quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Steinbeck: Para Um Deus Desconhecido

No idioma original, o livro denomina-se 'To a God Unknown', o que, numa tradução direta, ficaria como 'Para um Desconhecido Deus' - o que parece não ter agradado os tradutores, que preferiram 'Ao Deus Desconhecido'. Seja como for, esta obra do escritor norte-americano John Steinbeck é marcante no que se refere à metafísica do ser humano com a natureza. Abaixo reproduzo uma resenha da mesma. 




Confesso que Ao Deus Desconhecido (1933) é um dos livros do Steinbeck que eu mais gostei de ler. A obra remonta ainda a um Steinbeck mais jovem, tímido em algumas considerações, profundamente poético (não que ele tenha deixado de ser posteriormente, mas essa é uma das marcas mais pujantes de suas primeiras obras), mas já com a capacidade muito interessante de transformar o prosaico em transcendental.
O livro narra a história de Joseph Wayne, um trabalhador rural que vem para a Califórnia (a ensolarada, idílica e fértil Califórnia de Steinbeck) ocupar um pedaço de terra e construir ali sua fazenda e plantar ali suas raízes. Joseph deixara para trás alguns familiares, entre eles o pai, com quem tinha um relacionamento muito afetuoso. As terras a oeste se apresentavam como promessa de boas oportunidades e de bom lugar para se estabelecer um lar. O protagonista da obra de Steinbeck provavelmente seguiu os passos de tantos outros que engrossaram as caravanas da “marcha para o oeste”, em um trecho que se assemelha ao que os Joad percorreriam posteriormente quando de sua jornada errante pelos Estados Unidos em busca de meios para subsistir.
Esse livro se baseia bastante na descrição afetuosa da vida “camponesa”, do trato com a terra e com os animais, construindo a respeito da vida rural uma imagem bastante favorável e humana, em que os homens mantinham um contato muito forte com o solo e com os frutos da terra. Essa ligação, já presente em O Menino e o Alazão, ganha em  Ao Deus Desconhecido uma dimensão mística. Se no primeiro Steinbeck mostra com certo exagero romântico a história de Jody e seu cotidiano na fazenda como experiência ontológica; no segundo, ele explora a dimensão espiritual, cujos mistérios de fartura se constituem em verdadeiros elementos religiosos.
Nesse clima, é que Joseph, ao ter se assentado no território, o lavrado, construído sobre ele sua casa e nele iniciado suas criações, encontra em um velho carvalho a manifestação metafísica de seu falecido pai. O carvalho se transforma assim em um lugar de culto, de modo que sob sua sombra (na qual se encontra a casa de Joseph) nada de ruim acontece, visto que o espírito do pai não o permitiria.
Aliás, creio ser esse um dos emblemas mais significativos dessa reverência de Steinbeck com relação à natureza, ao solo e ao ambiente rural, bem como ao modo de vida que neles se constitui. O espírito do pai não “encarna”, ele “entronca” ou “arboriza-se”! Trocadilhos ou neologismos infelizes à parte, isso é bastante significativo. A árvore, esse elemento tão simbolicamente não-citadino, é que se constitui a entidade protetora do lugar, o pai de Joseph volta para zelar pelo filho, mas através da forma de uma árvore.
O mesmo sentimento de reverência está presente na clareira que Joseph encontra em suas andanças pelas terras: ela se assemelha a um altar de sacrifício, é nela que o personagem se depara com uma natureza exuberante e um touro negro de pelo lustro, simbolizando, talvez, sua virilidade e a fertilidade da terra. Cada vez que Steinbeck se põe a descrever a clareira ou aspectos gerais da terra de forma mais extensiva, é como se o fizesse não de chapéu na cabeça, mas na mão, em sinal de respeito e, porque não dizer, certo temor dessa divindade tão evidente e ao mesmo tempo tão misteriosa que se esconde nas entranhas da terra.
Uma narrativa agradável e permeada de uma sensibilidade que emociona, Ao Deus Desconhecido é mais uma daquelas obras que foram relativamente ofuscadas pelo brilho de outra que foi tida como cânone. Sem querer hierarquizar ou discutir méritos de uma e outra como forma de confronto puro e simples, essa resenha tentou resumir e quis expressar as potencialidades e limitações dessa obra, alertando para o lugar que ela ocupa na produção de John Steinbeck e convidando o leitor a experimentar a mesma contemplação e encantamento que Steinbeck sentiu em relação à terra e sua fertilidade, esse “deus desconhecido”.
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