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Com as suas três ecologias, Félix Guattari bem expressou a dimensão da problemática que
    envolve o assunto e, ao mesmo tempo, aportou subsídios para se questionar
    os lugares-comuns no debate sobre meio ambiente. 
Isto é, trata-se de entender que, não obstante a importância do tema, as
    discussões sobre a questão ecológica, por vezes, se têm limitado, de um
    lado, a reproduzir chavões e, de outro, têm levado a efeito abordagens que
    enviesam a compreensão do que está em pauta. 
Neste último caso, o fato é uma decorrência de se adotar enfoques
    disciplinares (apenas de uma área do conhecimento) para um tema que, de per
    si, é marcado pela pluralidade epistêmica, demandando, por exemplo, a
    necessária interconexão entre as ciências físico-naturais e as ciências
    sociais/humanas. 
Ao realçar os escopos de uma ecologia do meio ambiente, das relações
    sociais e da subjetividade humana, Guattari apreende a questão como
    totalidade e nomeia como ecosofia a relação entre estas três ecologias. As
    conseqüências dessa formulação, para o agir concreto, são óbvias, como logo
    perceberão os que têm treino no assunto. De tão evidentes, não convém repisá-las em pormenor,
    até porque, para as mentes versadas nos jogos do espírito, fica sempre subentendido
    que as teses são propostas cum grano
    salis. Contudo, permitimo-nos pôr em relevo duas decorrências
    interligadas. 
A primeira concerne ao papel da educação. Sabendo-se que esta, dizendo
    respeito à dimensão escolar e não-escolar, consubstancia relações de
    sociabilidade que, ao fim e ao cabo, estruturam padrões societais (afinal,
    a repetição da ação configura a estrutura), é imprescindível que ela seja
    mobilizada como dispositivo de persuasão social (o que não significa
    normatividade curricular formal) na consecução da agenda de consciência
    ecológica. 
A segunda refere-se às iniciativas do campo da saúde. Além das variáveis
    que o relacionam ao meio ambiente em si, é de se reter - quando temos em
    conta que a ecosofia pressupõe relações sociais e subjetividade humana  que os serviços de saúde têm uma imprescindível função a
    desempenhar nas atividades de cidadania
    ecológica, nomeadamente no que toca ao aspecto
    preventivo. O que requer interação, diálogo, portanto trabalho educativo
    junto à população. 
Ainda no que toca ao campo da saúde, também não se pode colocar de parte
    que determinados estados fisiológicos não são dados completamente
    objetivos, como mostram vários trabalhos psicossociológicos, mas, sim,
    exigem interpretação relacionada aos contextos sociais nos quais são
    produzidos. 
O que significa dizer que devem ser focados a partir do âmbito cultural, ou
    seja, impõe-se que a educação seja acionada. A propósito, não é de se
    esquecer a célebre pesquisa de Howard Becker mostrando que a satisfação invocada
    pelos usuários de maconha não é imediata. É produto da aprendizagem
    resultante da pertença a um grupo de fumantes. 
Tal é a démarche que se impõe para a superação dos lugares-comuns e dos
    entendimentos enviesados em torno da problemática ecológica. São abordagens
    que, apesar de vislumbrarem os perigos mais evidentes que ameaçam o meio
    ambiente natural das sociedades, geralmente se limitam a focar os danos
    industriais e, mesmo assim, numa perspectiva tecnocrática. É necessário ir
    além disso. 
O problema fundamental está colocado em outro patamar, expresso, por
    exemplo, num desafiante paradoxo: por um lado, tem-se o desenvolvimento
    contínuo de novos meios técnico-científicos capazes de atender às demandas
    ecológicas e determinar o (re)equilíbrio das atividades socialmente úteis
    para o planeta; por outro lado, porém, verifica-se a indisposição sistêmica
    no sentido de os utilizar nesse sentido. 
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Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/imprimir.jsp?id=60159 
 
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