segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Economia dos imóveis: Brasil a caminho de uma bolha?

Chama-se Robert Shiller, é Professor da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e foi um dos três laureados, este ano, como o Prêmio Nobel de Economia. Um dos seus focos é a economia comportamental e dos imóveis. Em recente passagem pelo Brasil, deixou o alerta, a meu ver consistente, segundo o qual o país pode se encontrar a caminho de uma bolha imobiliária. Fala com propriedade, pois, a respeito de tal assunto, fez a mesma previsão nos Estados Unidos, que de fato se confirmou, levando o país a uma profunda crise. É uma boa opção comprar um imóvel neste momento? Da análise de Shiller, infere-se que é necessário ter cautela. De forma mais direta, ele tem em conta sobretudo o Rio de Janeiro e São Paulo. Contudo, o alcance da sua análise tem dimensão nacional. E, cá entre nós, desconfio que ela apanha, "em cheio", João Pessoa. É simplesmente irracional, empiricamente falando, a configuração das variáveis econômicas do mercado de imóveis na cidade. Em questões assim, vemos a relevância que tem, para a sociedade, fazer ciência social. Abaixo, extratos de uma entrevista concedida pelo referido economista à Revista Exame.  

O professor de Yale Robert Shiller, especialista em mercado imobiliário, debate a crise dos subprime em 2007
Schiller (ao centro) e os imóveis: alugar pode ser melhor que comprar 

EXAME.com – Devido a motivações históricas, encarar imóveis como investimentos sólidos está em nosso DNA. Ter uma casa, no Brasil, é quase uma obrigação. Contudo, recentemente o senhor disse que acreditava que imóveis residenciais, como investimentos, são uma ilusão. Como então os brasileiros deveriam encarar o mercado de imóveis residenciais?
Robert Shiller – É difícil fazer previsões a respeito de mercados especulativos como o de imóveis residenciais. Atualmente, não só o Brasil, mas também muitos outros países estão passando por um “boom” no mercado imobiliário. Mas podemos esperar que essa alta continue? No Rio, os preços dos imóveis residenciais mais que dobraram, acima da inflação, nos últimos cinco anos. Ora, em Vancouver, que é a cidade mais próxima de uma bolha no Canadá, os preços também mais que dobraram nos últimos anos. O que está acontecendo em Vancouver? O investimento em imóveis está no DNA brasileiro, mas também está no DNA de outros lugares, como Canadá, Hong Kong e Índia. Eu tenho esse mau presságio em relação a todas essas pessoas em diferentes países com essa ideia de que imóveis residenciais são um ótimo investimento. Eu acho que está errado.
EXAME.com – O senhor acha que é um mercado mais especulativo, então?
Shiller – Bem, se você vê os preços dobrarem no Rio em apenas cinco anos, isso parece certo? O que está acontecendo? Pode haver uma razão para isso, o Brasil tem crescido bem, há uma classe média crescente e a indústria de concessão de crédito está ficando mais forte, mas eu não acho que isso justifica dobrar de preço tão rapidamente. O que eu acho  é que é uma bolha.
EXAME.com – O Rio vai sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016, e a cidade está em obras, por exemplo, de infraestrutura de transportes. Os níveis de violência estão diminuindo. O senhor acha que mesmo com essas melhorias na cidade, a elevação de preços foi rápida demais?
Shiller – Eu acho que sim. É algo que eu enfatizo em meu livro “Exuberância Irracional”, que começou falando de bolhas no mercado de ações e foi atualizado para incluir as bolhas imobiliárias. Uma coisa que acontece durante as bolhas é que as pessoas se apegam a alguma estória dramática como “as Olimpíadas estão chegando”, e aquela estória vai sendo enfatizada desproporcionalmente durante a formação da bolha. As pessoas gostam de ouvir esse tipo de estória, porque isso as encoraja. Antes dos Jogos Olímpicos de Atlanta, nos Estados Unidos, nos anos 90, houve gente dizendo que a cidade seria revitalizada e que os imóveis iam se valorizar. Bem, eles podem ter valorizado um pouco, mas não houve um efeito duradouro e permanente.
EXAME.com – OK, então como investimentos os imóveis não são tão eficientes. Mas comprar uma casa para morar é fundamental na vida de uma pessoa? É uma base importante para uma família?
Shiller – Para algumas pessoas, sim. A casa dá uma base estável, vizinhos estáveis e um senso de comunidade. Eu acho bom, eu tenho uma casa. É razoável para muita gente. Por outro lado, eu conheço famílias que vivem em apartamentos alugados e sim, talvez elas sejam espertas. Porque o aluguel, na verdade, liberta você. Você perde o senso de comunidade e de permanência, mas está livre do trabalho de manter uma casa e ganha mobilidade. Isso significa poder aceitar um novo emprego em outro lugar mais rapidamente, é só pegar suas coisas e ir. Além disso, se você mora de aluguel, você pode investir seu dinheiro em outras aplicações e diversificar muito melhor.
EXAME.com – Quais são os motivos certos para se comprar uma casa?
Shiller – Há certos tipos de propriedade que só costumam estar disponíveis para venda, que não são alugadas facilmente, como uma linda casa em um bosque, por exemplo. Ou então se você sonha com uma linda casa com jardim em um determinado lugar, que seus filhos e depois seus netos vão visitar. Pode ser que você viva pelo resto da sua vida naquela casa, e eu acho que isso tem grande apelo para as pessoas. O problema é que essa permanência pode não funcionar, porque você pode perder seu emprego, ou ter uma oportunidade em outro lugar, e aí você vai acabar tendo que vender a sua casa de qualquer forma. Não entrar nessa pode lhe garantir mais sucesso. Mas o importante é não comprar porque você acha que o imóvel vai se valorizar. Porque é isso que as pessoas pensam, especialmente agora, e eu acho que isso é um erro. O mercado de ações tem um histórico muito melhor de valorização e permite diversificação.
EXAME.com – O senhor acha que há problemas no mercado imobiliário residencial de São Paulo também? Ou só o Rio preocupa?
Shiller – São Paulo não teve uma alta tão forte quanto o Rio, mas está perto. As duas cidades são parecidas no sentido de que são cidades famosas. E cidades famosas tendem a ter mais bolhas, porque as pessoas acham que elas podem valer muito. Há uma boa chance de que São Paulo e Rio continuem se valorizando por mais alguns anos e que depois os preços desabem.
EXAME.com – Qual é o comportamento normal dos preços no mercado imobiliário residencial? É subir e descer como uma montanha-russa? Como seria uma alta de preços “normal” no mercado imobiliário?
Shiller – Ninguém sabe realmente. Na maior parte dos países, ninguém coletou dados sobre o comportamento do mercado imobiliário. Quando eu criei meus índices de preços de imóveis Case-Shiller, nos Estados Unidos, virtualmente não havia índices de preços. No Brasil, não havia nada até o lançamento do Índice FipeZap, não é incrível? Eu acho que a cultura está mudando, nós estamos ficando mais especulativos em relação a imóveis residenciais. Esse mercado geralmente não se movia como uma montanha-russa. Isso é tão novo que não dá para saber o que é padrão e usual.
EXAME.com – Eu gostaria de falar um pouco sobre o seu último livro, “Finanças para uma Boa Sociedade”. Quais são os limites do Capitalismo Financeiro e quem os estabelece? Onde a contribuição dele para a sociedade termina, e a ganância, a irracionalidade e o objetivo de ganhar dinheiro começam?
Shiller – O Capitalismo Financeiro agora varre o mundo, porque se descobriu que ele traz prosperidade a muita gente. O problema é que ele não parece dividir essa prosperidade igualmente, e nós temos visto uma elevação na desigualdade em muitos lugares ao redor do mundo. Quem trabalha com finanças costuma ter sucesso e ganhar muito dinheiro. Mas nós também precisamos de cientistas, médicos e professores, profissões críticas para uma sociedade bem-sucedida. Talvez os financistas venham recebendo recompensas altas demais, e pode haver uma certa bolha nos empregos nessa área, que pode sofrer uma correção. Se não, eu acho que os governos deveriam fazer algo para manter um certo nível de igualdade econômica. Nós não podemos deixar isso chegar longe demais. Deveria haver um plano para lidar com desigualdades crescentes.
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