quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Cem Anos de Solidão


Tendo a Serra uma cruz, é a Macondo de cada um 

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de casas de barro e taquara, construída à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las havia que apontá-las com o dedo.

(Gabriel García Márquez, in Cem Anos de Solidão 

Prêmio Nobel de Literatura e um dos maiores escritores de Língua Espanhola de todos os tempos, Gabriel García Márquez  inaugurou uma nova forma de contar histórias assim que resolveu meter-se com as letras. No entanto, é em Cem anos de solidão que se pode notar o amadurecimento completo da técnica narrativa do autor, que mescla a dura realidade da vida na América Central à atmosfera fantástica que aquela terra, ainda tão virgem e selvagem, suscita nas mentes dos que só a conhecem de ouvir falar.
Em seu ensaio Cien años de soledad - Realidad total, Mario Vargas Llosa afirma que a obra-prima de García Márquez é um microcosmo que reflete toda a trajetória da América colonizada, desde a chegada dos europeus até a hecatombe da perda de tudo que foi construído através dos anos e do sumiço de toda a humanidade.
O patriarca José Arcádio Buendía, tal qual um Moisés, conduz seu povo através dos pântanos caribenhos e acaba por chegar àquela que lhes será a terra prometida, a mítica e etérea Macondo, que se inicia no mundo com nada mais vinte casas de barro postadas em um lugar onde o mundo é tão novo que certas coisas ainda não têm nome e precisam ser apontadas com o dedo. Ao povoado chegam os ciganos, que trazem consigo ímãs e gelo, para serem exibidos como se fossem artefatos mágicos, o que, de fato, são para os habitantes dessa terra que ainda têm olhos inocentes, pois nada aconteceu ainda. Com os ciganos vêm os árabes, que contribuem para com a magia de Macondo, e o velho Melquíades, misto de sábio e alquimista, que guiará as empresas amalucadas do patriarca da família.
Macondo e a família dos Buendía seguem caminhos paralelos no livro: a estirpe vai crescendo, o povoado também. Estranhos se imiscuem na hospitalíssima casa, guiados pela forte e enérgica matriarca Úrsula, enquanto imigrantes vão chegando e se instalando nas terras áridas do lugar. Macondo vai se ampliando e se tornando o mundo real, mas sem jamais perder o caráter mágico que é encarado por todos os seus habitantes como o normal de cada dia.
Os Buendía vão se proliferando numa árvore genealógica complexa, em que os nomes se repetem exaustivamente, sem que o mesmo aconteça com as pessoas: cada Buendía é um astro no microcosmo de Macondo, com uma história única e pungente que figura no rol da grande sina da família dos fundadores: nunca entender ou gozar completamente o amor. Cada Buendía, a seu próprio modo, ou foge alucinadamente desse sentimento ou o busca com tanta loucura e ímpeto que o que encontram nunca lhes é o bastante.
Em Cem anos de solidão, Márquez reconstrói o universal através do particular, numa perspectiva completamente diferente de tudo o que já se havia visto na literatura até o lançamento do livro, e Macondo caminha vagarosamente, com os Buendía em seu seio, de sua gênese até o trágico final.
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Fonte: http://literatura.uol.com.br/literatura/figuras-linguagem/26/artigo159340-1.asp

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