucumbir aos seus
diabólicos intentos. E é esse não perder de vista jamais a condição humana que
o fazia buscar socorro tantas vezes na literatura. Tanto melhor para nós, seus
alunos.
Nos
anos 1990, convidado a dar a aula inaugural do curso de graduação em Ciências
Sociais, Oliveiros começou sua conferência sobre Karl Marx com uma longa
discussão sobre o amor. E por aí ele foi com sua leitura tão pessoal quanto
estimulante, que deixou alguns visivelmente incomodados, outros perplexos, e
muitos, principalmente os mais jovens, encantados.
A
irreverência, a originalidade, a capacidade de sempre apresentar um ponto de
vista diferente são atributos pessoais importantes num intelectual – para não
falar num jornalista com luzes próprias. Porém, muito mais do que qualidades
que valorizam, ou deviam valorizar, quem as tem, elas são virtudes inestimáveis
em um departamento universitário.
A
institucionalização da atividade acadêmica é condição essencial para a produção
organizada de conhecimentos. Ela substitui o diletantismo pela
profissionalização, o arbítrio subjetivo por critérios socialmente construídos
de aferição de mérito.
Entretanto,
a institucionalização acadêmica tem seus riscos. O maior deles é a propensão à
conformidade aos padrões consagrados de trabalho científico e às correntes
intelectuais dominantes.
Não
é fácil se proteger dessa forma sorrateira de mediocridade que assedia
constantemente a vida universitária. Contra ela só a força disruptiva do
pensamento que é contra a corrente, que nos força a olhar o mundo de forma
diferente do que estamos acostumados.
No
departamento de Ciência Política da USP esse foi o papel de Oliveiros Ferreira.
De
inclinação política à direita e bem relacionado com militares, Oliveiros mostrou impecável solidariedade com seus colegas perseguidos pela ditadura.
Quando fui detida em 1973 pela Operação Bandeirantes, que negava notícias sobre
meu paradeiro, foi a ele que meus amigos recorreram para finalmente me
localizar. Um exemplo, entre muitos, do ser humano generoso que foi.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/10/1929312-professor-singular-oliveiros-s-ferreira-nunca-teve-medo-de-ideias.shtml