Diz Mia Couto que “acendemos paixões no rastilho do próprio
coração. O que amamos é sempre chuva, entre o vôo e a prisão do charco. No
arremesso certeiro vai sempre um pouco de quem dispara”. Pois bem, em Contos do Nascer da Terra, o autor não
perde essa trilha. Livro que reúne 35 contos, nele fala-se de identidade, de
raízes e de pés assentes na imprevista terra. Um rápido realce, como amostra,
no que é encontrado na obra:
“Era uma vez uma menina que
pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela. O pai meteu-se num barco e remou
para longe. Quando chegou à dobra do horizonte, pôs-se em bico de sonhos para
alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas mãos, com mil cuidados. O
planeta era leve como uma bola.
Quando ele puxou para
arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebenta mundo. A lua se cintilhaçou
em mil estrelinhações. O mar se encrispou, o barco se afundou, engolido num
abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina
se pôs a andar ao contrário em todas as direções, para lá e para além,
recolhendo pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
- Pai!
Então se abriu uma fenda
funda, a ferida de nascença da própria terra.”
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