Já que as pesquisas em políticas educacionais, no Brasil, nos últimos tempos, têm, inexplicavelmente, passado ao largo de determinados temas, pesquisadores estrangeiros, de quando em vez, passaram a tratar do assunto. É o que faz Tristan MacCowan, da Universidade de Londres, em reportagem da BBC, focando uma 'questão espinhosa', que, por ideologia e populismo, não tem sido tomada devidamente em consideração: a ampliação do número de cursos superiores. A conferir abaixo.
Para
Tristan MacCowan, professor de Educação e Desenvolvimento da Universidade de
Londres, que há pelo menos uma década estuda a evolução do sistema educacional
brasileiro, alguns desses cursos "não aumentam a capacidade de inovação da
economia, não impulsionam sua produtividade e acabam ajudando a perpetuar uma
situação de desigualdade, já que continua a ser vedado à população de baixa
renda o acesso a cursos de maior prestígio e qualidade".
Aos
poucos, segundo o especialista, estaria sendo consolidado no sistema de ensino
superior brasileiro uma espécie de sistema "dual", no qual os cursos
e universidades mais disputados - públicos e privados - continuariam a receber
principalmente estudantes da elite, enquanto boa parte da população de baixa
renda acabaria em faculdades de segunda classe, "nas quais a experiência
de aprendizagem seria bem diferente".
"Em
muitas das instituições de ensino superior acessíveis a essas classes não há
estímulos para que os estudantes busquem conhecimento fora das salas de aula,
nem oportunidades de pesquisa ou chances para eles expandirem sua experiência
universitária", diz o especialista.
"Muitos
acabam sendo mais uma extensão do ensino básico e fundamental do que uma
faculdade ou universidade propriamente ditas."
Segundo a
última pesquisa do Instituto Paulo Montenegro (IPM), vinculado ao Ibope,
divulgada no ano passado, quatro em cada dez estudantes do ensino superior no
Brasil não são "plenamente alfabetizados" - ou seja, não conseguem
interpretar um texto, gráficos ou tabelas, nem fazer contas matemáticas um
pouco mais complexas - por exemplo, envolvendo porcentagens.
"O
problema é que o domínio da linguagem e da matemática são ferramentas básicas
para que se possa avançar na aprendizagem de conteúdos mais complexos",
diz Ana Lúcia Lima, diretora do Instituto.
'De mentira'
A opinião
de um ex-professor de arquitetura sobre a qualidade dos alunos e do ensino na
faculdade em que ele deu aula por cinco anos dá a medida dos desafios que
envolvem a expansão do acesso à universidade no Brasil: "Esses cursos dão
a muitos jovens uma chance de conseguir empregos que pagam um pouco melhor, mas
quem vive o dia-a-dia de algumas dessas faculdades privadas sabe que
classificá-los como ‘curso superior’ é uma grande mentira", diz ele.
O
ex-professor, de São Paulo, conta que alguns de seus alunos chegavam a sala de
aula sem saber fazer uma equação de primeiro grau ou escrever um texto
"que fizesse sentido" - e boa parte do trabalho do corpo docente da
instituição era tentar suprir as carências de um ensino básico e fundamental
deficiente.
"Havia
alguns alunos bons e muitos problemáticos - e os professores eram pressionados
a aprovar a maior parte dos matriculados mesmo que seu aproveitamento do curso
fosse mínimo", diz ele.
Desde
2001, o número de instituições de ensino superior no país passou de 1.004 para
cerca de 2,5 mil e a quantidade de matrículas mais que dobrou, chegando a 6,7
milhões no ano passado, segundo dados da mais recente Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad).
O relato
do ex-professor, porém, não chega a ser uma surpresa para Tristan MacCowan.
"Não
há como negar que o Brasil fez avanços significativos na expansão do acesso ao
ensino superior - e isso é positivo - mas essa expansão precisava ser
acompanhada de um controle sobre a qualidade das novas instituições e um desenvolvimento
significativo dos mecanismos de regulação e supervisão do setor, o que parece
não ter ocorrido", acredita MacCowan.
Segundo o
especialista, na comparação com outros países, o caso brasileiro se destaca
justamente pela falta de rigidez de sua regulamentação. "Chama a atenção a
facilidade com a qual grupos privados que visam o lucro podem abrir
instituições de ensino no país, por exemplo, - o que implica em riscos
significativos", alerta.
O governo
tem feito um esforço para ampliar a oferta em universidades públicas,
principalmente no interior do país, mas 74,6% dos estudantes ainda estão
matriculados em instituições privadas, segundo a última Pnad, que registrou um
aumento de 1,4 pontos nesse porcentual de 2011 para 2012.
ProUNI
Segundo
especialistas, a expansão da educação superior no Brasil na última década foi o
resultado de dois processos combinados.
De um
lado, em um cenário de maior crescimento e menor desemprego, muitos jovens da
classe C se sentiram estimulados a estudar mais que seus pais para ampliar suas
oportunidades no mercado de trabaho e perspectivas de rendimento.Também
aumentou a quantidade de famílias com recursos para investir em educação - o
que ampliou a demanda por cursos e serviços nessa área.
Simultaneamente,
foram adotadas uma série de políticas públicas para garantir que tal demanda
fosse atendida.
Desde
2007, o Governo Federal procurou ampliar a oferta de vagas na rede pública via
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (Reuni) e universidades federais começaram a adotar sistemas de cotas
raciais ou para alunos de escolas públicas.
Para as
instituições privadas, o maior estímulo foi o Programa Universidade para Todos
(ProUNI), que tem financiado, com bolsas parciais ou integrais, milhares de
estudantes de baixa renda em cursos superiores por todo o país.
Com tais
impulsos, o ensino superior privado tornou-se um dos segmentos mais promissores
da economia brasileira. Em 2012, empresas do setor estiveram entre as que mais
se valorizaram na Bovespa e não demorou muito para que se estabelecesse uma
dinâmica de formação de megagrupos para atender o filão.
Por todo
o país, novas faculdades têm recebido jovens que recebem bolsa do governo ou
trabalham de dia para pagar os cursos que frequentam à noite.
"Temos
pela frente um grande desafio para expandir a qualidade desses cursos e da
formação básica dos estudantes que chegam a suas salas de aula", diz Lima.
"Isso é essencial para evitar que a escolaridade dos brasileiros avance
apenas no papel."
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