sábado, 8 de março de 2014

A Educação na 'Praça Pública': Entre os Lugares-comuns e os Palpites

Por Ivonaldo Leite

“Nem todos podem falar com perícia, com a fundamentação necessária, sobre a educação, e não se pode desenvolver ciência com um vocabulário incapaz de exprimir os fenômenos do campo sobre o qual ela incide. Pelo contrário, falar de uma maneira informada sobre a educação é tão difícil como falar da construção de uma ponte. Claro que isto não significa que não tenhamos o direito, na nossa vida privada, de falar sobre a educação, sobre a educação dos nossos filhos, por exemplo. Claro que temos este direito, mas com o direito vem o dever - e certamente não devemos falar publicamente sobre a educação sem tomar em conta o que a pesquisa científica e a experiência pedagógica nos podem dizer sobre este campo do saber”.
Com essas palavras, o saudoso Stephen Stoer, especialista luso-britânico britânico da sociologia da educação, chamava a atenção, pouco antes do seu falecimento, para algo inusitado: o fato de, a partir de lugares-comuns, proliferarem discursos palpiteiros sobre educação, em função de esta se encontrar na ‘praça pública’. O mais singular ainda, assinalava o teórico, é que, pretensiosamente, por vezes, os palpites são pronunciados com uma retórica supostamente científica – registrado-se, contudo, o paradoxo de os seus autores não participarem da comunidade dos pesquisadores em educação e, assim, não terem conhecimento do mapa conceitual/vocabular que medeia o diálogo no interior da mesma. Contudo, os 'palpiteiros', sem conhecer a realidade das escolas, não se furtam até de dizer como os professores devem fazer o seu trabalho. Haja pachorra!
Um exemplo paradigmático da inconsistência dos discursos que, mesmo sem terem estatuto fincado na pesquisa educacional, prescrevem procedimentos educativos diz respeito à postura que, tendo como referência a escola da antiga classe média (a escola de um tempo passado), propõe receitas que, no mínimo, são defasadas temporalmente. É uma situação tal qual como se alguém tivesse tomado um trem entre os anos 1950/1960, tivesse adormecido, sido trocado de trem, e, ao acordar nos dias de hoje, não se desse conta que o trem não é o mesmo, os passageiros não são os mesmos e até companhia transportadora é outra.  Tradução (simplificada) da metáfora: os alunos e a escola de hoje não são os mesmos do passado, pois, por exemplo, os filhos das classes populares chegaram, enfim, à instituição escolar (básica e superior). Trata-se da ascensão da escola de massas, ou, também poder-se-á dizer, da “universalização” da educação escolar, superando-se o tempo em que ela era restrita a uma minoria. Isto já para não se falar das reconfigurações que, em função dos fenômenos contemporâneos, envolvem, por exemplo, a socialização primária e a socialização secundária, bem como a própria família.
O mais paradoxal ainda, para não dizer deprimente, é constatarmos que agentes educativos, como professores e gestores (de universidades, inclusive), por vezes, abordam a educação beirando o mais rasteiro senso comum. Já para não falarmos aqui, digamos, do comportamento pouco edificante desses agentes no exercício do seu métier.
Mas, já que em meio à algazarra dos palpiteiros nos encontramos, façamos uma concessão. Que o fato de a educação se encontrar em ‘praça pública’ possa servir a um aggiornamento roussereano, para se debater a cidade educativa. O que não é pertinente, convenhamos, é ela se tornar prisioneira dos lugares-comuns e das opiniões de ocasião. Ao sabor dos achismos. Para que a praça pública passe a ser o lugar de debate sobre a cidade educativa faz-se mister, contudo, que a comunidade de pesquisadores em educação mostre serviço. Dela requer-se  pesquisa disciplinada, rigor científico e criatividade analítica.

Só assim poder-se-á ir além dos discursos infestados de palpites e lugares-comuns sobre a educação. Retórica esquentada a cada momento. Trata-se, em suma, de evitar, como dizem os ingleses, as half-baked truths (“verdades meio-cozinhadas”), bem como de descartar as ‘idéias fora de lugar’.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário