Há um axioma oriental que diz que, 'a certa altura da vida, se abre mão do estado de feliz para se chegar à felicidade'. Talvez a metáfora não seja de fácil compreensão. Talvez. Contudo, uma volta aos clássicos do pensamento ocidental pode lançar lume sobre a questão. Trazendo Aristóteles à cena, o Prof. Michel Aires Souza, no curto, mas significativo, texto abaixo trata do assunto.
Aristóteles: 'a felicidade como sabedoria prática' |
Por Michel Aires Sousa
Aristóteles (384-322 a.C)
nasceu em Estagira (Macedônia). Seu pai era médico do rei Felipe da Macedônia.
É considerado juntamente com Sócrates e Platão um dos mais influentes filósofos
gregos do mundo ocidental. Foi aluno de Platão e educou Alexandre, o Grande.
Criou o pensamento lógico e a biologia como ciência. “Em suas obras sobre
a natureza, Aristóteles tentou descobrir uma hierarquia de classes e espécies
(…). Ele estava convencido de que a natureza tinha uma finalidade e que cada
traço específico de um animal existia para cumprir uma determinada função”.
(Strathern, 1997, p.24). Dessa forma, Aristóteles foi o primeiro filósofo
a valorizar a observação e a experiência em seus estudos e por isso pode ser
considerado o pai do método científico. Aos 17 anos foi para Atenas, o
maior centro filosófico e artístico de toda antiguidade, matriculou-se na
escola de Platão e lá permaneceu por vinte anos, até 347 a.C. Após a morte de
seu mestre fundou sua própria escola, o Liceu. Ao contrário da Academia, que valorizava
o pensamento teórico, o Liceu privilegiava as ciências naturais. Dirigiu o
liceu até 324 a.C. Com a morte de Alexandre surgiram sentimentos xenófobos
antimacedônios em Atenas, sentindo-se ameaçado Aristóteles fugiu afirmando não
permitir que a cidade cometesse um segundo crime contra a filosofia, assim como
cometerá com Sócrates. Apesar de sua escola ter privilegiados as ciências
naturais Aristóteles também pensou os problemas políticos e sociais de sua
época, assim como se debruçou sobre os problemas éticos e morais. Em seu
livro “Ética e Nicomaco” Aristóteles pensou profundamente sobre a felicidade
humana.
Para Aristóteles a felicidade não está ligada aos
prazeres ou as riquezas, mas a atividade prática da razão. Em sua opinião,
a capacidade de pensar é o que há de melhor no ser humano, uma vez que a
razão é nosso melhor guia e dirigente natural. Se o que caracteriza
o homem é o pensar, então esta é sua maior virtude e, portanto, reside nela a felicidade humana. “Aristóteles, fiel aos princípios de sua filosofia
especulativa, e após ter feito uma análise e um estudo da psicologia humana,
verifica que em todos os seus atos o homem se orienta necessariamente pela
idéia de bem e de felicidade e que nenhum dos bens comumente procurados (a
honra, a riqueza, o prazer) preenche esse ideal de felicidade. Daí a sua
conclusão: primeiro, a felicidade humana deverá consistir numa atividade, pois
o ato é superior a potência; segundo, deverá ser uma atividade relacionada com
a faculdade humana mais perfeita que é a inteligência (…)”. (Costa,1993,
p.67)
Em seu livro “Ética e Nicômaco” Aristóteles mostra-nos que os homens se
tornam o que são pelo hábito. Os homens se tornam bons engenheiros construindo,
e se tornam músicos tocando, da mesma forma um homem torna-se justo praticando
atos justos e mal praticando atos maus. Um homem torna-se um bom ou mau músico
por tocar bem ou mal. Um escritor torna-se um bom ou mau escritor por escrever
bem ou mal. Assim como um mau músico não tem o hábito de tocar, também o mau
escritor não tem o hábito de pensar e escrever. Dessa forma para se
tocar música ou escrever bem é necessária a excelência, é necessário o
engajamento, é necessário o hábito. A pratica continua de uma atividade ou de
um comportamento nos possibilita internalizar aquele hábito. Somente a prática
leva a excelência. Esse raciocínio serve para todas as atitudes e atividades
humanas. Pelo hábito de sentir receio ou confiança tornamo-nos covardes ou
corajosos. O mesmo se aplica aos desejos e a raiva, por se comportarem da mesma
forma e do mesmo modo em todas as circunstâncias algumas pessoas tornam-se moderadas
e amáveis, outras se tornam concupiscentes ou irascíveis. É por isto que
devemos fazer uso da razão em nossas escolhas e atividades. Devemos sempre
desenvolver nossas atitudes e atividades de uma maneira racional.
A felicidade para Aristóteles corresponde ao hábito
continuado da prática da virtude e da prudência. Por sua própria natureza os
homens buscam o bem e a felicidade, mas esta busca só pode ser alcançada pela
virtude. A virtude é entendida como Aretê – excelência. É somente através do
nosso caráter que atingimos a excelência. A boa conduta, a força do espírito, a
força da vontade guiada pela razão nos leva à excelência. Dessa forma, a
felicidade está ligada a uma sabedoria prática, a de saber fazer escolhas
racionais na vida. É feliz aquele que escolhe o que é mais adequado para
si.
A razão é a faculdade que analisa, pondera,
julga, discerne. Ela nos permite distinguir o que é bom ou
mau, a distinguir os vícios das virtudes. Ela nos permite
fazer escolhas pertinentes para nossa felicidade. Por exemplo, a temeridade é
um vício por excesso, a covardia é um vício por falta; o meio termo é a
coragem, que é uma virtude. O orgulho é um vício por excesso, a humildade
um vício por falta; o meio termo é a veracidade, que também é uma virtude. A
inveja é um vício por excesso, a malevolência é um vício por falta; o meio
termo é a justa indignação. Para Aristóteles toda escolha exige uma mediania,
um equilíbrio entre o excesso e a falta. Na vida não podemos ser
imprudentes e impulsivos se arriscando em situações perigosas. Por outro lado,
também não podemos ser covardes e ter medo de tudo deixando que o medo
nos domine. É necessário o meio termo entre esses dois sentimentos, devemos
enfrentar os medos e perigos sabendo agir com bom senso. O mesmo raciocínio
serve para alimentação, não podemos comer muito para passar mal do estômago,
assim como não podemos evitar comer, pois também vamos adoecer. Devemos comer
com moderação. Por esta ótica, também podemos pensar os sentimentos. Na
vida não podemos ser vaidosos preocupando-nos apenas com nossas qualidades,
satisfazendo sempre o nosso ego. Por outro lado, também não podemos ser muito
modestos, achando que somos inferiores. É necessário auto-estima, sabendo
reconhecer através da razão nossos defeitos e nossas qualidades. Para
Aristóteles, portanto, devemos sempre escolher o meio termo, sendo
moderados em tudo que fazemos na vida. Somente assim atingiremos o bem e a
felicidade.
Bibliografia
Aristóteles. Ética a
Nicômaco. Edipro, São Paulo, 2007.
Costa, José S. Tomás de
Aquino: a razão a serviço da fé. São Paulo: Moderna, 1993
Stratheer, Paul.
Aristóteles em 90 minutos. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1997.
-----------------------
Fonte: http://filosofonet.wordpress.com/2011/07/02/aristoteles-a-felicidade-como-sabedoria-pratica/
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário