A seguir, reproduzo um artigo do Prof. Fabiano Santos (cientista político/UERJ) a respeito do que pode ser designado como 'a má pedagogia política dos protestos'.
Fabiano Santos
“Os
homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem: não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. A frase consta do primeiro
parágrafo da clássica obra de Karl Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte.
Segundo o genial analista político alemão, as circunstâncias são essenciais
para entender o sentido e efeito das escolhas e os cursos de ação tomados pelos
indivíduos e grupos sociais. Circunstâncias podem ser entendidas como um
conjunto de fatores que escapam ao desígnio dos agentes da história, isto é,
que não dependem de sua vontade, mas que, no entanto, serão determinantes para
o resultado final do processo. Processo aqui entendido como conflito, como
disputa e alianças entre indivíduos e grupos tendo em vista a defesa de seus
interesses, valores, ideias e identidades.
Nada
mais importante na atual conjuntura brasileira do que revisitar o ensinamento
de Marx contido em sua brilhante análise de conjuntura. Na França
revolucionária de meados do século XIX, classes e frações de classes, grupos e
facções políticas, cada um agindo na direção de maximizar seus interesses, da
conquista de seus ideias e valores mais caros, acabaram por produzir resultado
não desejado por ninguém, resultado, ademais, que em nada traria de novo na
vida política francesa de então: trouxe sim o retorno do déspota, do estado
autoritário e do golpe como instrumento de tomada do poder. Nem o sobrenome do
ditador, no caso, encerraria alguma novidade.
Por
que o ensinamento é importante para o momento atual, relevante, em suma para se
pensar a política brasileira neste início do século XXI? Total esquecimento dos
achados mais relevantes da obra política de Marx é o mínimo que se pode dizer
sobre a atuação e discurso de boa parte da esquerda brasileira, sobretudo, a
partir das manifestações ocorridas em junho do corrente ano. Quando Marx, no 18
Brumário, se refere às “circunstâncias”, fator chave para o sucesso da ação
política, tinha duas coisas em mente: correlação de forças e estrutura social.
Uma boa estratégia política é aquela que observa seus contendores e possíveis
aliados, bem como os recursos com os quais contam, sendo os atores
participantes do jogo, assim como seus recursos em boa parte decorrência da
estrutura social.
A
estrutura social brasileira hoje é fruto do tipo de capitalismo, com forte
participação do estado, que temos desenvolvido desde a revolução de 30, com
suas transformações e permanências. Seus atores sociais e políticos mais
importantes advêm desta trajetória, sendo qualquer agenda minimamente factível
de desenvolvimento dependente em alguma medida de um comportamento cooperativo
destes. O papel da política democrática, bem como o de suas instituições é
exatamente o de servir de mediação dos interesses em conflito de forma a gerar
pautas socialmente inclusivas e de expansão econômica, pautas que contem com
boas chances de aprovação e realização.
Plausível,
portanto, sustentar que a superação dos obstáculos ao crescimento e ao
estabelecimento de políticas públicas eficientes de inclusão social depende da
criação de contextos de cooperação e explicitação de divergências entre os
principais protagonistas de cena econômica e social. É plausível também
sustentar que a Constituição de 88 fornece excelentes instrumentos aos
governantes para o estabelecimento de tais contextos. Se é assim, a pedagogia
política que ficou das manifestações de junho não é boa. Intolerância, grito e
depredação são seus instrumentos. Idealismo e voluntarismo, sua inspiração
teórica. Decepção e surpresa, a continuar a tergiversação esquerdista, serão
seu provável resultado.
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