O curto texto abaixo, de autoria de Thomaz Wood Jr. (Professor da Fundação Getúlio Vargas), é lapidar. De forma direta, trata de uma realidade cada vez mais presente no meio universitário. Tomara que não rumemos para um 'reino de invertebrados intelectuais', como ele suspeita. Contudo, a resistência à leitura e a 'cultura das apostilas' pavimentam o caminho.
Por Thomaz Wood Jr
A condição
de analfabeto funcional aplica-se a indivíduos que, mesmo capazes de
identificar letras e números, não conseguem interpretar textos e realizar
operações matemáticas mais elaboradas. Tal condição limita severamente o
desenvolvimento pessoal e profissional. O quadro brasileiro é preocupante,
embora alguns indicadores mostrem uma evolução positiva nos últimos anos.
Uma variação do analfabetismo funcional parece estar presente no topo da
pirâmide corporativa e na academia. Em uma longa série de entrevistas
realizadas por este escriba, nos últimos cinco anos, com diretores de grandes
empresas locais, uma queixa revelou-se rotineira: falta a muitos profissionais
da média gerência a capacidade de interpretar de forma sistemática situações de
trabalho, relacionar devidamente causas e efeitos, encontrar soluções e
comunicá-las de forma estruturada. Não se trata apenas de usar corretamente o
vernáculo, mas de saber tratar informações e dados de maneira lógica e
expressar ideias e proposições de forma inteligível, com começo, meio e fim.
Na
academia, o cenário não é menos preocupante. Colegas professores, com atuação
em administração de empresas, frequentemente reclamam de pupilos incapazes de
criar parágrafos coerentes e expressar suas ideias com clareza. A dificuldade
afeta alunos de MBAs, mestrandos e mesmo doutorandos. Editores de periódicos
científicos da mesma área frequentemente deploram a enorme quantidade de
manuscritos vazios, herméticos e incoerentes recebidos para publicação.
O problema
não é exclusivamente tropical. Michael Skapinker registrou recentemente em sua
coluna no jornal inglês Financial Times a história de um professor de uma
renomada universidade norte-americana. O tal mestre acreditava que escrever com
clareza constitui habilidade relevante para seus alunos, futuros
administradores e advogados. Passava-lhes, semanalmente, a tarefa de escrever
um texto curto, o qual corrigia, avaliando a capacidade analítica dos autores.
Pois a atividade causou tal revolta que o diretor da instituição solicitou ao
professor torná-la facultativa. Os alunos parecem acreditar que, em um mundo no
qual a comunicação se dá por mensagens eletrônicas e tuítes, escrever com
clareza não é mais importante.
O mesmo
Skapinker lembra uma emblemática matéria de capa da revista norte-americana Newsweek, intitulada “Why
Johnny can’t write”. Merrill Sheils, autora do texto, revelou à época um quadro
preocupante do declínio da linguagem escrita nos Estados Unidos. Para Sheils, o
sistema educacional, da escola fundamental à faculdade, desovava na sociedade uma
geração de semianalfabetos. Com o tempo, explicou a autora, as habilidades de
leitura pioraram, as habilidades verbais se deterioraram e os norte-americanos
tornaram-se capazes de usar apenas as mais simples estruturas e o mais
rudimentar vocabulário ao escrever, próprios da tevê.
Entre as diversas faixas etárias, os adolescentes eram os que mais sofriam para
produzir um texto minimamente coerente e organizado. E o mundo corporativo
também acusou o golpe, pois parte de sua comunicação formal exige precisão e
clareza, características cada vez mais difíceis de encontrar. Educadores
mencionados no artigo observaram: um estudante que não consegue ler e
compreender textos jamais será capaz de escrever bem. Importante: a matéria da Newsweek é de 1975!
Quase 40
anos depois, os iletrados trópicos parecem sofrer do mesmo flagelo. Por aqui,
vivemos uma situação curiosa: de um lado, cresce a demanda por análises e
raciocínios sofisticados e complexos. E, de outro, faltam competências básicas
relacionadas ao pensamento analítico e à articulação de ideias. O resultado é
ora constrangedor, ora cômico. Nas empresas, muitos profissionais parecem
tentar tapar o sol com uma peneira de powerpoints,
abarrotados de informação e vazios de sentido.
Na
academia, multiplicam-se textos caudalosos, impenetráveis e ocos. Se aprender a
escrever é aprender a pensar, e escrever for mesmo uma atividade em declínio,
então talvez estejamos rumando céleres à condição de invertebrados
intelectuais.
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