quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Thinking, Fast and Slow

Do Blog Acerto de Contas, abaixo está um bom texto de Rodolfo Araújo sobre o livro Thinking, Fast and Slow, do israelense Daniel Kahneman, teórico que combina economia com ciência cognitiva para explicar supostos comportamentos irracionais dos humanos na gestão do risco. 

Thinking, Fast and Slow


Acredito que há dois tipos de livros quando você está aprendendo sobre algum tema: os que lhe dão repertório e os que lhe ajudam a combinar melhor o repertório que você já tem.
Repertório é formado [por] experiências, reais ou fictícias, em torno do objeto que se estuda. Além da incessante exposição a novos estímulos, quanto melhor for sua memória maior será, consequentemente, seu repertório. Para o músico, isto significa escutar canções diferentes, ouvir outras melodias, conhecer ritmos variados. Já o Administrador deve ler cases, desbravar mercados, entender estratégias.
Para Combinar de forma original o Repertório que se tem, é necessário detectar padrões, formar associações, buscar analogias e enxergar onde tudo se encaixa – ou o que pode ser desencaixado. Isto requer, muitas vezes, quebrar convenções e reinterpretar o que já se conhece. É neste momento que o músico experimenta outros instrumentos, refaz arranjos e junta elementos. Ou quando o Administrador mistura o aditivo direto na gasolina, faz um iPod gigante e chama de iPad, ou diz que você tem que pagar antes pela ligação telefônica que ainda vai fazer – se conseguir.
Esta associação entre Repertório e Combinações forma a base da Criatividade.
Acredito, ainda, que há uma terceira classe de livros: os que mudam sua própria forma de pensar, mostram caminhos alternativos para os problemas em mão, dão nova luz ao seu Repertório e outra dimensão às suas Combinações.

É o caso de Thinking, Fast and Slow (FSG, 2011), de Daniel Kahneman.
A obra deste psicólogo israelense, boa parte em parceria com seu compatriota Amos Tversky, formou a base da Economia Comportamental que, recentemente, passou a questionar os antigos dogmas da Economia Tradicional – especificamente os que defendem que a tomada de decisão é um processo puramente racional.
Sua obra seminal, Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk (Econometrica, Vol. 47, No. 2., Mar., 1979, pp. 263-292), estabelece que quando tomamos decisões, nossas preferências não se distribuem de acordo com as probabilidades.
Para entender melhor esta diferença imagine que, para cada par de alternativas abaixo você deva escolher apenas uma delas:
A. 61% de chances de ganhar $ 520.000 ou 63% de chances de ganhar $ 500.000;
B. 98% de chances de ganhar $ 520.000 ou 100% de chances de ganhar $ 500.000.
Se você for como a maioria das pessoas, escolherá a primeira opção no caso A e a segunda no caso B. E, também como a maioria das pessoas, você estaria cometendo um erro lógico e violando as regras da escolha racional.
Esta falha, comum até aos mais experientes economistas, era considerada uma aberração pela Economia Tradicional, mas Kahneman e Tversky foram buscar as explicações psicológicas para entendê-la.
Eles depararam-se, neste processo, com três fatores fundamentais que caracterizam a racionalidade humana:
1. A avaliação sempre tem um ponto de referência neutro: se você ganhar um bônus maior do que o seu colega, ficará feliz; se ganhar menos ficará triste, mesmo que o seu bônus seja o mesmo em ambos os casos.
2. Sensibilidade decrescente: acender uma lanterna num quarto escuro tem um efeito diferente de acendê-la num lugar claro. Do mesmo modo, ganhar $ 1 milhão tem efeitos diferentes para um pobretão e para um bilionário.
3. Aversão à perda: a dor de perder $100 é sempre maior do que a felicidade de ganhar os mesmos $100.
É isto que ocorre, por exemplo, quando damos demasiado valor a um evento cuja probabilidade de ocorrer é de 1% (conhecido como “efeito possibilidade”), mas nos importamos pouco com a diferença entre 99% e 100% de algo acontecer (“efeito certeza”)1
Já o título do livro, diz respeito às duas formas de pensar que convivem nem tão pacificamente em nosso cérebro, no que Kahneman convencionou chamar de Sistema 1 e Sistema 2.
“O Sistema 1 opera automatica e rapidamente, com pouco ou nenhum esforço ou controle voluntário.”
Já o “Sistema 2 aloca atenção ao esforço mental, incluíndo cálculos complexos e suas operações são frequentemente associadas à experiência subjetiva de um agente, de uma escolha e de concentração.”
S1 seria, por assim dizer, a intuição, enquanto que S2 representa um esforço consciente e deliberado de raciocínio.
Kahneman diferencia, no entanto, a intuição treinada da intuição, digamos, aleatória. A primeira representaria um insight rápido, porém baseado em extensa experiência prévia (Repertório!) – como no caso dos jogadores de xadrez ou médicos – enquanto que a segunda representa simplesmente um, ahmmm, chute.
Ao longo do livro, o autor explica detalhadamente como opera cada um dos Sistemas, passando pelos mais conhecidos viéses cognitivos e heurísticas, comoframing, ancoragem, priming, falácia da conjunção, regressão à média, lei dos pequenos números etc.2, transformando o livro num verdadeiro compêndio sobre Economia Comportamental.
Além de escrever em um estilo extremamente agradável, Kahneman impressiona por sua incrível humildade ao relatar suas experiências, descobertas, realizações e,last but not least, fracassos. O que não é pouco considerando que, mesmo sendo psicólogo de formação, ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2002.
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1. Posteriormente, Kahneman e Tversky calcularam experimentalmente como as pessoas encaram, de fato, as probabilidades em cada decisão: chances de 1% têm, na verdade, um peso de 5,5%, enquanto que uma quase-certeza de 99% é avaliada como 91,2% em situações reais.
2. LEIA MAIS:
- Falácia da Conjunção: Heurística I – chutando para fora.
- Regressão à média: regressão à média.
- Lei dos Pequenos Números: O andar do bêbado.


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