quarta-feira, 19 de março de 2014

Educação, terra e sustentabilidade

Aí abaixo o registro de um livro que acaba de ser publicado, e que produzi em coautoria com um colega de Departamento/UFPB, o Prof. Antonio Alberto, além do contributo de vários outros colaboradores. Um agradecimento especial às acadêmicas Ana Maria Gomes da Silva e Roseane Benício Costa, bolsistas do projeto/CNPq de onde decorreu o livro, e que foram de um empenho exemplar durante a execução do projeto e, especificamente, na coleta de dados/levantamento de informações para viabilizar a produção. O texto que se segue é o constante da apresentação do livro. 



O presente livro é um dos produtos resultantes da efetivação do Projeto Formação de Agricultores Familiares na Perspectiva da Sustentabilidade Sócio-econômica e Ambiental, desenvolvido sob os auspícios do CNPq mediante recursos obtidos por via do Edital nº 58/2010, e cuja execução ocorreu entre dezembro de 2010 e janeiro de 2014.
Implementado no contexto da educação não-formal, o Projeto teve como propósito geral incentivar e fortalecer a produção agroecológica diversificada, proporcionando segurança alimentar, geração de renda e sustentabilidade econômica, social e ambiental para famílias do Vale do Mamanguape/PB, residentes nos assentamentos Novo Salvador, Jardim e Boa Esperança. Para tanto, objetivando alcançar o referido propósito, foram desenvolvidas ações como: a) promoção da formação continuada em agroecologia e desenvolvimento rural sustentável; b) incentivo ao trabalho coletivo e à gestão participativa no processo de produção; c) realização de intercâmbios de experiência entre as comunidades dos mencionados assentamentos, e com outras, no sentido de compartilhar práticas agroecológicas; d) estímulo ao uso de técnicas de manejo em sistema de produção agroecológica, a exemplo da utilização de tração animal, curva de nível, rotação e consórcio de culturas.
O livro divide-se em três partes. Na primeira, enfoca-se a história da luta pela terra no Vale do Mamanguape-PB, colocando-se em realce depoimentos de protagonistas desse processo[1] e o registro documental do mesmo. Na segunda, o foco incide sobre a resistência e a luta pela permanência na terra, especificamente, nos três assentamentos nos quais o Projeto foi desenvolvido (Novo Salvador, Jardim e Boa Esperança), buscando-se caminhos alternativos, ambientalmente sustentáveis, para a produção local.  Na última parte, através de três trabalhos com autoria individual, realiza-se uma reflexão analítica a respeito de temas centrais do Projeto, como Agroecologia, Educação Popular e Educação do Campo. No todo, o fio condutor que garante unidade à obra consiste exatamente nessa busca de articulação entre a dimensão teórica e a dimensão prática.   
Trata-se de um trabalho que procura corporificar uma abordagem inter/transdisciplinar, ou seja, que não fique adstrita a um enfoque disciplinar específico. É produzido de um modo que dialoga entre disciplinas diferentes e, por vezes, transcende-as, dissolvendo-as umas nas outras. De qualquer forma, na primeira e segunda partes, há uma considerável presença de “aspectos” que, em análise mais sistemática/problematizada, podem evidenciar um realce acentuado da história social[2], se ela for vista sob a ótica de dois significados que convencionalmente lhe têm sido atribuídos. Quais sejam: a história das classes populares/dos seus movimentos (‘sociais’) e a ligação do ‘social’ com a economia[3]
Isso é tanto mais assim quando se considera que, como assinalou Carlos Silva, em seu clássico estudo sobre os camponeses, a economia campesina corresponde ao modo mais antigo, conhecido na história, de se produzir, como uma das variantes da forma doméstica de produção[4]. Disso resulta que - tomando como critérios as técnicas de cultivo, a maneira de apropriação da terra e o lugar do campesinato nas diferentes fases do desenvolvimento social - é possível apresentar uma categorização que, historicamente, demonstra a diversidade e fecundidade da vida camponesa, consubstanciada em uma tripla signficação. Isto é: uma camada diferenciada de ‘protocamponeses’ em sociedades nômades e tribais; o grupo de colonos e rendeiros agrícolas nos modos de produção escravista e feudal; e os camponeses atuais que, mesmo sob o capitalismo, empreendem formas de produção diferenciadas das deste, como as formas comunitárias.
Portanto, o presente livro, nascendo a partir de um contexto local do estado da Paraíba (o Vale do Mamanguape), vem oferecer testemunho desse  histórico e alternativo jeito de ser camponês. Que, buscando transformar sonhos em realidade, resiste e insiste em caminhar. Afinal, como, literariamente, afirma  Guimarães Rosa[5], “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.   


[1] - Os depoimentos foram coletados/transcritos procurando-se garantir fidelidade ao conteúdo das falas.

[2] - Também poder-se-ia apontar a presença da história oral, mas o estatuto da história social lhe subsume. 

[3] Cf. HOBSBAWM, Eric. Sobre história.  Tradução: Cid Knipel Moreira.  1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998 (especialmente, o sexto capítulo - Da história social à história da sociedade, p. 83-105).  Um terceiro significado atribuído à história social também é referido por Hobsbawm, e designa uma diversidade de atividades humanas, tais como usoscostumes e cotidiano. Trata-se de uma perspectiva com inegável fronteira e enlaçamento sociológico.

[4] - Cf. SILVA, Manuel Carlos. Resistir e adaptar-se: constrangimentos e estratégias camponesas no Noroeste de Portugal.  Porto: Edições Afrontamento, 1998 (sobretudo, o segundo capítulo –Conservadorismo e racionalidade campesina: que modelos?, p. 41-67).

[5] - ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 52.  

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