Por Ivonaldo Leite
“Nem todos podem falar com perícia,
com a fundamentação necessária, sobre a educação, e não se pode desenvolver
ciência com um vocabulário incapaz de exprimir os fenômenos do campo sobre o
qual ela incide. Pelo contrário, falar de uma maneira informada sobre a
educação é tão difícil como falar da construção de uma ponte. Claro que isto
não significa que não tenhamos o direito, na nossa vida privada, de falar sobre
a educação, sobre a educação dos nossos filhos, por exemplo. Claro que temos
este direito, mas com o direito vem o dever - e certamente não devemos falar
publicamente sobre a educação sem tomar em conta o que a pesquisa científica e
a experiência pedagógica nos podem dizer sobre este campo do saber”.
Com essas palavras, o saudoso Stephen
Stoer, especialista luso-britânico britânico da sociologia da educação, chamava
a atenção, pouco antes do seu falecimento, para algo inusitado: o fato de, a
partir de lugares-comuns, proliferarem discursos palpiteiros sobre educação, em
função de esta se encontrar na ‘praça pública’. O mais singular ainda,
assinalava o teórico, é que, pretensiosamente, por vezes, os palpites são
pronunciados com uma retórica supostamente científica – registrado-se, contudo,
o paradoxo de os seus autores não participarem da comunidade dos pesquisadores
em educação e, assim, não terem conhecimento do mapa conceitual/vocabular que
medeia o diálogo no interior da mesma. Contudo, os 'palpiteiros', sem conhecer a realidade das escolas, não se furtam até de dizer como os professores devem fazer o seu trabalho. Haja pachorra!
Um exemplo paradigmático da
inconsistência dos discursos que, mesmo sem terem estatuto fincado na pesquisa
educacional, prescrevem procedimentos educativos diz respeito à postura que,
tendo como referência a escola da antiga classe média (a escola de um tempo
passado), propõe receitas que, no mínimo, são defasadas temporalmente. É uma
situação tal qual como se alguém tivesse tomado um trem entre os anos
1950/1960, tivesse adormecido, sido trocado de trem, e, ao acordar nos dias de
hoje, não se desse conta que o trem não é o mesmo, os passageiros não são os
mesmos e até companhia transportadora é outra. Tradução (simplificada) da metáfora: os alunos
e a escola de hoje não são os mesmos do passado, pois, por exemplo, os filhos
das classes populares chegaram, enfim, à instituição escolar (básica e
superior). Trata-se da ascensão da escola de massas, ou, também poder-se-á
dizer, da “universalização” da educação escolar, superando-se o tempo em que
ela era restrita a uma minoria. Isto já para não se falar das reconfigurações
que, em função dos fenômenos contemporâneos, envolvem, por exemplo, a
socialização primária e a socialização secundária, bem como a própria família.
O mais paradoxal ainda, para não dizer
deprimente, é constatarmos que agentes educativos, como professores e gestores
(de universidades, inclusive), por vezes, abordam a educação beirando o mais
rasteiro senso comum. Já para não falarmos aqui, digamos, do comportamento
pouco edificante desses agentes no exercício do seu métier.
Mas, já que em meio à algazarra dos
palpiteiros nos encontramos, façamos uma concessão. Que o fato de a educação se
encontrar em ‘praça pública’ possa servir a um aggiornamento roussereano, para se debater a cidade educativa. O
que não é pertinente, convenhamos, é ela se tornar prisioneira dos
lugares-comuns e das opiniões de ocasião. Ao sabor dos achismos. Para que a
praça pública passe a ser o lugar de debate sobre a cidade educativa faz-se mister, contudo, que a comunidade de
pesquisadores em educação mostre serviço. Dela requer-se pesquisa disciplinada, rigor científico e
criatividade analítica.
Só assim poder-se-á ir além dos
discursos infestados de palpites e lugares-comuns sobre a educação. Retórica
esquentada a cada momento. Trata-se, em suma, de evitar, como dizem os
ingleses, as half-baked truths (“verdades
meio-cozinhadas”), bem como de descartar as ‘idéias fora de lugar’.
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