Consta que, certa feita, ao ser questionado porque viajava tanto, porque não se contentava em dizer a sua palavra em uma única universidade, Henri Lefebvre terá respondido que 'isso tem a ver com a genuinidade do meu ofício'. Queria dizer que o exercício efetivo do trabalho intelectual, do ato de pensar, superando a doxa, não se contenta com "acantonamento" em um único contexto. É como se, a cada intervenção, a cada interlocução com públicos diferentes, em contextos diferentes, se reabastecesse com mais "combustível" para continuar o exercício do ofício. Disso implica que pode se encontrar muito bem em um contexto, mas mudar para outro - aliás, foi assim com o sociólogo Manuel Castells, quando deixou a Universidade de Paris e rumou para Berkeley. É possível que Lefebvre tenha sido incompreendido em sua resposta, como é bem provável que também o sejam aqueles que da mesma forma, hoje, continuam a proceder. Em dada altura, Goehte afirmou: se me perguntares como é a gente daqui, responder-te-ei: como em toda parte. A espécie humana é de uma desoladora uniformidade; a sua maioria trabalha durante a maior parte do tempo para ganhar a vida, e, se alguns horas lhe ficam, horas tão preciosas, são-lhe de tal forma pesadas que busca todos os meios para as ver passar. Triste destino o da humanidade! Ao realçar isso, como abertura do seu livro Adeus ao Trabalho?, Ricardo Antunes acrescentou: o trabalho intelectual, em seu sentido profundo e verdadeiro, é um dos raros momentos de contraposição a esta desoladora uniformidade. Talvez assim possamos, ontologicamente, começar a entender o sentido daquela resposta de Henri Lefebvre. Mas, o genuíno exercício do trabalho intelectual, nos dias presentes, não tem sido fácil - questão esta que é enfatizada no curto artigo abaixo.
Por Émilien Vilas Boas Reis
(Doutor em Filosofia, PUC-Rio de Janeiro)
Qual o papel do intelectual em uma sociedade pragmática,
utilitarista, “materialista” e conformada? Parece que há uma grande dificuldade
em situar esta emblemática figura no mundo atual. Claro que o intelectual
sempre foi considerado um pária da sociedade. Como não esquecer a simbólica
figura de Giordano Bruno (1548-1600), queimado como herege no século XVI por
não abrir mão de suas ideias? O que ocorreu com Bruno simboliza a perseguição
inerente ao verdadeiro pensador.
No mundo hodierno, o próprio intelectual tem
dificuldade em se situar. Se alguma profissão não for contabilizada nas
engrenagens utilitaristas não serve. Mas, em um tempo essencialmente plural,
como o nosso, há espaço e necessidade para profissões de cunho mais teórico,
tão desvalorizada.
O que vem ocorrendo, no entanto, é a própria
entrega do intelectual dentro dessa engrenagem. Percebe-se uma necessidade que
o homem de ideias tem de participar da vida ativa para se sentir útil, e tornar
sua profissão mais “prática”. Em alguns países, como a França, por exemplo, o
“engajamento” atual do intelectual depende de sua atuação em áreas
governamentais ou do terceiro setor. Alguns se tornam políticos profissionais,
enquanto outros criam ONGs a fim de terem voz ativa.
No Brasil, não vem sendo diferente, muito pelo
contrário. Enfatizado pela nossa falta de tradição no campo das ideias, o que
vem ocorrendo é que o intelectual, de forma acrítica, aceita cargos
burocráticos nos governos vigentes, o que lhe faz calar ante as calamidades
ocorridas. Criam-se situações absurdas, pois o intelectual, preso a ideologias
e governos, não tem coragem de explicitar os erros cometidos, calando com certa
conveniência.
Há intelectuais que, apesar de estarem presentes
em veículos de comunicação de massa, acabam adequando seu discurso em prol
daquilo que aparece como mais palatável para a opinião pública. Outros
intelectuais, por sua vez, com necessidades de “mudar o mundo” se entregam ao
pragmatismo vigente, ao ativismo pelo ativismo, o "militantismo cego”.
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