Texto retirado do baú. Escrevi-o para a Revista Portuguesa A Página da Educação.  
Trinta raios rodeiam um eixo, 
mas é onde os raios não raiam 
que a roda roda. 
Vaza-se a vaza e se faz o vaso, 
mas é o vazio que perfaz a vasilha. 
Casam-se as paredes e se encaixam portas, 
mas é onde não há nada que se está em casa. 
Falam-se palavras e se apalavram falas, 
mas é no silêncio que mora a linguagem. 
O ser faz a utilidade, 
mas é o não-ser que perfaz o sentido. 
Do Tao-te King, de
Lao Tsé 
                                                                                                                                Ivonaldo Leite   
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“Senhoras e Senhores, vamos começar
  moderadamente. Mas também com vigor e ousadia. Vamos começar com os sonhos.
  Não sonhamos apenas durante a noite. Sonhamos também durante o dia, embora
  não se investigue com igual energia o sonho diurno. Chega-se mesmo a
  reduzi-lo a um simples prelúdio do sonho nocturno. Entre ambos há distinções
  consideráveis. No sonho diurno, o eu não desaparece.
  Mantém-se bem vivo e sem exercer nenhuma censura. A ponto de os desejos tanto
  mais funcionarem. Serem mais visíveis, do que no sonho nocturno.
  Apresentarem-se sem máscara nem vergonha. Livres de inibições. Corajosamente.
  As ruas vivem cheias de gente com sonhos diurnos”.  
Essas são as palavras iniciais de Ernst Bloch pronunciadas
  numa Conferência a respeito do ser humano como possibilidade. De Bloch, entre
  muitas coisas, pode dizer-se que foi um daqueles que, com palavras e com
  actos, pôs a descoberto o sentido quotidiano da utopia, da esperança, do
  sonho. Nasceu na Alemanha, em 1885, onde estudou filosofia, filologia, música
  e física. Em Berlim, conviveu com Simmel; em Heidelberg, tomou parte nos
  famosos círculos de conversas de Weber, dos quais também participava Lukács.
  Como pacifista que era, viu-se obrigado a passar o fim da Primeira Guerra
  Mundial na Suíça. Voltou à Alemanha em 1920, mas em 1933 os seus livros foram
  queimados em praça pública pelos nazistas. Exilou-se na Áustria, o que,
  claro, foi insuficiente. Seguiu-se a mudança para os Estados Unidos.
  Regressou à sua pátria em 1949. 
O seu primeiro livro (Princípio
  da Utopia), publicado em 1923 na Suíça, já contém, em germe, toda uma
  concepção filosófica que será desenvolvida em sua obra principal, ou seja, o Princípio
  da Esperança. Na verdade, toda a reflexão filosófica de Bloch é
  uma busca de tematização ontológica do sujeito, dado que, para ele, é a
  subjectividade que atribui sentido ao mundo. E isto é deste modo porque, pela
  óptica blochiana, é ela, a subjectividade, que encarna as possibilidades de
  futuro que constituem a própria realidade. O futuro vem a ser a dimensão
  própria do sujeito, da consciência. 
Bloch procura dissimular o poder criador da práxis do sujeito no pressuposto de uma materialidade avivada por um sentido que se desdobre através dos seres humanos e sua consciência. O que se tem, portanto, não pode ser outra coisa: Estamos perante uma ontologia que se constrói como justificativa de uma proposta ética da mudança, para que homens e mulheres venham a ser aquilo que ainda não o são. O seu conceito de utopia nasce dessa ontologia, e, desse modo, ele, o conceito, difere da conotação tradicional do termo. Nada mais, nada menos porque, na acepção blochiana, a primeira função da utopia é a de manifestar aos outros, ou a um outro, que o real não se esgota no imediato. Quer dizer, o real é mais do que o agora: ele aponta, pela via do possível, para o que ainda não existe. A utopia nega a realidade e mostra que o real está prenhe de possíveis. 
A démarche blochiana conduz-nos à busca de um ânimo subjectivo no interior
  da própria materialidade, como substrato ontológico da praxis e não como
  produto da praxis e da dialéctica ontológica que ela produz. A matéria é
  espiritualizada para ontologizar a dialéctica do sujeito. A qualificação da
  matéria apresenta-se como uma espécie de tradução da projecção da
  consciência. 
Dessa maneira, o ser humano é entendido como devir, encarnado em possibilidades objectivas. A força do impulso que empurra o ser para o que ainda não é, torna-se a substância comum do mundo, dos homens e das mulheres. É assim. A esperança é uma forma de conhecimento da dimensão possível presente no próprio real. E se o possível é parte integrante da realidade, ele é objecto do conhecimento. 
O educador é alguém, portanto, a
  quem se demanda empenho na interpretação dos sinais dos tempos. Entre as suas
  incumbências, tem a tarefa de distinguir onde estão as possibilidades de
  realização dos seres humanos e para onde eles conduzem o nosso tempo, pois,
  mesmo perante conjunturas indecisas e adversas, os sonhos diurnos
  não desaparecem do quotidiano: o princípio da esperança. O não deste é um
  ainda-não, ao invés do não-nunca do niilista. Um graal a conquistar,
  poder-se-á dizer, à maneira da sabedoria dos surrealistas. 
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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
O educador, o ser e o graal a conquistar: na senda dos sinais do tempo
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