terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O Tempo e o Vento

Abaixo, um breve texto sobre o cinquentenário de O Tempo e o Vento, a  monumental obra do gaúcho Érico Veríssimo, vivido em 2012, mas que, infelizmente, em âmbito nacional, passou quase sem ser lembrado. 

(Gilmar Fraga/Arte ZH)

Por Carlos André Moreira

Não deixa de ser curioso o quanto uma obra sobre a inexorabilidade do tempo consegue resistir tão bem a ele. Neste 2012, completa-se o cinquentenário da publicação do último volume de O Arquipélago, encerrando a monumental empreitada assumida por Érico Veríssimo de traduzir ficcionalmente a formação de seu Estado e de seu país. E por mais que o tempo tenha passado para ele e seus personagens, a obra nunca pareceu tão viva e seus ventos nunca sopraram tão longe.
Por qualquer ângulo de análise, O Tempo e o Vento é uma empreitada sem similares na literatura brasileira: uma saga planejada e escrita ao longo de quase três décadas, abordando por meio de sua ficção dois séculos de história, uma história não apenas do Rio Grande do Sul, sua gente e suas revoluções, como fizeram muitos dos romancistas que o seguiram, mas uma história do Rio Grande do Sul inserido no Brasil - é majoritariamente disso que trata o panorama traçado por O Arquipélago, o mais extenso da série e o que mais tempo e energia custou a Erico para escrever. 

O Continente, o capítulo inaugural da trilogia e até hoje o mais popular, foi publicado em 1949. Em 1951, veio O Retrato, a continuação que mudava intencionalmente o "andamento" da composição - a metáfora não é descabida: melômano entusiasmado, Erico escreveu em um prefácio inédito que a ideia da saga já havia se delineado em sua mente como uma "longa sinfonia dividida nos clássicos movimentos e possivelmente com grandes massas corais". Apenas nove anos depois, em 1961, saiu o primeiro tomo de O Arquipélago. No intervalo de quase uma década entre um e outro, o próprio Erico admitia haver abraçado uma série de projetos, livros e encargos que nada mais eram que pretextos para fugir temporariamente da responsabilidade e das expectativas criadas em torno da conclusão da saga. 

Entre 1951 e 1961, de fato, Erico redigiu e publicou em velocidade relâmpago uma novela considerada por ele mesmo "exótica" no conjunto de sua obra, Noite. Também lançou México, um de seus mais populares livros de viagem, fruto de uma visita ao México que se seguiu à mais radical de todas as "manobras evasivas" do autor: mudar-se para os Estados Unidos aceitando um convite para dirigir o Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA).

"Nessa aceitação vejo hoje um sinal de minha hesitação quanto à última parte de O Tempo e o Vento. No fundo, essa ida para os Estados Unidos foi uma espécie de fuga dos fantasmas, problemas e dificuldades que me esperavam atocaiados nesse novo livro", confessou Erico em uma entrevista à Revista do Globo em 1961, depois da publicação, afinal, do primeiro tomo de O Arquipélago.

Premido, entre outras coisas, pelo próprio "apreciável sentimento de culpa" infundido pela trilogia inconclusa e pela dificuldade de escrever aquele que deveria ser seu romance mais franco, em sua própria opinião, Érico foi derrubado pelo estresse e teve seu primeiro infarto, em março de 1961, o que poderia ter atrasado ainda mais a conclusão da obra. O tratamento na época incluía uma intervenção cirúrgica mais agressiva que as de hoje e exigia uma recuperação bem mais demorada. Érico ficou dois meses em cama. Em Solo de Clarineta, o autor relata o quanto sua recuperação esteve ligada ao processo de revisar as mais de mil páginas que já tinha escritas de O Arquipélago (cuja história ainda não havia sido concluída). Erico emendou e remontou várias partes da obra - o começo da narrativa, que flagra Rodrigo Terra Cambará acossado pela morte ao sofrer um edema pulmonar agudo, foi reescrito usando "da experiência adquirida durante a minha própria doença", contou o escritor.

Apesar do infarto, O Arquipélago tinha seu primeiro tomo publicado em julho de 1961, com páginas redigidas literalmente no leito de convalescente do escritor. Embora os dois últimos volumes da trilogia não tenham jamais atingido a popularidade do capítulo inicial da saga, O Continente, o ciclo se encerrava como uma realização de proporções ao mesmo tempo tão heróicas e tão humanas como muitos dos feitos vividos pelos heróis mais remotos de Érico. Sem se esquivar do desafio de falar de seu tempo com um olhar plural, o escritor traçou com O Continente um panorama histórico que pautou boa parte da ficção gaúcha depois dele; fez de O Retrato um perfil admirável de um homem complexo, cheio de ideias nobres mas sem o temperamento necessário para renunciar aos apetites predatórios da elite de que faz parte; e mapeou com O Arquipélago o horizonte político e cultural do Brasil de seu tempo com um olhar geral que poucos autores nacionais tiveram.
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Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/pagina/o-tempo-e-o-vento-50-anos.html

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Venturas e desventuras da universidade: qual futuro?


Está na praça um trabalho sobre o ensino superior brasileiro que, apesar de ser oriundo mais propriamente da esfera da intervenção, tem elementos de análise bastante interessantes. Trata-se do Desafios e Perspectivas da Educação Superior Brasileira para a Próxima Década – 2011-2020, produzido sob a chancela da Representação da UNESCO no Brasil, do Conselho Nacional da Educação (CNE) e do Ministério da Educação (MEC).  O livro reúne um conjunto de artigos, cujos temas foram discutidos num evento das três instituições mencionadas, contando com a participação de pesquisadores, dirigentes de instituições superior, representantes de entidades do setor educacional, etc. Livro útil tanto para estudiosos da área como para gestores e formuladores de políticas, a partir dele pode-se colocar diversas questões sobre o futuro da universidade brasileira. Pensar nas suas venturas e desventuras. Por exemplo: está-se realmente a se realizar inclusão ou as políticas de inclusão apenas retardam a reprodução social, seja pelas deficiências do processo de formação, seja pelo fato de os diplomas efetivamente não assegurarem emprego? A universidade tem sido uma esfera do debate acadêmico ou tem se transformado numa seara do populismo, da picuinha e do carreirismo em função de interesses particulares (e, por vezes, obscuros)? Tem prevalecido o profissionalismo no interior da universidade? Há já alguns anos José Arhtur Giannotti, apesar de algumas posições ponderáveis suas, escreveu um livro de pertinência inegável: Universidade em Ritmo de Barbárie. Mostrava uma certa frustração com os rumos da universidade brasileira. As desventuras apontadas por Giannoti se acentuaram nos últimos tempos. A leitura de Desafios e Perspectivas da Educação Superior Brasileira para a Próxima Década – 2011-2020 pode, talvez, contribuir para o desencadeamento de um debate no sentido de se buscar um futuro venturoso para a universidade brasileira.       

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Desenvolvimento, Educação e Questão Social: Um Convite ao Debate

Abaixo, as informações sobre o painel que estarei coordenando, com Carlos Silva (Universidade do Minho, Portugal), no Congresso Latino-americano de Sociologia, em setembro/outubro, no Chile (http://congresoalaschile.cl). Um convite ao debate em torno do tema desenvolvimento, envolvendo a educação e a questão social. 


XXIX Congreso Latinoamericano de Sociología (ALAS) – del 29 de Septiembre al 4 de Octubre del 2013
Congreso ALAS Chile
Panel Desarrollo y Desigualdades
Coordinación:
Ivonaldo Leite (Universidad Federal de Paraíba, Brasil)
Carlos Silva (Universidad del Minho /Portugal; Presidente de la Asociación Portuguesa de Sociología)
Científicos conferencistas:
Jaime García (Universidad Central de Las Villas, Cuba)
Carlos Machado (Universidad Federal del Río Grande/RS, Brasil)

El Chile históricamente ha sido palco de discusión sobre desarrollo, con la perspectiva de la CEPAL y de los aportes de Celso Furtado. Ahora, en 2013, el  XXIX Congreso Latinoamericano de Sociología (ALAS) irá discutir nuevamente los desafíos del desarrollo. El panel hará una mirada sobre la cuestión, conforme el programa de investigación que los científicos involucrados en él han cumplido durante los últimos años.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Sobre o desaparecimento da infância

Analista social consagrado, Neil Postman é Professor Titular do Departamento de Comunicação da Universidade de Nova York. O livro que aqui aludo é de já algum tempo, mas teve as suas teses centrais reafirmadas na reimpressão da tradução brasileira há não muito tempo. Para Postman, as crianças estão sendo levadas a se tornarem adultos precoces ou pseudo-adultos. Assinala que os 'mistérios do sexo' foram sendo desvelados pala mídia e, com as informações disponíveis e fora de controle dos pais, a 'adultificação' das crianças tomou um impulso inesperado, de onde decorre um fenômeno correlato: o aumento das estatísticas de gravidez na adolescência, fato este empiricamente verificado em todos os países ocidentais. E a escola? Postman responde: continua existindo, mas perde espaço.  Pelo que representa e suas implicações, o livro O desaparecimento da infância (Rio de Janeiro: Editora Graphia) merece a atenção não só de cientistas da educação, pedagogos, interessados na temática educativa, etc, mas também dos pais. Abaixo, a reprodução de uma resenha do mesmo, de responsabilidade de Ceci Vilar Noronha (socióloga e Doutora em Saúde Pública), publicada na Revista Ciência e Saúde Coletiva, vol 12, nº 05. 

Por Ceci Vilar Noronha 

O crítico social Neil Postman, professor titular do Departamento de Comunicação, da Universidade de Nova York, escreveu vários livros focalizando as relações entre os meios de comunicação e a educação. A obra que vamos comentar foi lançada nos Estados Unidos, em 1982, e reeditada em 1994. No Brasil, a publicação teve o mesmo destino, após ser lançada em 1999, foi reimpressa em 2005. Concluímos que esta obra é um sucesso editorial porque nos instiga a pensar nos deslocamentos que a idéia de infância vem passando e, ao mesmo tempo, nos paralelismos que o autor estabelece entre tecnologia de comunicação, consciência, valores culturais e sentimentos. Composto em duas partes, a primeira trata da construção social da infância, retomando a linha dos estudos sobre os costumes, uma senda traçada por Norbert Elias, Ariès Philippe e outros, e a segunda expõe a tese do desaparecimento da infância. No prefácio à nova edição, o autor reafirma a mesma tese e se declara impotente em apontar saídas para interromper a tendência por ele identificada. Sendo reconhecida a veracidade do prognóstico, vamos aos seus argumentos. Neste sentido, o termo desaparecimento deve ser colocado entre aspas porque expressa que as crianças estão se tornando seres adultos precoces ou pseudo-adultos. O fio condutor da argumentação recupera as semelhanças e distinções entre crianças e adultos no que tange ao vestuário, a linguagem, as atitudes e os desejos, em diferentes contextos históricos.
No esforço de demonstração da sua tese, o autor nos dá exemplos da transformação da infância na contemporaneidade, entre os quais, o início aos 12 anos da carreira de modelo. Ocupação ligada indissoluvelmente à venda de mercadorias, ao exercer esse papel, a criança torna-se um símbolo erótico, tal como as mulheres adultas que se dedicam à mesma atividade. No entanto, esse limite etário pode ser menor, como no caso da modelo estadunidense JonBenet Ramsey, assassinada, no auge da fama, aos seis anos. Outro exemplo é o aumento dos crimes cometidos por adolescentes menores de 15 anos, cuja punição se faz com penas idênticas às que são atribuídas aos adultos. Ainda podemos acrescentar os atos violentos ocorridos com freqüência no ambiente escolar, seja nos países ricos ou pobres do hemisfério ocidental. Os jogos infantis também mudaram substancialmente, tornando-se mais semelhantes ao gosto dos adultos. Com a habilidade de quem articula vários fios dispersos e de natureza distinta para compor um único tecido, o autor enfatiza a queda das barreiras ou dos limites entre o mundo dos adultos e das crianças.
O percurso argumentativo inclui a recuperação dos sentidos atribuídos à infância nos grandes períodos históricos. Deste modo, o lugar da criança na sociedade da Antiguidade clássica pouco se sabe, mas assinala-se que entre os gregos e os romanos se desenvolveu uma concepção de educação. Nesta época, surgiram interditos na convivência entre adultos e crianças, ou seja, restrições do que falar e como proceder na presença das crianças, indicando a existência do sentimento de vergonha. Este descortinar de uma atenção diferenciada dos adultos para com os imaturos, no entanto, se perdeu durante a Idade Média. E, após as invasões bárbaras, houve também uma retração do hábito da leitura, dos propósitos da educação e mudanças de postura dos adultos em relação às crianças.
Deste modo, no período medieval, as crianças eram adultos pequenos; estes só não estavam prontos para a guerra e para manter relações sexuais. Predominava no ambiente doméstico uma intimidade considerada hoje como promíscua entre os adultos e entre eles e as crianças. Neste ambiente, era praticado sem censura o hábito dos adultos brincarem com os órgãos genitais das crianças. A mudança deste hábito só veio a ocorrer na Modernidade por força do avanço do processo civilizatório, que compreende o exercício do autocontrole da pulsão sexual por parte dos adultos e atitudes discretas em relação ao sexo na presença dos jovens.
Ao longo da Idade Média, o autor assinala que só a partir do século XVI começaram a ser impressos livros relativos à criação de filhos e orientações dirigidas às mães. E vale lembrar as altas taxas de mortalidade infantil do período em que se combinava analfabetismo e falta de um conceito de educação. O primeiro livro pediátrico em língua inglesa foi publicado em 1544, antecedido por publicação similar na Itália em 1498. Tais acontecimentos expressam a instituição da idéia de que as crianças são seres frágeis que necessitam de proteção por parte dos adultos. O autor assegura que a construção social da infância levou aproximadamente duzentos anos para se firmar como um valor socialmente compartilhado.
Entrelaçada com estas mudanças, o autor nos trás uma reflexão sobre os limites temporais da infância: como estabelecer os limites de passagem do mundo infantil ao adulto? Para Rousseau, um filósofo dedicado ao tema da educação, o desenvolvimento do hábito da leitura, que se consegue por volta dos sete anos, significa o fim da infância e o ingresso na idade adulta. Para a Igreja Católica, o marco dos sete anos vale como a idade da razão, o saber discernir entre o certo e errado, ou a virtude e o pecado. O Estado brasileiro também utilizou a idade dos sete anos para o ingresso no sistema educacional público.
Para além da idade, o que mais diferencia a criança do adulto? O conhecimento de certas facetas trágicas da vida como as guerras faz parte da experiência dos adultos, mas não do universo infantil. Aí cabe fazer um lembrete sobre a participação dos meninos soldados em guerras civis nos países africanos. Seria esta uma distinção válida apenas para os países ricos e industrializados?
Quanto a isso, o autor reafirma que os significados da infância, longe de expressar apenas uma fase biológica do desenvolvimento humano, são moldados na esfera da cultura. A infância com suas distinções face à vida adulta é um produto cultural, histórico e passível de transformações radicais. Nesta linha de argumentação, a base material para o surgimento da infância e também para o seu declínio está articulada às mudanças nas tecnologias de comunicação, uma vez que esses meios tecnológicos disponíveis passam a modificar a nossa própria estrutura de interesses, a esfera simbólica e o contexto no qual pensamos. Ou seja, à medida que nós consumimos livros, jornais, rádio e televisão (a Internet não entrou nas referências do autor), estamos nos adequando às possibilidades dadas pela comunicação e, simultaneamente, transformando a nossa consciência.
No início da Idade Moderna, a tipografia auxiliou na expansão do conhecimento e instituiu o hábito individual da leitura e esse fato rompeu com a longa tradição de transmissão oral do saber. Essa mudança veio a fundar uma outra etapa no desenvolvimento infantil, significando que após o domínio da linguagem oral, a criança tinha que desenvolver as habilidades para dominar a escrita. Só desta forma ela poderia ter acesso às informações que os adultos dominavam. Neste particular, o autor reconhece que a infância é análoga ao aprendizado da linguagem, conta com uma base biológica, mas não só. Ou seja, aprender uma língua depende de habilidades para partilhar de um universo simbólico.
Como sabemos, a introdução da linguagem escrita veio a demandar longos anos de educação formal das crianças, implicando isso no compromisso dos seus pais. Para o autor, a nova concepção de infância também instituiu a família moderna, com preocupações de apoiar seus filhos por longos anos, sustentá-los e educá-los. Aprender os códigos da leitura e da escrita exige tempo e investimentos afetivos e financeiros. Contudo, mudanças ocorreram na família em todo o século XX, assinalando-se uma crise da família conjugal que passa por dificuldades, inclusive de ordem financeira, resultando em mais horas de trabalho dos pais e na falta de supervisão sobre a prole.
Por conseguinte, uma nova perspectiva de relações entre adultos e crianças começou a se delinear com o alargamento dos meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão, cuja linguagem é pictórica, facilmente compreensível, dispensando qualquer aprendizado específico. E são os efeitos não previstos das novas formas comunicacionais que estão fazendo ruir as barreiras entre adultos e crianças. A escola continua existindo, mas perde espaço por utilizar uma linguagem difícil e tradicional. Os jovens, por vezes, se sentem "perdendo tempo" ao freqüentar a escola, ainda que ela demande poucas horas diárias, no nosso país.
Sobretudo, os mistérios em torno do sexo foram sendo desvendados pela televisão e, com as informações acessíveis e fora do controle dos pais, a "adultificação" das crianças tomou impulso acelerado. Um fenômeno correlato ao desvendamento precoce do sexo é o aumento das estatísticas sobre gravidez na adolescência, o que vem ocorrendo na maior parte dos países ocidentais.
Por fim, o autor conclui que há um duplo movimento em que as crianças tendem a se tornar adultos precocemente e os adultos tornarem-se mais frágeis em sua estrutura psicológica e moral, infantilizando-se. Os adultos-crianças podem ser vistos em programas reality show, tão apreciados em nossa sociedade e copiados de estações de televisão estrangeiras. Do mesmo modo, o noticiário "sério" da tevê contribui para abalar na criança a crença na racionalidade dos adultos e faz com que ela coloque em suspeição se conseguirá, ao crescer, ter controle sobre a sua própria agressividade.
Evidentemente que a velocidade dessas tendências não será a mesma em todas as sociedades ou grupos sociais, mas estão colocadas como desafios atuais. Resta-nos indagar: a quem interessa salvar a infância?

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Educação e tempos pedagógicos: códigos e caminhos


A seguir uma breve, brevíssima, incursão no fecundo pensamento de Basil Bernstein, tão pouco, infelizmente, lembrado no Brasil.  As suas formulações sobre as 'pedagogias visíveis' e 'pedagogias invisíveis', as elaborações em torno do chamado 'código pedagógico', etc., por certo, representam contribuições valiosíssimas à investigação educacional, como também, de outra parte, podem contribuir para a construção de quadros de inteligibilidade para o trabalho no cotidiano escolar. 


Basil Bernstein y el código pedagógico*

Por José Antonio Gómez Di Vincenzo


Basil Bernstein (1924 – 2000) es uno de los más prestigiosos sociólogos británicos. Conocido por sus aportes a la sociología de la educación, su obra se construye en permanente diálogo con la de Pierre Bourdieu (1930 – 2002).

De un tiempo a esta parte quien escribe se encuentra tratando de ahondar en el estudio de aquellos autores que nos brindan herramientas conceptuales que nos permitan comprender cómo, desde las particularidades, desde lo micro, desde las pequeñas prácticas cotidianas, se da la reproducción de las relaciones sociales dentro del modo de producción capitalista. Por eso, tenemos que lidiar con Foucault, para cuestionarlo, criticarlo y tomar lo que pueda darnos, tal vez desde la herejía. Volveremos a él tantas veces como sea necesario en futuras entradas. Por eso, tener que buscar preguntas y respuestas en los 70, cuando un grupo de sociólogos y filósofos inspirados en los grandes del siglo XIX, pero también muñidos de sendas críticas, vueltas de tuerca o profundizaciones de sus propuestas, notaron que debía complejizarse el análisis puesto que las soluciones aportadas por los padres fundadores no alcanzaban para dar cuenta del permanente afianzamiento del capitalismo y lo complejas que se tornaban las cosas en el tránsito por el siglo XX.
Bernstein, de él me encargaré aquí, se ocupó por estudiar lo que ocurre dentro del aula, cómo ciertas prácticas pedagógicas contribuyen a la reproducción del statu quo. Para este sociólogo inglés, el aula representa un pequeño laboratorio donde resuenan las relaciones sociales capitalistas.
Me parece interesante dedicarle al menos unos párrafos para dar cuenta de los instrumentos que nos brinda, creyendo con esto hacer un aporte para el estudio de la complejidad social. Hoy la pedagogía ha derribado los muros de las aulas y las escuelas y se ha establecido en diversos ámbitos. Cuando un producto quiere ser vendido, la publicidad enseña, busca interpelarnos como oyentes y sumisos alumnos, presentando la mercancía (¡ay… ni qué hablar de las mercancías tecnológicas!) con el incuestionable apoyo de la investigación científica (el jabón, el insecticida, el profiláctico, etc., científicamente probados). Cuando el político aparece en el spot, a veces, no siempre (la cosa se borronea cuando en vez de un discurso político construido desde la densidad del análisis y la fuerza del proyecto transformador aparece un técnico neoliberal) se ubica en el lugar del portador del saber que quiere convencer, aunque la pose sea la del conciudadano humilde que expresa sus ideas. Cuando el periodista televisivo o radial expone, lo hace como un docente.
Como sea, la pedagogización de los discursos es algo a tener en cuenta en el contexto actual y nos plantea el desafío de desempolvar la obra de genios de la talla de los protagonistas de la denominada “nueva sociología de la educación”. Vayamos pues a recorrer lo que Berstein tiene para decirnos.
El concepto de código ocupa un lugar central en la sociología de Basil Bernstein. Gracias al desarrollo teórico de esta categoría, Bernstein no sólo ha podido dar cuenta de aquello que la institución escolar reproduce sino también, logró explicar el modo en el que se da esta reproducción, mediante qué mecanismo opera o cómo se lleva adelante en la práctica pedagógica.
El currículum y la pedagogía se consideran sistemas de mensajes y constituyen la estructura y los procesos del saber, de transmisión y práctica escolares. El currículum define el saber válido y la pedagogía, la transmisión válida de dicho saber.
(... ) código se refiere al “principio regulador que subyace a diversos sistemas de mensajes, en especial al currículum y la pedagogía”. (Bastardilla en el original) (Sadovnik, 1992: 12)
El texto pedagógico es un texto social y como tal, no independiente de las relaciones sociales de producción. En la relación pedagógica, docente-alumno y trama social, hay una relación de fuerza. Existe una trama social dentro del aula. Para Bernstein, la escuela tiene una voz que le es propia. Mediante el texto, el contenido curricular es transmitido para ser adquirido.
El código educativo es una herramienta que permite la descripción y comprensión de los principios que regulan la práctica y el discurso pedagógico. Principios estos que regulan los procesos de adquisición de la cultura. Las relaciones de clase regulan la institucionalización del código elaborado en la escuela, las formas de transmisión del mismo y además, cómo se da su manifestación.
Los presupuestos de clase, su antagonismo y la dispar distribución de poder en la sociedad capitalista, presentes en el código, se encuentran en la clasificación y en el enmarcamiento del conocimiento educativo y en la ideología que esta clasificación y este enmarcamiento expresan.
En los siguientes puntos, analizaremos con mayor detenimiento el aporte teórico de Basil Berstein.

Poder y control en la escuela
Las principales teorías de la reproducción cultural no nos han proporcionado principios de descripción que den cuenta de cómo se da en la práctica pedagógica tal reproducción. Siguiendo a Bernstein (Bernstein 1998), esto se debe a que dichas teorías toman a la educación como portadora de relaciones de poder externas a ella misma. Así, el discurso pedagógico actúa como portador, como soporte de algo que se encuentra por fuera. El autor citado propone un análisis interno del discurso pedagógico. Concretamente, sostiene la importancia del estudio de la lógica interna del discurso y sus prácticas junto con el análisis de las formas de comunicación.
Analizando el discurso pedagógico, en particular su estructura interna, puede entenderse cómo se transmiten las relaciones de poder y el control.
Se trata entonces, de entender cómo se traducen el poder y el control en principios de comunicación y cómo estos regulan las formas de conciencia en función de la reproducción y/o posibilidades de producción cultural.
Poder y control actúan siempre en distintos niveles de análisis. El poder crea categorías, rupturas, actúa para producir marcadores sociales. Entonces, es posible afirmar que opera estableciendo relaciones entre categorías. En cambio, el control fija formas legítimas de comunicación propias o adecuadas a las categorías. El control transmite las relaciones de poder y socializa a los individuos en el marco de las mismas.
Sintetizando, podemos afirmar que el poder establece las relaciones entre categorías y el control, las formas legítimas de comunicación, las relaciones dentro de cada una de estas categorías.
Clasificación y enmarcamiento:
Basil Bernstein (1998) propone dos conceptos que funcionan como herramientas para la traducción de poder y control y permiten comprender el proceso de control simbólico que se da en las prácticas pedagógicas.
El concepto para traducir el poder es el de “clasificación” y permite estudiar las relaciones entre categorías. El poder es lo que preserva los espacios de silencio, la separación entre categorías. La clasificación impone la voz.
Clasificación se refiere a un atributo que no determina una categoría, sino relaciones entre categorías, por ejemplo, podríamos pensar, en concreto, en categorías del discurso de la enseñanza secundaria: física, geografía, lengua, etc. (Bernstein, 1998: 38)
Las categorías pueden ser consideradas como la división del trabajo del discurso. Las relaciones de poder se traducen en principios de clasificaciones que pueden ser fuertes o débiles y estos principios establecen divisiones del trabajo, identidades y voces a la vez que disfrazan el carácter arbitrario de esas relaciones de poder.
Empleando el concepto de clasificación y haciendo referencia al currículum, encontramos dos tipos de códigos curriculares: códigos de acumulación y códigos integrados. El primero apunta a un currículum fuertemente clasificado; el segundo, a uno débilmente clasificado.
La separación que crea el principio de clasificación tiene dos funciones. La primera de ellas es externa al individuo y regula las relaciones entre personas; la segunda es interna puesto que regula las relaciones internas al sujeto. Esta última, la realidad interna de la separación, constituye un sistema defensivo a nivel psíquico para mantener la integridad de una categoría. Por suerte, y esto es importante, estas defensas no siempre actúan eficazmente dando lugar a la posibilidad de lo diferente, lo impensable.
La forma de control que regula la comunicación en las prácticas pedagógicas será analizada mediante el concepto de “enmarcamiento”. El enmarcamiento se refiere a los controles sobre la comunicación en las relaciones pedagógicas. Es el medio de adquisición del mensaje legítimo y se refiere al cómo más que al qué se dice apuntando a la selección, secuenciación, ritmo y los criterios y el control de la comunicación. Tiene que ver con quién y cómo controla.
Utilizaré el concepto de “enmarcamiento” (framing) para analizar las distintas formas de comunicación legítima que se realizan en cualquier práctica pedagógica. (Bernstein, 1998: 44)
El enmarcamiento puede ser fuerte o débil. En el enmarcamiento fuerte, el transmisor del mensaje ejerce el control explicito tanto de la selección como del ritmo la secuenciación. En cambio, en el enmarcamiento débil, el receptor dispone de mayor control aparente de la comunicación. Es preciso aclarar que el enmarcamiento puede ser fuerte o débil sólo en uno de los siguientes aspectos: selección, ritmo, secuenciación, etc.
Existen, desde un punto de vista analítico, dos sistemas de reglas presentes en el enmarcamiento: las reglas del orden social y las reglas del orden discursivo. La primera de ellas hace referencia a las formas que toman las relaciones jerárquicas en las prácticas pedagógicas y tienen que ver con las buenas formas, la conducta, etc y se denominan “discurso regulador”. Las segundas se relacionan con la selección, ritmo, secuenciación y criterios y son denominadas “discurso de instrucción”. Cuando estamos en presencia de un enmarcamiento fuerte, las reglas del discurso de instrucción y regulador son explícitas. En cambio cuando el enmarcamiento es débil, ambas reglas son implícitas y el receptor las desconoce buena medida.
El principio de clasificación nos proporciona los límites de cualquier discurso, mientras que el enmarcamiento nos aporta la forma de realización de ese discurso; es decir, el enmarcamiento regula las reglas de realización para la producción del discurso. La clasificación se refiere al qué y el enmarcamiento se ocupa de cómo han de unirse los significados, las formas mediante las que se hacen públicos y el carácter de las relaciones sociales que los acompañan. (Bernstein, 1998: 44)
Tanto la clasificación como el enmarcamiento aportan las reglas del código pedagógico; esto es: las reglas de la práctica del discurso pedagógico. Es fundamental su comprensión puesto que un cambio de fuerte a débil en cualquiera de ellas, originarían cambios en las prácticas discursivas. El debilitamiento del enmarcamiento llega a desdibujar la clasificación. Entonces, cualquier cambio en general puede producirse desde el enmarcamiento.
Gracias a las categorías de clasificación y enmarcamiento, el autor nos permiten analizar cómo, se traducen en la escuela la distribución del poder y los principios de control en términos de principios comunicativos y disposiciones espaciales que otorgan la especificidad de su forma al código elaborado.
Cuando el enmarcamiento externo es fuerte, con frecuencia, las imágenes, voces y prácticas que refleja la escuela hacen difícil que los niños de las clases desfavorecidas se reconozcan a sí mismos en la escuela. (Bernstein, 1998: 46)
Los cambios en la fuerza de clasificación modifican las reglas de reconocimiento que sirven al sujeto para reconocer, darse cuenta del contexto en el que se encuentra situado. El principio de clasificación orienta al sujeto hacia lo que se espera de él en ese contexto determinado. El principio de clasificación, entonces crea reglas de reconocimiento por las cuales, el hablante puede situarse en contexto. Esto hace que la distribución desigual de las reglas de reconocimiento ponga a algunos sujetos en desventaja respecto a quienes poseen un dominio claro de dichas reglas.
Ahora bien, determinado sujeto puede poseer la regla de reconocimiento pero no poder participar como hablante en determinados contextos. Decimos, entonces, que carece de la regla de realización pues estos sujetos son incapaces de producir un texto considerado como legítimo dentro de determinado contexto. En la escuela, los alumnos de clases desfavorecidas pueden ubicarse en el lugar que ocupan en el sistema de clasificación pero no pueden expresarse porque no poseen el dominio del código elaborado.
Si no poseen la regla de realización, son incapaces de producir el texto legítimo esperado. De este modo, estos niños no adquirirán en la escuela el código pedagógico legítimo, aunque sí su lugar en el sistema de clasificación. Para estos niños, la experiencia de la escuela es, sobre todo, una experiencia del sistema de clasificación y del lugar que ocupan en él. (Bernstein, 1998: 49)

El código restringido y el código elaborado
Alan Sadovnik (2001) argumenta que Bernstein estableció las diferencias entre el código restringido de la clase trabajadora y el código elaborado de la clase media basándose en la evidencia empírica. Los códigos restringidos dependen del contexto y son muy específicos del mismo; en tanto que los elaborados, no dependen tanto del contexto y son más universalistas. Esto no quiere decir que los códigos restringidos sean deficientes sino que están relacionados con la práctica y por la división social del trabajo. Un lenguaje dependiente del contexto es necesario en el marco de la producción.
El código elaborado favorece posiciones individuales, el gusto por la invención y la búsqueda de nuevos significados mediante el empleo de frases complejas. El código restringido, por el contrario, se caracteriza por frases cortas cuyo significado se ancla en las experiencias vividas. Los dos códigos suponen distintas relaciones de pensamiento.
Las diferencias entre ambos códigos mencionados reflejaban las relaciones de clase y de poder propias de la división social del trabajo. La cultura escolar no es neutra sino que refleja la distribución desigual de poder en la sociedad. El hecho de que el éxito en la escuela requiera del dominio del código elaborado hace que los niños pertenecientes a las clases desfavorecidas estén en inferioridad de condiciones respecto al código dominante en la escuela; es decir, el código elaborado y legitimado por las clases dominantes.
El concepto de código era clave en la sociología de Bernstein. Desde el principio de su uso en su obra sobre el lenguaje (código elaborado y código restringido), el código remite a un “principio regulador que sostiene diversos sistemas de mensajes, especialmente el currículo y la pedagogía.” (Sadovnik, 2001: 5)
Vemos cómo las relaciones de poder impregnan la organización y distribución del conocimiento a través del contexto social. El código pedagógico mediante el cual, se da la transmisión y distribución del saber en la escuela, trasforma la conciencia y se relaciona indirectamente con el ámbito de la producción económica.
La selección de contenidos operada en la elaboración de los currículums escolares impone una lógica de dominación mediante la definición del mundo.

Bibliografía

Bernstein, B. (1998): Pedagogía, control simbólico e identidad. Madrid, Ediciones Morata.
Bernstein, B. (1996) "El dispositivo pedagógico", en Pedagogía, control simbólico e identidad. Madrid, Morata.
Bernstein, B. (1994) "La clase social y la práctica pedagógica", en La estructura del discurso pedagógico. Madrid, Morata.
Sadovnik, A. (1992): La teoría de la práctica pedagógica de Basil Bernstein: Un enfoque estructuralista. En: Investigación en la Escuela. Nº 17. Sevilla, Díada Editoras. Pp. 7-29.
Sadovnik, A. (2001): Basil Bernstein (1924-2000). En: Perspectivas: revista trimestral de educación comparada.
Nº 4 Vol. 31 París, UNESCO: Oficina Internacional de Educación. Pp. 687-703.
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* Fonte: http://contraelmetodo.blogspot.com.br/2011/09/basil-bernstein-y-el-codigo-pedagogico.html

O ciúme em perspectiva sociológica


 
Peter Chimbos é um sociólogo da Universidade de Western, Canadá. Realizou uma notável pesquisa sobre o ciúme, envolvendo cerca de 1.300 casos. O estudo traz à baila as diversas manifestações que habitam esse sentimento.  Aliás, a atenção a esse tema é algo que vem de longe. Certa vez disse Shakespeare: ‘De torturas infernais padece aquele [e aquela] que, amando, duvida, e, suspeitando, adora’. Assim ele dizia tendo com referência a obra Otelo, O Mouro de Veneza, que trata marcadamente do ciúme – e daí os psiquiatras tiraram a expressão Síndrome de Otelo para designar o ciúme transformado em patologia. Na obra, o vilão Iago, um alferes que sente inveja do general Otelo, resolve atacá-lo em sua maior fraqueza: a insegurança em relação à sua mulher, Desdêmona. Insinua Iago que ela tem um caso com um subordinado de Otelo, chamado Cássio. E então a alma do general sucumbe em terrível tormento, e a sua imaginação transforma simples fatos banais em provas cabais da traição. Ao ver, por exemplo, Desdêmona com as mãos úmidas, logo conclui que é decorrência de ela  esconder algo – mas, na verdade, ela estava ansiosa. Sem mais palavras, o desfecho da história foi trágico. Dentre as diversas contribuições da pesquisa sociológica de Peter Chimbos sobre o ciúme, está a de mostrar a face obscura dessa manifestação, o pathological jealousy, e, ao mesmo tempo, introduzir racionalidade num terreno que, exalando subjetividade, tende a promover a cegueira da fúria e a desprezar a razão.   

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

À Estrela da Manhã

Abaixo, mais um texto que virá a lume na lusa Revista A Página, edição da Primavera (europeia).


À estrela da manhã: entre a melancolia e a ontologia de um outro quotidiano

Por Ivonaldo Leite
Vivemos, lembrando o que disse Weber, num mundo que se tornou uma verdadeira gaiola de aço, isto é, uma estrutura reificada que encerra os indivíduos em leis sistêmicas, como uma prisão. A quintessência da civilização ocidental tem sido a ação instrumental, que molda inteiramente a vida social, sendo reflexo disso até mesmo o movimento das pessoas nas ruas: sem se ter a “regulação de espécie” que tem o movimento das formigas vermelhas, a movimentação humana não é menos determinada do que o destas. Anda-se dum lado a outro, a correr contra o tempo, em meio a multidões (onde as pessoas tornam-se “invisíveis”), na busca de se atingir um fim calculado no interior da gaiola de aço. E mesmo assim, o paradoxo, a civilização ocidental é apresentada, insistentemente, como fiel depositária da autonomia de espírito.
Em tal paisagem, talvez seja o recurso à ‘iluminação profana’ uma opção para transcender as sombras da reificação. Trata-se de recuperar uma percepção surrealista da vida, a ‘cauda do cometa’, como assinalou André Breton, que faz cintilar uma visão romântica alternativa do mundo.  Posto isto, é necessário realçar, então, que o romantismo não é apenas uma escola literária do século XIX, mas uma das principais formas da cultua moderna. Como estrutura sensível e visão de mundo, ele se expressa em diversas, a exemplo da literatura, da poesia, da música, da filosofia, da historiografia, da antropologia, etc. Não se trata, evidentemente, como no antigo romantismo, da pregação a um regresso ao passado. Trata-se, isto sim, como bem faz notar Michael Löwy, de um desvio pelo passado em direção ao futuro. O desvio da tempestade do progresso, que choca o ‘anjo de Benjamin’; a recuperação de uma vida interior em que, à maneria de Baudelaire, a primavera ainda não perdera o seu perfume.
A alegoria do devir: a estrela da manhã. Estrela caída, expressão do pensamento romântico, símbolo da insubmissão. O surrealismo, esta última cauda do cometa romântico, que faz a luz ser conhecida através de vias como a poesia e a liberdade. Melancolia perante a gaiola de aço. Porém, no quotidiano, os fios de uma outra ontologia. O que não quer dizer, claro está, crença numa teleologia absoluta, mas,  de par com um certo pessimismo criativo e atuante, a ação no sentido de vislumbrar Sísifo feliz, pois, na ‘soma das contas’, este é ponto da questão. O vislumbre romântico-surrealista pode nos fazer ver, e bem, aquilo que Camus descortinou em O Mito de Sísifo
O paradoxo da vida. Por vezes, boa parte dela é construída com todas as fichas sendo apostadas no futuro, mas sempre, e nessa regra não parece haver exceção, o futuro é o caminho que nos aproxima do fim, da morte. E assim as pessoas vivem como se não tivessem certeza que vão morrer. O absurdo vivencial, estranho lugar é o mundo. Desde que esse absurdo – com as suas consequências – é reconhecido, ele se torna uma das mais angustiantes de todas as paixões.
Contudo, a contradição deve ser vivida. Sísifo empurra uma pedra de uma montanha até o seu topo, a pedra rola para baixo e ele então começa tudo novamente. Metáforas. No mundo da gaiola de aço, a reificação e a alienação agigantam-se às mais diversas esferas da vida social. O homem unidemensional referido por Marcuse. A banalização da estética como sendo apenas forma, sem apreço pela outra face que lhe constitui: o  conteúdo. A letargia que pode ser apreendida no evidenciado por Goethe: "assim, todos, juntos, continuavam a sua vida quotidiana, com ou sem reflexão; tudo parecia seguir o seu rumo habitual, como em situações extremas, nas quais tudo está em jogo, e a vida continua como se nada acontecesse".   
   O vir-a-ser romântico-surrealista. Da melancolia ao esboço de bases para um outro modo de existir quotidiano, alternativo às alternativas já consagradas. Inquietação do pensamento e ação no contratempo. Alquimia alegórica da estrela da manhã.
     



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Permiso para vivir

Nem só de Mário Vargas Llosa vive a literatura peruana. Há também Alfredo Bryce Echenique. É necessário licença, permissão para viver? Eis aí um tema representativo de uma obra sua - Permiso para vivir. A seguir,  um breve comentário sobre o livro e o autor, do sítio Poemas del Alma. 



Si uno estudia la vida y obra de Alfredo Bryce Echenique se dará cuenta que este escritor peruano nacido en Lima el 19 de febrero de 1939 ha elaborado a lo largo de su trayectoria muchos libros interesantes. Varios de ellos, como sabrán muchos de ustedes, ya han tenido espacio en Poemas del Alma, pero todavía quedan materiales dignos de mencionar.
Uno de esos trabajos que no deja indiferente a quienes acostumbran leer las obras de este autor que ha recibido galardones como el Premio Casa de las Américas, el Premio Nacional de Literatura y el Premio Planeta es “Permiso para vivir”, una propuesta que lanzó tiempo antes de dar a conocer el contenido de “No me esperen en abril”.
Bajo un título por demás curioso que habla de la necesidad de tener una especie de autorización que apruebe el disfrute de la vida, el creador de “La vida exagerada de Martín Romaña” y “Un mundo para Julius” le acerca a los lectores una recopilación de anécdotas que constituyen lo que él ha calificado de “antimemorias”.
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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Sobre o Comércio da Fé

O meu apreço pela diversidade faz-me respeitar todas as crenças religiosas, embora com elas não tenha que concordar. Quando vivi fora do Brasil, cheguei mesmo a dividir residência com budistas e hindus, em quem, aliás, sob certos aspectos, vi bem mais tolerância e menos arrogância do que em determinados segmentos da religiosidade ocidental. Pois bem, analisando-se os últimos acontecimentos envolvendo algumas igrejas no Brasil, é, no mínimo, de se lamentar.  Intolerância e discriminação têm dado o mote. E, de par com isso, a transformação da religiosidade num grande comércio. Líderes de igrejas já estão sendo apontados até por revistas estrangerias como pertencentes a listas de milionários e bilionários. "Milagres" são vendidos 24 horas, já não mais em templos, mas em canais televisivos. Onde vamos parar? Está na hora dos 'mercadores religiosos' serem chamados à responsabilidade. Em 2009, uma reportagem conduzida por Hélio Schawartsman, para a Folha de São Paulo (edição do dia 29/11), já indicava o que estava por vir. Passados quatros anos, hoje estamos vendo bem o ponto em que a situação chegou. Abaixo, vale a pena reler o texto de Schawartsman.  


Bastam R$ 418 para criar igreja e se livrar de imposto

Após fundar igreja, reportagem da Folha abre conta bancária e faz aplicação isenta de IR

Além de vantagens fiscais, ministros religiosos têm direito a prisão especial e estão dispensados de prestar serviço militar 


HÉLIO SCHWARTSMAN

DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Bastaram dois dias úteis e R$ 218,42 em despesas de cartório para a reportagem da Folha criar uma igreja. Com mais três dias e R$ 200, a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio já tinha CNPJ, o que permitiu aos seus três fundadores abrir uma conta bancária e realizar aplicações financeiras livres de IR (Imposto de Renda) e de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Seria um crime perfeito, se a prática não estivesse totalmente dentro da lei. Não existem requisitos teológicos ou doutrinários para a constituição de uma igreja. Tampouco se exige um número mínimo de fiéis.
Basta o registro de sua assembleia de fundação e estatuto social num cartório. Melhor ainda, o Estado está legalmente impedido de negar-lhes fé. Como reza o parágrafo 1º do artigo 44 do Código Civil: "São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento".
A autonomia de cada instituição religiosa é quase total. Desde que seus estatutos não afrontem nenhuma lei do país e sigam uma estrutura jurídica assemelhada à das associações civis, os templos podem tudo.
A Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, por exemplo, pode sem muito exagero ser descrita como uma monarquia absolutista e hereditária. Nesse quesito, ela segue os passos da Igreja da Inglaterra (anglicana), que tem como "supremo governador" o monarca britânico.
Livrar-se de tributos é a principal vantagem material da abertura de uma igreja. Nos termos do artigo 150, VI, b da Constituição, templos de qualquer culto são imunes a impostos que incidam sobre o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com suas finalidades essenciais.
Isso significa que, além de IR e IOF, igrejas estão dispensadas de IPTU (imóveis urbanos), ITR (imóveis rurais), IPVA (veículos), ISS (serviços), para citar só alguns dos vários "Is" que assombram a vida dos contribuintes brasileiros. A única condição é que todos os bens estejam em nome do templo e que se relacionem a suas finalidades essenciais -as quais são definidas pela própria igreja.
O caso do ICMS é um pouco mais polêmico. A doutrina e a jurisprudência não são uniformes. Em alguns Estados, como São Paulo, o imposto é cobrado, mas em outros, como o Rio de Janeiro e Paraná, por força de legislação estadual, igrejas não recolhem o ICMS nem sobre as contas de água, luz, gás e telefone que pagam.
Certos autores entendem que associações religiosas, por analogia com o disposto para outras associações civis, estão legalmente proibidas de distribuir patrimônio ou renda a seus controladores. Mas nada impede -aliás é quase uma praxe- que seus diretores sejam também sacerdotes, hipótese em que podem perfeitamente receber proventos.
A questão fiscal não é o único benefício da empreitada. Cada culto determina livremente quem são seus ministros religiosos e, uma vez escolhidos, eles gozam de privilégios como a isenção do serviço militar obrigatório (CF, art. 143) e o direito a prisão especial (Código de Processo Penal, art. 295).
Na dúvida, os filhos varões dos sócios-fundadores da Igreja Heliocêntrica foram sagrados minissacerdotes. Neste caso, o modelo inspirador foi o budismo tibetano, cujos Dalai Lamas (a reencarnação do lama anterior) são escolhidos ainda na infância.
Voltando ao Brasil, há até o caso de cultos religiosos que obtiveram licença especial do poder público para consumir ritualisticamente drogas alucinógenas.
Desde os anos 80, integrantes de igrejas como Santo Daime, União do Vegetal, A Barquinha estão autorizados pelo Ministério da Justiça a cultivar, transportar e ingerir os vegetais utilizados na preparação do chá ayahuasca -proibido para quem não é membro de uma dessas igrejas.
Se a Lei Geral das Religiões, já aprovada pela Câmara e aguardando votação no Senado, se materializar, mais vantagens serão incorporadas. Templos de qualquer culto poderão, por exemplo, reivindicar apoio do Estado na preservação de seus bens, que gozarão de proteção especial contra desapropriação e penhora.
O diploma também reforça disposições relativas ao ensino religioso. Em princípio, a Igreja Heliocêntrica poderá exigir igualdade de representação, ou seja, que o Estado contrate professores de heliocentrismo.
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Colaboraram os bispos CLAUDIO ÂNGELO, editor de Ciência, e RAFAEL GARCIA, da Reportagem Local