domingo, 30 de abril de 2017

Um rapaz latino-americano: shanti, shanti, shanti

A música de Belchior foi, é e continuará sendo, ao mesmo tempo, a expressão de uma 'estética singular', uma manifestação poética perante as turvas nuvens da realidade e uma companhia para muitos que, em dias e noites, apreciam conviver consigo próprio. 'Que a terra lhe seja leve.'


Maturidade, razão e intoxicação

O ódio à razão, tão frequente nos nossos dias, é devido em grande parte ao fato dos movimentos da razão não serem concebidos duma forma suficientemente fundamental. O homem dividido contra si mesmo procura estímulos e distrações; ama as paixões fortes, não por razões profundas, mas porque momentaneamente elas lhe permitem evadir-se de si próprio e afastam dele a necessidade de pensar. 
Toda paixão é, para ele, uma forma de intoxicação, e desde que não pode conceber uma felicidade fundamental, a intoxicação parece-lhe o único alívio para o seu sofrimento. Isso, no entanto, é o sintoma duma doença de raízes profundas. Quando não há tal doença, a felicidade provém da plena posse das suas faculdades. É nos momentos em que o espírito está mais ativo, em que menos coisas são esquecidas, que se sentem alegrias mais intensas. Esta é, sem dúvida, uma das melhores pedras de toque da felicidade. A felicidade que exige intoxicação de não importa que espécie, é falsa e não dá qualquer satisfação. A felicidade que satisfaz verdadeiramente é acompanhada pelo completo exercício das nossas faculdades e pela compreensão plena do mundo em que vivemos.” 

(Bertrand Russell, in The Conquest of Happiness)  

sexta-feira, 28 de abril de 2017

O mundo do trabalho do século XXI e os descaminhos da reforma trabalhista

Por Laura Carvalho 
(Faculdade de Economia - USP)

Reagindo à greve geral convocada para esta sexta-feira (28) contra as reformas do governo Temer, o prefeito João Doria declarou que a "reforma da Previdência não afeta ninguém" e que a trabalhista muda uma "legislação arcaica que prejudica a todos".
Segundo ele, a lei trabalhista atual "não protege o trabalhador. Ela prejudica, à medida que não gera mais empregos".
Poucos temas na economia são mais controversos do que os efeitos da flexibilização de leis trabalhistas sobre a criação de postos de trabalho.
Os estudos existentes para sustentar a hipótese defendida por Doria carecem, no mínimo, de robustez estatística. A proliferação de estudos sugerindo o contrário —ou seja, que a desregulamentação do mercado de trabalho não eleva, ou até prejudica, o nível de emprego— parece ter levado a uma mudança de posição até mesmo de alguns organismos multilaterais que costumavam preconizar maior flexibilidade.
O relatório de 2003 do Banco Mundial "Economies Perform Better In Coordinated Labor Markets" concluiu, por exemplo, que, "ao nível macroeconômico, taxas maiores de sindicalização levam a uma menor desigualdade nos rendimentos e podem aumentar a performance econômica (na forma de taxas menores de desemprego e inflação e resposta mais rápida aos choques)".
Mas o debate sobre o suposto dilema entre garantir direitos de trabalhadores e aumentar o dinamismo e a eficiência econômica ganhou complexidade com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação e com a chamada "uberização" no mercado de trabalho.
Como apontam Jacques Barthélémy e Gilbert Cette no livro "Trabalhadores no Século 21", trabalhadores independentes do ponto de vista jurídico também ficam frequentemente em situação de dependência econômica em relação às empresas prestadoras, que detêm o poder de fixação de preços, sanção e interrupção das relações de trabalho.
A greve de motoristas de Uber em dezembro de 2016 em Paris trouxe à tona esse desequilíbrio e jogou ainda mais luz em um desafio hoje global: como adaptar-se à criação dessas novas atividades sem desproteger e precarizar trabalhadores?
O caminho defendido por Barthélémy e Cette não é nem transformar todos os trabalhadores independentes em assalariados nem manter o status quo. O que os autores propõem é a garantia de direitos a todos os trabalhadores em estado de subordinação —assalariados ou não.
Para eles, um código amplo de novos "direitos da atividade profissional", que não substitui os direitos dos trabalhadores assalariados, teria de preservar para o chamado "cidadão-trabalhador" o direito à saúde, à renda razoável e à aposentadoria digna, além de impedir a ruptura de contratos de um dia para o outro, por exemplo.
Construir uma agenda para a modernidade não significa, portanto, confundir trabalhadores autônomos em clara situação de dependência econômica com os empreendedores altamente qualificados da era da internet e do "home office", que também proliferam em todo o mundo.
Em ambos os casos, "não ter patrão" pode até ser objeto de escolha —em um contexto de desemprego crescente e falta de oportunidades no mercado formal de trabalho, fica mais difícil dizer—, mas há graus distintos de subordinação.
No Brasil, a criação do status de MEI (microempreendedor individual) e a PEC das Domésticas, por exemplo, aprofundaram o debate sobre essa agenda, concordando-se ou não com o formato final das legislações.
Na reforma trabalhista, aprovada na Câmara nesta quarta (26), por sua vez, além da falta de debate com a sociedade, não há modernidade alguma. Afinal, não há nada de mais arcaico do que aumentar ainda mais o poder dos que já o têm de sobra. 

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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/. Título original: 'Reforma trabalhista não responde aos desafios do século XXI'. 

quarta-feira, 26 de abril de 2017

O cérebro da dor, da alegria, da aprendizagem e da razão: esboços de neurosociologia na obra de António Damásio

No IX Congresso Basco de Sociologia, Vicente Huici  Urmeneta (Universidad de Deusto) apresentou um trabalho relacionando Ciências Humanas e Neurociências,  para assinalar a configuração do campo denominado Neurosociologia. Um campo emergente, e praticamente sem desenvolvimento, por exemplo, no Brasil. Em outras realidades, tem sido chamado de Social Neuroscience. Seja como for, é uma incursão com significativos reflexos em diversas áreas do conhecimento, como a educação. No referido sentido, é possível encontrar na obra do português António Damásio consideráveis esboços de uma perspectiva neurosociológica (além do seu contributo para a filosofia da mente). A propósito, vai um texto aí abaixo, seguido de uma entrevista com ele. 


Por  Nythamar de Oliveira (Ph.D, State University of New York;  
pesquisador do CNPq e Professor de Ética e Filosofia Política na PUCRS)

Desde os anos 1950 e 1960, pesquisas em neurociências já evidenciavam problemas incontornáveis em modelos variantes do dualismo substancialista (isto é, de uma substância pensante, racional, em oposição a uma substância corpórea, material, animada pela alma) e vários outros surgiram nas décadas seguintes, com propostas alternativas, mas que apenas reformulavam o dualismo ou reduziam os processos mentais a padrões de comportamento condicionado (behaviorismo), a uma teoria da identidade (entre mente e cérebro), aos estados físicos do cérebro (fisicalismo) ou aos papéis causais e funcionais numa economia complexa de estados internos, mediando entradas (inputs) de dados sensoriais e saídas (outputs) comportamentais (funcionalismo), assim como os reducionismos materialistas que propunham eliminar as explicações que aludem aos estados psicológicos (materialismo eliminacionista).
A obra de Damásio suscitou uma profícua interlocução da neurociência com a filosofia da mente, sobretudo com a neurofilosofia, após a publicação da obra seminal de Patricia Churchland, Neurophilosophy (1986), definida como o estudo filosófico das neurociências, correlato ao estudo neurocientífico da filosofia da mente e da linguagem. Assim, desde uma perspectiva neurofilosófica, as neurociências e ciências cognitivas se prestam ao estudo interdisciplinar dos processos mentais, ou, em termos neurocientíficos, dos processos cerebrais e redes neurais nas complexas dimensões interativas do cérebro e da mente com o meio físico, social e cultural.
Os problemas metafísicos do dualismo e do self ("eu") são destarte explorados e revisitados à luz das ciências cognitivas e neurociências, delimitando o estado da arte relativo ao problema da normatividade como uma de suas principais linhas de pesquisa, contrapondo modelos naturalistas e culturalistas, na medida em que lidam com questões de neurociência, biologia evolucionista, evolução social e progresso moral.
Pela sua original e audaciosa articulação entre neurobiologia e evolução social, Damásio contribuiu também para a consolidação da neuroética, em seus dois campos principais: (1) enquanto reflexão bioética e ético-normativa sobre as novas técnicas e inovações tecnológicas produzidas pela neurociência e (2) numa abordagem moral de problemas da chamada filosofia da mente, psicologia moral e, mais recentemente, da psicologia social e da epistemologia social. Com efeito, as pesquisas multidisciplinares e transdisciplinares da neurociência e da neurofilosofia nessas décadas acabariam por favorecer a convergência em sua dimensão social e pluralista, para além dos reducionismos naturalistas e fisicalistas das primeiras décadas, com a investigação interdisciplinar de processos decisórios à luz da correlação neurocognitiva entre razão, emoção e consciência.
De acordo com Damásio, "a compreensão cabal da mente humana requer a adoção de uma perspectiva do organismo... não só a mente tem de passar de um cogitum não físico para o domínio do tecido biológico, como deve também ser relacionada com todo o organismo que possui cérebro e corpo integrados e que se encontra plenamente interativo com um meio ambiente físico e social". (Damásio, 2005, p. 282)
De resto, Damásio assume que as bases filosóficas e cognitivas das decisões morais estão no centro das discussões sobre a natureza humana, na medida em que a moralidade evolui como um dos elementos que diferenciam os seres humanos dos outros animais, como tem sido argumentado por autores com propostas tão diferenciadas quanto Aristóteles, Hume e Kant. As decisões morais têm, afinal, um papel central na definição do ser humano; ela está no cerne de tomadas de decisão que nos definem em relação a questões culturais, questões de relacionamento pessoal e de escolhas políticas e cotidianas que, por fim, ajudam a definir o self em relação aos outros e dentro de um milieu específico.
Assim como estabelece a correlação entre razão prática e emoção, Damásio associa a consciência à noção de tomada de decisão, bem como ao planejamento em diferentes escalas de tempo, criação de possibilidades de interação com o meio e seleção de cursos de ação – sendo todas as etapas do processo interligadas. Damásio logra, assim, articular processos sociais, intersubjetivos, e processos neurobiológicos, que explicam a evolução do cérebro humano e a emergência da consciência, do "eu", da memória, da linguagem, da subjetividade e suas representações e construções criativas e portadoras de significado: "Se a consciência não se desenvolvesse no decorrer da evolução e não se expandisse em sua versão humana, a humanidade que hoje conhecemos, com todas as suas fragilidades e forças, nunca teria se desenvolvido também". (Damásio, 2011, p. 17)
Trata-se de evitar, por um lado, as idealizações a priori do dualismo cartesiano que persistem em modelos tradicionais da teoria da escolha racional (rational choice), e por outro lado, o relativismo, o niilismo e o decisionismo morais de posturas culturalistas que rechaçam qualquer possibilidade de embasamento racional ou normativo em processos decisórios. Segundo Damásio, a observância de convenções sociais e regras éticas previamente adquiridas poderia ser perdida como resultado de uma lesão cerebral, mesmo quando nem o intelecto de base nem a linguagem mostravam estar comprometidos, como era o caso de Phineas Gage, em quem apenas o comportamento social parecia ter sido afetado. (Damásio, 1994, p. 31)
Ainda de acordo com os experimentos de Damásio, a escolha de uma decisão qualquer ou de um curso de ação referente a um problema pessoal em que o sujeito está devidamente inserido em seu meio social (complexo, mutável e incerto), requer dois elementos: 1) amplo conhecimento de generalidades; 2) estratégias de raciocínio que operem sobre este conhecimento. Assim, não podemos reduzir os processos decisórios a uma suposta racionalidade pura, sem levar em conta as emoções, os sentimentos e o contexto sociocultural.
Quando identifica uma base emotiva natural para os sentimentos e juízos morais, o naturalismo inerente a abordagens analíticas e hermenêuticas da filosofia da mente não poderia destarte excluir nenhum nível axiológico ou normativo de autocompreensão. Tal abordagem naturalista ainda prescindiria, neste caso, de uma justificativa para a sobreposição valorativa da normatividade com relação a estados de coisas encontrados ou até mesmo socialmente construídos da realidade. A persistência de uma crítica ao naturalismo consiste precisamente em reconhecer que mesmo que admitamos a "sobreveniência" (supervenience) de valores morais com relação a fatos, eventos ou propriedades naturais, físicas ou biológicas, ainda assim não seria possível reduzir propriedades morais a tais estados de coisas. 
Segundo a concepção integrada de emoções e valores normativos em Damásio, um naturalismo mitigado equivale a reconhecer que, embora sejam socialmente construídos, valores morais, práticas, dispositivos e instituições como família, dinheiro, sociedade e governo, não podem ser reduzidos a propriedades físicas ou naturais, mas também, por outro lado, prescindem das mesmas na própria constituição de seus elementos intersubjetivos de autocompreensão – daí o adjetivo "mitigado" (weak) para diferenciá-lo de um naturalismo reducionista (fisicalismo) e de um construcionismo subjetivista, relativista ou pós-moderno. Assim como Damásio o mostrou, uma teoria emocionalista-sentimentalista da moral logra articular razão, emoção e processos de tomada de decisão em termos empírico-filosóficos, na medida em que sentimentos cognitivos prescindem de um nível reflexivo, que nem sempre se encontra nas emoções, particularmente, nas "emoções primárias". (Damásio, 1999).
Segundo Damásio, o sentimento emocional é a percepção, no neocórtex, das respostas corporais aos estímulos imediatos, através dos centros cerebrais inferiores. As emoções têm função social e papel decisivo no processo de interação e integração sociais. As emoções são adaptações singulares que integram o mecanismo com o qual os organismos regulam sua sobrevivência orgânica e social. Damásio faz uma distinção entre sentimento (experiência mental da emoção) e emoção (conjunto de reações orgânicas), de forma a estabelecer os fundamentos biológicos que ligam sentimento e consciência. Em um nível básico, as emoções são parte da regulação homeostática e constituem-se como um poderoso mecanismo de aprendizagem. Ao longo do desenvolvimento, "as emoções acabam por ajudar a ligar a regulação homeostática e os 'valores' de sobrevivência a muitos eventos e objetos de nossa experiência autobiográfica". (Damásio, 2000, p. 80) 
As emoções fornecem aos indivíduos comportamentos voltados para a sobrevivência e são inseparáveis de nossas ideias e sentimentos relacionados com a recompensa ou punição, prazer ou dor, aproximação ou afastamento, vantagem ou desvantagem pessoal etc. na medida em que a base neural desses eventos nos permite distinguir três etapas de processamento que fazem parte de um contínuo: "Um estado de emoção, que pode ser desencadeado e executado inconscientemente; um estado de sentimento, que pode ser representado inconscientemente, e um estado de sentimento tornado consciente, isto é, que é conhecido pelo organismo que está tendo emoção e sentimento". (Damásio, 2000, p. 57)
A emoção desencadeada por determinado estímulo dá origem a "programa de ações", diferentes conforme o tipo de emoção, que provocam alterações no rosto, no corpo ou no sistema endócrino (estratégias ativas). O corar de um rosto, a tensão muscular, o aumento do ritmo cardíaco, ou o aumento da secreção de determinado hormônio são exemplos dessas alterações fisiológicas. Damásio destaca o valor adaptativo das emoções e de sua função na interação social, e propõe uma classificação em termos de três tipos de emoções: de fundo (emoções mais vagas, como o entusiasmo e o desencorajamento), primárias (mais pontuais, como a tristeza, o medo, a raiva ou a alegria) e sociais (resultantes de um contexto sociocultural – como a empatia, a compaixão, a vergonha ou o orgulho).

As emoções básicas (alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa, repugnância) são consideradas universais pelo reconhecimento através da expressão facial e são geradas por situações extremas, sendo o seu contágio entre os membros de um grupo social um potencial catalizador de comportamentos coletivos, como atestam os protestos e as manifestações que sacudiram todo o Brasil recentemente. Num de seus mais fascinantes e polêmicos livros, Damásio evoca o exemplo instigante de Espinosa que, numa época de grande intolerância e obcurantismo no século XVII, ousou defender a liberdade da mente humana, integrada aos seus contextos naturais e sociais, de forma a suplantar, numa democracia, "o lado escuro das emoções sociais que se exprimem no tribalismo, racismo, tirania e fanatismo religioso". (Damásio, 2003, p. 289).


Referências Bibliográficas

António DAMÁSIO, O Erro de Descartes: Emoção, razão e o cérebro humano. 2a. edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. (Original em inglês: Descartes' Error: Emotion, reason, and the human brain. New York: Putnam, 1994).
António DAMÁSIO, O Mistério da Consciência: Do corpo e das emoções do conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. (Original em inglês: The feeling of what happens: Body and emotion in the making of consciousness. New York: Harcourt Brace, 1999). 
António DAMÁSIO, Ao Encontro de Espinosa: As Emoções Sociais e a Neurobiologia do Sentir. Mem Martins: Publicações Europa-América, 2003. (Original em inglês: Looking for Spinoza: Joy, sorrow and the feeling brain. New York: Harcourt Brace, 2003).
António DAMÁSIO, E o cérebro criou o Homem. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. (Original em inglês: Self Comes to Mind: Constructing the Conscious Brain. New York: Pantheon, 2010).




segunda-feira, 24 de abril de 2017

Contudo, move-se: incursões galileianas

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Todos os corpos caem na mesma velocidade, que é proporcional ao tempo da queda.
Na teoria que ficou conhecida como “lei da queda dos corpos”, Galileu propôs que a velocidade de corpos em queda era determinada pela gravidade, não pelo peso de cada objeto. O experimento foi revisitado por estudiosos como Isaac Newton e Albert Einstein, que acabou criando a Teoria Mecânica do Cosmo. 

Em questões de ciência, a autoridade de milhares não vale o humilde raciocínio de um único indivíduo.  
Além de físico e astrônomo, ele também ajudou a introduzir conceitos de filosofia natural, que aborda a natureza do movimento e os princípios do mundo material. Realizando experimentos com um pêndulo, por exemplo, Galileu observou que o tempo de balanço de um objeto não muda de acordo com seu tamanho ou peso, mas com a extensão de sua trajetória. A descoberta costuma ser chamada de lei do “isocronismo” e indica como funcionava a linha de raciocínio do cientista.

Contudo, move-se!
Após ter sido excomungado pela Igreja Católica e condenado por defender a teoria de que a Terra gira em torno do Sol, Galileu foi obrigado a desmentir o conceito publicamente em 1633. Não há comprovações, mas a frase atribuída ao cientista teria sido dita logo depois, sugerindo outra hipótese bastante polêmica para a época: o planeta vive em constante movimento e não é fixo, como acreditavam. 
Seu principal predecessor, o matemático Nicolau Copérnico foi um dos primeiros a questionar a antiga ideia de que a Terra “habita” o centro do universo, com o princípio do heliocentrismo.

Meça o que pode ser medido e torne mensurável o que ainda não pode.
Enxergando através de seus telescópios, Galileu conseguiu entender a incrível dimensão dos planetas e foi um dos primeiros astrônomos europeus a observar e estudar manchas solares, marcas escuras de formato irregular na superfície do Sol. 
Suas observações também renderam a descoberta de que Saturno não tem apenas uma lua, mas três, que quase se tocam, nunca mudam de posição entre si e estão posicionadas da seguinte forma: “oOo”. Além disso, ele também descobriu as famosas luas de Júpiter, que, segundo astrônomos, podem até abrigar vida

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Fonte: Revista Galileu


domingo, 23 de abril de 2017

'Levantar à vista: daqui a nada, tudo'

De Herberto Helder, 'Levanto à vista', dito por Fernando Alves. 


sexta-feira, 21 de abril de 2017

O mistério de cada um: cérebro e ciência social

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Por Stephen Turner
(Universidade do Sul da Flórida/EUA) 

O cérebro é um objeto natural de grande complexidade, com mecanismos físicos identificáveis - sinapses, reações químicas etc. - e com uma diferenciação espacial que corresponde a várias funções cognitivas e corporais. Os mecanismos podem ser ativados e a geografia do cérebro pode ser mapeada por meio de experimentos que se aproximam das experiências reais e das atividades cerebrais que ocorrem fora do laboratório. Dessa forma, podemos estabelecer correspondências entre, por um lado, as descrições que fazemos com a linguagem ordinária - isto é, a linguagem da intenção, do ver, do falar, do tomar decisões etc. - e, por outro, os processos e as características físicas do cérebro. Em geral, as correspondências são surpreendentes ou não muito exatas; funções que parecem diferentes se mostram intimamente relacionadas no nível neuronal, ou coisas que consideramos redutíveis entre si, ou dois lados da mesma moeda, parecem envolver processos inteiramente diferentes. Algumas coisas, como a consciência, parecem não apresentar uma correspondência clara. Mas as correspondências continuam sendo estabelecidas e algumas velhas ideias, como a noção de que as pessoas são motivadas ou são recompensadas com a sensação de prazer pelos atos de altruísmo, revelam ter uma correspondência no cérebro. Surpresas também surgem, como o caso da crueldade empática, em que algumas pessoas reagem com prazer ao sofrimento dos outros, ou aquele em que a experiência de realizar uma ação intencional se revela um truque aplicado em nós pelo cérebro.
Há outra relação de correspondência que também foi importante para a teoria social, especialmente no final do século XIX e início do XX: a correspondência entre, de um lado, a sequência lógica e teórica do desenvolvimento da mente na criança, especialmente o desenvolvimento do sentido do self e da compreensão de outras mentes, e, de outro, o desenvolvimento real das fases observáveis na criança. Os dois processos estão relacionados - os mecanismos pelos quais a criança acessa o mundo, aprende e constrói o selftambém podem ter uma correspondência no cérebro -, mas a sequência em que o do desenvolvimento ocorre nos diz algo sobre de que modo um processo é condição do outro.
Nesses processos de correspondência, na parte que não diz respeito ao cérebro, somos limitados pelo que temos disponível e, na parte do cérebro, por nossa tecnologia. Essas limitações suscitam problemas interessantes. Caso não se consiga encontrar um correlato neuronal para nossos conceitos ordinários, o que isso significa? E se nossas experiências não tiverem um correlato plausível dado pela ciência cognitiva? Isso significa que há algo "irredutível" a respeito da mente? Essas questões ditaram muito do tom dos debates na área, especialmente dos debates filosóficos. Entretanto, elas parecerão diferentes e terão outro significado se nossos propósitos forem diferentes.

Kant e a ciência social
Um desses propósitos, que seria inteiramente normal para um teórico social do século XIX, é o de estabelecer a correspondência entre processos cerebrais e estágios de desenvolvimento da criança, por um lado, e processos e fatos sociais observáveis, por outro. Por que essa abordagem desapareceu? E por que retornou? A resposta a esta questão exigiria um longo excurso na história da sociologia e da ciência social e, mais importante, na história da filosofia. Mas é uma questão digna de ser formulada. Grande parte do que os acadêmicos consideram a forma normal de se falar sobre a vida social, como o conceito de cultura, é produto da rejeição à abordagem da "correspondência". Assim, formular a questão já é problematizar o "modelo padrão de ciência social" (Tobby e Cosmides 1992; Simpson et al., 2007, pp. 4-6).
As respostas da "filosofia" e a da ciência social a por que essa abordagem desapareceu no início do século XX têm muito a ver entre si. A relação é bem resumida pela atitude do geógrafo e antropólogo Franz Boas, que ao viajar para viver entre os esquimós levou consigo a Crítica da razão pura, de Kant. É simplista, mas ainda assim verdadeiro, afirmar que o modelo padrão de ciência social está baseado em uma abordagem da cultura que a torna algo como as categorias e os pressupostos que Kant atribuiu à mente que conhece. A conexão entre Kant e o problema da cultura e da sociedade foi tratada por Durkheim e, de forma mais explícita, por Georg Simmel, especialmente no texto "Como a sociedade é possível" (Simmel, 1910, p. 373): "A questão 'como a natureza é possível?', isto é, quais são as condições que devem ser satisfeitas para que uma "natureza" possa ser dada, é resolvida por ele mediante a descoberta das formas que constituem a essência de nosso intelecto e que realizam a 'natureza' como tal". Simmel presume que "é possível tratar de forma análoga a questão das condições a priori da possibilidade da sociedade" (Idem, ibidem).
Como essa analogia é elaborada? A ideia de Kant é a de que todos temos o mesmo intelecto essencial. Isso parece implicar que as condições a priori da possibilidade da sociedade também precisariam ser essencialmente as mesmas para todos na sociedade. Dito de forma mais simples, a "sociedade" exige pressupostos compartilhados. Como isso ocorre exatamente? Como chegamos a compartilhar os pressupostos de outras pessoas e garantir a relação entre nós como indivíduos e as formas da sociedade? Sua resposta é a seguinte: "A sociedade empírica só se torna possível por meio do a prior? (Idem, p. 391). Os sucessores de Simmel na ciência social, os inventores do modelo padrão de ciência social, aceitaram a existência de pressupostos compartilhados, no entanto, sem explicar, seriamente, como chegaram a isso. Eles consideraram que havia boas razões para não se preocupar com essa questão. Mas Simmel viveu e trabalhou em um ambiente intelectual anterior, em que o problema não podia ser facilmente deixado de lado. Na sequência, vou expor algo mais sobre esse ambiente. Mas é importante notar esse aspecto particular da pré-história do modelo padrão de ciência social para entender o contraste com os contemporâneos de Simmel e a natureza do conflito sobre essas ideias básicas.
Simmel inicia sua reflexão com o problema das outras mentes. Nós nos relacionamos como seres dotados de mentes ou, na formulação de Simmel, "a alma do outro tem para mim a mesma realidade que eu mesmo tenho, uma realidade que é muito diferente da realidade de uma coisa material" (Idem, p. 375). Mas nesse ponto as coisas se complicam. Não basta nos relacionarmos como seres dotados de mente, pois essas mentes são, como disse certa vez Clifford Geertz, plenas de pressupostos. Para que a "sociedade" seja possível, na visão de Simmel, esses pressupostos têm que ser os mesmos. O ponto de partida não são esses pressupostos - que precisam ser de alguma forma adquiridos para que nos tornemos membros sociais (Simmel chama isso de socialização) -, mas algo mais básico e universal, algo que é parte da essência do intelecto, a saber, um senso de nosso próprio ego e dos conteúdos de nossa consciência.
No interior de nossa consciência nós distinguimos com muita precisão entre, de um lado, o caráter fundamental do ego (o pressuposto de toda representação, que não tem nenhuma parte na problemática de seus conteúdos, problemática essa que jamais será eliminada) e, de outro, esses conteúdos mesmos, que como um agregado, com seu ir e vir, sua falibilidade e sua tendência a duvidar, sempre se apresentam como meros produtos daquela energia e existência absolutas de nosso ser psíquico (Idem, p. 376).
Não podemos duvidar de nosso ego, condição de nossa consciência. Os conteúdos de nossa consciência, porém, são falíveis e transitórios. Isso representa um problema para os pressupostos da "sociedade". Sabemos que as almas dos outros são como as nossas almas, que os outros têm o mesmo ego e, portanto, a mesma relação entre o ego e os conteúdos da consciência. Mas o nosso conhecimento dos outros é falível e transitório. Há, assim, conforme Simmel, duas dimensões:
Em primeiro lugar, vemos o outro em alguma medida generalizado, talvez porque não esteja em nosso poder representar plenamente em nós mesmos uma individualidade diferente da nossa. Toda reconstrução (Nachbilden) de uma alma é determinada pela similaridade com ela. [...] É como se todo homem tivesse em si mesmo um núcleo de individualidade mais profundo que não pode ser subjetivamente reproduzido por outro homem cuja individualidade mais profunda é essencialmente diferente (Idem, p. 378).
Em outras palavras, as pessoas são de fato irredutivelmente diferentes e nosso único acesso a suas mentes se dá por meio de estereótipos que pressupomos e aplicamos de forma inconsciente, mas que necessariamente "fragmentam" a pessoa que tentamos entender em formas representacionais estereotipadas. São essas formas a priori que devem responder à questão do que torna a sociedade possível.
A questão agora é: o que está na base, de forma universal e a priori, que pressupostos devem ser operativos, para que os procedimentos concretos particulares na consciência do indivíduo possam ser de fato processos de socialização ? Quais elementos estão neles contidos neles que possibilitam que o seu resultado seja, dito deforma abstrata, a construção do indivíduo em uma unidade societária? (Idem, p. 377).

A formulação de Simmel é estranha, mas a resposta se revela simples
No interior de uma esfera que tenha algum tipo de comunidade profissional ou de interesses, todo membro considera o outro, não de uma maneira puramente empírica, mas baseado em um a priori que esta esfera impõe a cada consciência que dela faz parte. Nos círculos de militares, de membros da Igreja, de funcionários públicos, de cientistas, de membros de famílias, cada um considera o outro partindo da seguinte premissa evidente: este aí é um membro de meu grupo (Idem, p. 380).
Reconhecemos os outros como membros do mesmo grupo, noção que reencontraremos adiante nos escritos de Franklin Giddings - um dos sociólogos norte-americanos fundadores - com a denominação de "consciência de semelhança".
Para Simmel, esses pressupostos são constitutivos da sociedade, isto é, eles "tornam a sociedade possível". Mas há um grande problema aqui: trata-se de um argumento transcendental, um argumento sobre as condições conceituais para algo, no qual crenças e conceitos específicos são tomados por Simmel como condições para a vida social. Mas o argumento é causal, ou seja, sobre como algo é produzido ou se origina de alguma outra coisa. E o que é produzido é um fato teleológico. Ora, como um argumento desse tipo pode funcionar? A parte causal é explícita: "Da base comum da vida, certas suposições se originam". Simmel não explica, é claro, como essas suposições se originam da vida em comum, da mesma forma que Kant não explicou de onde vêm as categorias. O argumento transcendental é este: a sociedade existe e para que ela exista alguns pressupostos precisam ser compartilhados, como aqueles em torno das profissões, por meio dos quais as pessoas organizam sua compreensão das outras e se relacionam de forma genuinamente social. Esse pressuposto inevitável, operativo de forma quase automática, é um dos meios de alçar sua personalidade e realidade na representação do outro à qualidade e à forma demandada por sua sociabilidade (Soziabilität). O elemento teleológico é produzido pela interdependência causal dos elementos da vida social mediante uma transformação.
A interdependência causal que entrelaça cada elemento social no ser e no fazer do outro e, assim, realiza a rede externa da sociedade, é transformada em uma interdependência teleológica, assim que considerada do ponto de vista de seus portadores individuais, de seus produtores, que se sentem como egos e cujas atitudes brotam do solo da personalidade que existe para si e se autodetermina" (Idem, p. 391).
Como um processo causal é assim "transformado" também não se explica. Assim, há aqui três ideias explanatórias conflitantes: pressuposição, processo causal e teleologia. Os pressupostos são introduzidos porque é impossível que algo seja verdadeiro se os pressupostos também não forem verdadeiros. A relação é lógica e não causal ou teleológica. Causas, afinal, não podem produzir pressupostos. Assim, deve haver outro modo para fundamentar a introdução dos pressupostos. E, segundo essa abordagem, os pressupostos são parte do mundo mental compartilhado e produzido pela socialização.

O modelo padrão de ciência social e seus inimigos
Simmel é um caminho para o "modelo padrão de ciência social". A forma geral desse modelo é a seguinte: os indivíduos internalizam a cultura. A cultura consiste em coisas como normas e valores. Para os sociólogos, trata-se do modelo familiar do funcionalismo, em que os valores compartilhados - aquilo que Parsons chamou de sistema central de valores ou o que seus sucessores hoje chamam de cultura, habitus e similares - têm um propósito coletivo ou social identificável e se reproduzem. Os membros da sociedade são "socializados" nesses valores, internalizando-os; são valores que têm a forma de pressupostos ou verdades a priori. Segundo o modelo, há na sociedade um conjunto de normas ou uma cultura que é incutida na cabeça das pessoas por meio da socialização, e os indivíduos na sociedade usam ou realizam esta cultura. A cultura está programada nos indivíduos. Além disso, a cultura é internamente coerente, varia bastante entre as diferentes sociedades e em grande parte não é constrangida pela biologia, esta entendida como instintos, padrões biológicos de moralidade ou de outra forma similar.
O modelo foi uma reação a formas anteriores de ciência social que trabalhavam com um conjunto diferente de ideias. No período anterior à institucionalização da sociologia - antes das primeiras cadeiras de sociologia e das primeiras sociedades nacionais de sociologia -, havia apenas uma rede internacional de sociólogos. A "sociologia", tal como então existia, era uma atividade de tempo parcial realizada por pensadores interessados em ética, no progresso, nas possibilidades do socialismo e do anarquismo, na paz mundial, na filosofia da história entendida como progresso, no problema de como reconciliar o darwinismo com o socialismo ou no fato geral da dependencia mútua entre os homens. O problema da natureza social do homem foi assim elaborado mediante uma visão crítica da "natureza com sangue nos dentes e nas garras" atribuída a Darwin. Em oposição a isso, desenvolveu-se uma imagem alternativa de uma natureza social biologicamente enraizada, pacífica e caracterizada por interdependências e indivíduos que se sacrificam pelo futuro do grupo. Entre os clássicos do período estão os escritos sobre ajuda mútua de Kropotkin (1902), baseados na sua participação em estudos de campo da vida animal, e os trabalhos sobre a sociedade animal de Espinas ([1877]* 1924).
Um aspecto que se destaca dessa literatura é sua rejeição mais ou menos consciente à ideia de uma mente de grupo. Giddings (1922, p. 154), um dos principais progenitores do que seria a sociologia estatística norte-americana, foi explícito a esse respeito: "Literalmente não há uma 'mente de grupo' ou 'mente social'". Coisas como a "mente medieval" deveriam ser entendidas como "a atitude predominante e o desempenho usual" em determinado tempo e lugar e produto de mentes que reagem "em determinado momento a uma situação ou circunstância comum e que talvez interajam entre si".
A ideia de interação é essencial aqui e aponta para duas diferenças radicais em relação ao modelo padrão de ciência social e a uma diferença geral em estratégia explanatória. Como vimos no caso de Simmel (mas Durkheim ou Boas também poderiam ter sido usados como exemplos), o modelo padrão de ciência social parte das coisas a serem explicadas, determina as condições para a possibilidade dessa coisa e conclui que há algo coletivo e mental, uma "cultura" (se não uma mente de grupo), que fornece a explicação. O problema, então, é explicar como essa mente ou cultura interage ou é introduzida na cabeça da criança, de modo a ser compartilhada. Para Giddings, o problema é bem diferente: trata-se de explicar como as aparentes similaridades de reação - as atitudes e os desempenhos usuais predominantes - ocorrem em primeiro lugar e passam a prevalecer.
A estratégia explicativa é, pois, bem distinta. Qualquer resposta ao problema das similaridades de comportamento ou atitudes entre as pessoas provém de processos ou fatos mais elementares, e essas similaridade resultam de um processo causal e não são, portanto, derivadas de forma transcendental, como uma condição para a possibilidade de um resultado. Os dois modos distintos em que essa abordagem foi elaborada envolveram o interesse no desenvolvimento da criança e na interação como a maneira pela qual as atitudes predominantes são encorajadas e desenvolvidas. A estratégia não rejeita a ideia de que há fatos, como as atitudes predominantes no período medieval, que precisam ser explicados. Considera-se, no entanto, um atalho sem fundamento o recurso a uma mente medieval, esta entendida como uma mente de grupo ou como um conjunto coletivo e compartilhado de pressuposições. Retornaremos a essa questão.
A abordagem alternativa elaborada em conexão com o problema do desenvolvimento infantil produziu um resultado diferente. Considere-se a alegação de Simmel de que conhecemos nosso próprio ego, que é uma característica básica da abordagem kantiana e da fenomenologia que a seguiu. O problema das outras mentes deveria ser resolvido por meio da existência de pressupostos necessários, que o sociólogo poderia iluminar. A abordagem dos estudiosos do desenvolvimento infantil enfatizou a ideia de que há uma sequência de estágios de desenvolvimento que produz o resultado oposto. James Mark Baldwin, psicólogo norte-americano pioneiro dessa abordagem e que se baseou na observação de seus próprios filhos (prática logo copiada por outros pensadores sociais do início da sociologia e, principalmente, como veremos, por C. H. Cooley), argumentou o seguinte em seu tratamento da "dialética do desenvolvimento pessoal":
Meu pensamento do "eu" é, quanto ao seu caráter de eu pessoal, em grande parte preenchido por meu pensamento dos outros, distribuídos como indivíduos; e meu pensamento dos outros, como pessoas, é em grande parte preenchido com o meu pensamento a respeito de mim mesmo. Em outras palavras, ego e alter são para nosso pensamento uma única e mesma coisa, a não ser por certas distinções menores no preenchimento e por certas distinções inevitáveis entre o que é imediato e o que é objetivo (Baldwin, 1902 apud Giddings, 1922, p. 162).
Elaborado no contexto dos estudos sobre o desenvolvimento infantil, o argumento sugere que o "eu" é um subproduto e um desenvolvimento tardio de um processo interativo ou social e não o ponto de partida para que o ego, consciente fundamentalmente apenas de sua própria consciência, construa o mundo social, como Simmel sustentou ao pressupor nossa consciência das outras mentes e nossa aquisição de coisas como pressupostos compartilhados.
Esses escritos geraram vasta literatura secundária, uma literatura filosófica sobre o problema do que é essencial na criação do selfe sobre a natureza do mundo social do qual surge o self da criança. Grande parte da disputa em torno dessas posições concentrou-se no problema do ego e nas formas do problema do homúnculo. Era difícil conceber ou teorizar sobre o ponto de partida fundamental da criança, aquele em que ela começa a processar inputs do meio social, sem imaginar algum tipo de processador dotado de capacidades para processar, isto é, sem imaginar um homúnculo, um pequeno ser humano no interior do ser humano, um cientista no berço, que já seria um ego ou algo próximo de um ego.
O segundo aspecto distintivo dessa abordagem envolvia a própria noção de interação. Para os pensadores contrários à noção de mente do grupo, o objeto a ser explicado por noções como "sociedade", "cultura" e similares era, principalmente, o produto da interação. Variantes do termo "inter" aparecem na obra de Gabriel Tarde, entendidas como alternativas para o quadro durkheimiano-kantiano de pressupostos compartilhados. A noção de mente do grupo torna-se, nos escritos desses pensadores interacionistas, uma ideia que resume todas as abordagens que pressupõem crença ou intencionalidade coletivas. Contribuíram para estabelecer essa distinção autores como Durkheim, que, por exemplo, se queixava quando o termo "psicologia social", associado a Tarde, era usado no lugar de "psicologia coletiva".
Para os pensadores interacionistas, a fonte da diversidade não eram as escolhas hipotéticas de pressupostos ou valores, como ocorria na abordagem kantiana, mas as diferenças nas circunstâncias e especialmente as interações sociais, que geravam as crenças e a conduta das pessoas. Foi então possível esboçar as respostas que os interacionistas dariam aos mesmos tipos de questão que animaram a abordagem kantiana. Assim, conforme Giddings, os indivíduos se relacionavam consigo mesmos e com o ambiente por meio de estímulos e respostas. Havia respostas que levavam ao acordo e respostas que divergiam. As respostas similares seriam reconhecidas como similares e as pessoas chegariam a uma consciência de semelhança - a consciência de sua similaridade com outras pessoas. As respostas divergentes, por sua vez, produziriam tipos diferentes, que poderiam então se tornar a base da consciência de novos tipos semelhantes. As similaridades produziriam coesão social e as diferenças permitiriam uma divisão do trabalho. Com o tempo, uma seleção análoga à seleção darwiniana e as aprovações e reprovações que resultam da consciência de semelhança selecionariam os tipos ou os grupos solidários adequados. A única teleologia aqui é a seleção cega.
Teorias como essa - havia muitas e variadas - apresentavam a vantagem de não recorrer a entidades problemáticas. A noção de "consciência de semelhança", entendida como um mecanismo psicológico, não era implausível e poderia ser facilmente ilustrada. Além disso, uma narrativa poderia ser elaborada a respeito de como a consciência de semelhança, junto com o fenômeno de que o semelhante atrai o semelhante, levaria à conformidade comportamental e, depois, à ação concertada (cf. Giddings, 1922, p. 117). James Mark Baldwin e Tarde, por exemplo, enfatizaram o mecanismo da imitação. Ademais, havia uma pletora de outros mecanismos igualmente plausíveis e facilmente ilustrados: hábito, instinto, hábito de bando, simpatia, empatia. O próprio Darwin, em The descent of man (1874), elaborou sua lista: coesão de grupo e simpatia como uma base para esta coesão, a importância da fidelidade e da coragem não egoísta e a importância, na geração destas últimas, do elogio e da repreensão (Giddings, 1922, p. 7).

O renascimento
Por que esse ponto de partida que parecia promissor não vingou e por que o modelo padrão de ciência social passou a predominar a partir da década de 1920? A resposta é complexa. Na ciência do cérebro e na psicologia do desenvolvimento, o que mudou desde 1900 foi o elenco de processos e de fatos que podem ser usados para estabelecer correspondências. Na teoria social, as mudanças aumentaram a lista de coisas que podem fazer parte da relação de correspondência, mas, ao mesmo tempo, obscureceram a questão a respeito do que precisa entrar nesta relação. As aplicações contemporâneas da neurociência à ciência social não ajudam muito, pois a maior parte da pesquisa interessante está sendo feita na neuroeconomia, em que a teoria-alvo é bem clara: trata-se do egoísmo da escolha racional. No caso da teoria social, a teoria-alvo não é evidente, salvo o que seria o modelo padrão de ciência social. Há muitos conceitos na tradição da teoria social que fogem, porém, ao âmbito do modelo padrão ou têm com ele uma relação problemática.
Apesar disso, há algumas poucas distinções que são claras. Empatia, simulação, espelhamento, compreensão, introspecção simpática, assunção do papel do outro, aprendizado, hábito e conceitos similares estão ligados. Normas, "sociedade", cultura, frameworks compartilhados e "socialização" como "internalização de normas" também estão ligados e, além disso, constituem o modelo padrão de ciência social; também estão presentes em grande parte da literatura filosófica relativa à normatividade, em que aparecem associados a ideias como a de intencionalidade coletiva e a de pressupostos compartilhados. A distinção entre os dois conjuntos de conceitos está vinculada a outras, como a distinção entre o conceitual e o não conceitual, o incorporado e o ideal, o implícito e o explícito e assim por diante.
Essas duas famílias de conceitos não se misturam muito bem. Cada uma alega uma correspondência com a neurociência e a literatura sobre o desenvolvimento. Cada uma pretende, também, explicar os fatos sociais relevantes ou proporcionar mecanismos suficientes para explicá-los. O mesmo vale para o material filosoficamente relevante, como os "significados". Se há ou não algo que as duas famílias não podem explicar - e o que seria de fato necessário para explicar tais coisas -, como no passado, isto ainda é fonte de intenso debate. Mas há certa contaminação entre as categorias e há termos usados, por vezes de forma ingênua, sem a devida atenção às diferenças entre as duas famílias. Michael Tomasella e Melinda Carpenter (2005), por exemplo, estudam a empatia e o comportamento altruísta, que eles mostram começar bem cedo, no estágio pré-linguístico e presumivelmente pré-conceitual; em contrapartida, sugerem que o comportamento cooperativo que descrevem é um exemplo de intencionalidade coletiva ou compartilhada. Se há ou não diferença empírica entre o comportamento cooperativo e a intencionalidade coletiva, ou mesmo se a noção de intenção compartilhada faz sentido, é uma questão aberta que os dados apresentados pelos autores não permitem decidir. Trata-se de uma característica desses debates. Com frequência, diferentes abordagens teóricas são revisadas para se ajustarem aos dados. São comuns também as questões sobre o que afinal basta como explicação e sobre o que precisa ser explicado. E há, ainda, a questão das lacunas explicativas, na qual se alega que uma explicação fracassou em eliminar a lacuna entre o fato a ser explicado e o que se apresenta como uma explicação1.
Assim, o que a evidência mostra? É certo que os experimentos estão sempre sujeitos à interpretação, mas alguns resultados gerais são relevantes. Em primeiro lugar, é amplamente confirmada a ideia geral da sociologia internacional do fim do século XIX de que há uma vasta gama de comportamentos altruístas inscrita no comportamento instintivo humano normal. Vale lembrar que esse foco de investigação foi abandonado pela psicologia social e pela teoria sociológica posteriores em favor de uma ênfase nas atitudes e nos valores como os principais propulsores do comportamento. Tomasello e outros identificaram uma vasta gama de comportamentos altruístas que surge já nos primeiros anos de vida. A evidência proveniente da neuroeconomia indica o papel da oxitocina na confiança, que é o comportamento que ultrapassa o cálculo racional dos resultados - característico, por exemplo, do dilema do prisioneiro. Os resultados permitem, além disso, distinções mais refinadas. A cooperação produz prazer e a exploração gera dor para além de quaisquer custos ou benefícios externos da cooperação ou da exploração. A oxitocina afeta a confiança e a aversão à exploração, mas não produz qualquer efeito sobre a aversão ao risco. Essa literatura descobriu também que a punição aos free riders é uma fonte de prazer, para além de quaisquer custos ou benefícios àquele que pune.
Uma descoberta crucial da literatura sobre o desenvolvimento da criança confirma a ideia de C. H. Cooley do self especular, situando esse fenômeno no início do processo de desenvolvimento. Em geral, conhecer ou responder a outras mentes (por exemplo, identificá-las e distingui-las) e a atos dos outros está acompanhado do desempenho desses atos ou da capacidade de fazer uma introspecção sobre esses tópicos. Quando as crianças aprendem sobre elas mesmas, aprendem também sobre os outros, e esses dois aprendizados são paralelos. Antes dos 3 anos, elas aprendem sobre o amor, a percepção, o desejo, mas não podem dar sentido a questões relativas a crenças ou a falsas crenças; dos 3 aos 5, sobre crenças e fontes do conhecimento, os rudimentos da mente; após os 5 anos, sobre seus próprios traços e os de outros. Crianças com apenas 18 meses podem perceber os desejos de outras pessoas quando estas fazem certas expressões faciais (cf. Gopnik e Repacholi, 1997), mas não conseguem comunicar muito bem seus próprios desejos ou o fato de que estão saciadas, o que não ocorre nem mesmo aos 3 anos (cf. Gopnik e Slaughter, 1991). Da mesma forma, se elas não podem identificar as fontes do conhecimento para os outros, não podem registrá-las para si mesmas (cf. O'Neill e Chong, 2001). O ego retratado por Simmel, anterior à vida social e que só tem acesso à vida social por meio da aquisição subsequente (e inexplicável) de pressupostos sobre a vida social, não existe no espectro dos estágios de desenvolvimento da criança. O ego com seus próprios traços autoidentificáveis não existe até que a criança esteja em idade escolar e seja capaz de identificar os traços dos outros. A consciência do self é, em suma, um longo processo inteiramente social.
O conceito central de Giddings, consciência de semelhança, foi preterido, na década de 1920, em favor dos conceitos relativos à atitude. A diferença entre os dois conceitos é que as atitudes são entendidas como tipos de conteúdos mentais acessíveis, relatáveis e, assim, mensuráveis. Pressupõe-se, ainda, que as atitudes sejam determinantes da ação. Elas não são consideradas racionais - de fato, o "preconceito" racial foi um caso paradigmático de atitude. A promessa de produzir uma mudança de atitude por meio de técnicas psicológicas foi uma das principais bases para a fundação das "ciências comportamentais" no período pós-guerra. A consciência de semelhança situa-se em um nível diferente do esquema estímulo-resposta.
Como as atitudes explícitas se saem em comparação com as respostas implícitas que são detectáveis nos experimentos sobre viés implícito e distinções de grupo? A consciência de semelhança, no sentido implícito, pode ser detectada pelo uso de métodos que lidam com respostas rápidas demais para envolver deliberação. As comparações de respostas a estímulos que apresentam faces brancas e negras de forma subliminar, por exemplo, produzem resultados como o seguinte: tanto negros como brancos são mais propensos a identificar corretamente uma arma e a confundir uma ferramenta com uma arma, e ambos são mais rápidos em "atirar" em negros armados do que em brancos e mais propensos a "atirar" em negros não armados do que em brancos não armados (cf. Amodio e Mendoza, 2010). O viés implícito identificado por meio de métodos que medem a amplitude de reações como o piscar de olhos não se mostrou vinculado a atitudes raciais explícitas declaradas. Alguns resultados apoiam também a ideia de Giddings de que as pessoas gostam de pessoas que são como elas: os negros responderam negativamente e os brancos positivamente a rostos brancos apresentados de forma subliminar (Idem). Estas pesquisas utilizaram imagens funcionais do cérebro (functional magnetic resonance imaging, FMRl).
É difícil dissociar a relação entre empatia, imitação e aprendizado. Os macacos, que imitam bem, não aprendem bem. Para adquirir uma habilidade é preciso mais do que a imitação (cf. Downey, 2008). Uma experiência comum no treinamento de atletas mostra bem isso: o atleta pode imitar prontamente um movimento quando o técnico está presente, mas ser incapaz de realizá-lo da mesma forma na próxima vez que tentar.
G. H. Mead e M. Weber, os outros dois teóricos sociais que não podem ser incluídos no modelo padrão de ciência social, também dizem coisas que se ajustam à neurociência cognitiva. Weber recorreu explicitamente à empatia e empregou-a de maneira ampla. O caso de Mead é mais problemático: influenciado pela psicologia funcional, colaborou com Dewey na década de 1890, quando este elaborava argumentos contra o modelo estímulo-resposta. Para a psicologia funcional, as divisões sequenciais usuais dos fenômenos psicológicos não fazem sentido e a ação é um processo adaptativo que só pode ser entendido de forma holística. Foi essa ideia geral que estava presente nas palestras de Mead, que constituem sua psicologia social. A abordagem que ele propôs desse processo incluía noções como o ensaio dos cursos de ação.
A parte dessa abordagem que se ajusta a um controverso pensamento posterior é a ideia de ensaio ou simulação. Os teóricos da simulação argumentam que o cérebro percorre cursos de ação off-line e escolhe as ações baseado nos resultados dessas simulações off-line. A simulação ocorre em um nível pré-consciente, embora possamos simular conscientemente. A simulação também é básica para compreender os outros, pois, ao avaliar as intenções e os significados das ações dos outros, podemos (e segundo a abordagem da simulação nós assim fazemos) simular tacitamente em nossas mentes as ações e, assim, inferir as emoções associadas e os resultados esperados. Além disso, a simulação é um meio para compreender os outros quando usamos nós mesmos como instrumentos de compreensão, isto é, quando nos utilizamos como modelo para as ações dos outros que tentamos compreender. Isso se ajusta à ideia de Mead de assumir o papel do outro e é um modo de tratar os tipos de cognição social enfatizados por Simmel, como a compreensão das ações de pessoas que desempenham papéis ocupacionais.
A parte complicada dessa abordagem é o problema do homúnculo: Mead leva em conta a ação consciente e seu ponto de vista é estendido de forma analógica. Mas não assumimos conscientemente o papel do policial que obedecemos, por exemplo. Segundo Mead, porém, agimos como se estivéssemos fazendo isso, como se tivéssemos uma teoria do papel que aplicamos inconscientemente. O raciocínio analógico aqui é o que gera a necessidade de uma abordagem de pressuposições. Para completar o raciocínio analógico, precisamos de pressupostos analógicos e, portanto, uma entidade que pressuponha por meio de analogias, ou seja, um cientista no berço, um homúnculo.
A simulação é um fenômeno amplo e um dos propósitos da abordagem que a enfatiza é eliminar a necessidade de um "como se", que exige a postulação de um homúnculo fazendo coisas como elaborar teorias a respeito das mentes alheias para poder compreendê-las. A simulação off-line ocorre no nível pré-consciente, pré-teórico, pré-conceitual e tácito. Como outros processos mentais, a simulação é um processo que pode ser submetido à introspecção ou monitorado de uma maneira intermitente e pouco precisa. Trata-se de um processo que podemos chegar a articular, mas normalmente sabemos mais a respeito dele do que podemos dizer. A abordagem de Mead oscila entre um enfoque simulacionista pleno e o que podemos chamar de enfoque teoria-teoria. Nela, a questão do desenvolvimento e da compreensão de outras mentes torna-se o problema da aquisição, pela criança, de uma teoria rudimentar sobre as mentes alheias que lhe permite fazer inferências a respeito das crenças dos outros. Aprender a assumir o papel do outro se assemelha mais a uma tarefa teórica do que a um processo primário. A simulação, em contraste, é um processo primário inseparável da própria ação e permite distinguir a ação da mera resposta.
Com o conceito de simulação e de empatia, entramos em um território bastante controverso, mas, para nossos propósitos, crucial. O argumento em favor do enfoque cultural e de pressuposições ao problema de explicar a sociedade - enfoque que associei aqui a Simmel - alega que a ação e o pensamento consciente, conceitual, ideacional - especialmente o âmbito do espírito e do simbólico - não podem ser reduzidos aos processos psicológicos de nível inferior, como estímulo e resposta, e que a única solução a esta lacuna entre o causal e o conceitual é uma abordagem "inteiramente conceitual". Ela deve envolver o tipo de projeção analógica de teorias no pré-consciente e conclui com uma psicologia ou sociologia transcendental, em que estão incluídos, como parte da teoria, os pressupostos necessários para a vida social. Esses pressupostos, quando variam, são culturais: este é o modelo padrão de ciência social.
A questão-chave, então, é a seguinte: a controversa família de conceitos relacionados com a empatia fornece uma alternativa genuína a esse modelo? Na psicologia, os enfoques que parecem conter implicações para o problema kantiano do a priori têm o mesmo tipo de interesse. Os experimentos com bebês realizados por James e Eleanor Gibson, mostrando que essas crianças não precisam aprender a não engatinhar na beira de uma mesa, sugerem que o mundo experimentado já nos chega pré-equipado, por assim dizer, com dispositivos que nos dizem o que fazer com eles. O termo introduzido por J. J. Gibson para denominar esses dispositivos, affordances, é bastante usado por kantianos como Robert Brandom e John McDowell.
Há uma base forte na neurociência para qualquer desses possíveis análogos? A empatia recebeu muita atenção em razão da descoberta, em macacos, dos neurônios-espelho - um pequeno grupo de neurônios conectado tanto ao sistema de ação como ao sistema de percepção. Um sistema de neurônio-espelho análogo está presente nos seres humanos (cf. Decety e Lamm, 2006)2. O espelhamento significa que os mesmos neurônios e percursos neuronais são ativados tanto quando uma pessoa age como quando ela vê uma ação. Além disso, em alguma medida as pessoas respondem de forma simpática ou empática ao ver ações dolorosas. Para algumas, entretanto, o cérebro está conectado de tal maneira que diante da dor dos outros elas experimentam prazer, fenômeno conhecido como crueldade empática. Parece que as áreas ativadas no caso da autoconsciência são um subconjunto daquelas ativadas na consciência social ou quando assumimos a perspectiva de terceira pessoa, que são ativadas ao mesmo tempo (embora com menos força), o que sugere a prioridade do social e do aprendido; parece ainda que a autoconsciência envolve inibidores que separam a perspectiva de primeira pessoa (cf. Decety e Lamm, 2009, p. 206; Pfiefer e Dapretto, 2009, p. 186). As partes emocionais e cognitivas do cérebro e especialmente as partes integrativas estão envolvidas na empatia.
Por que isso é relevante? A razão do recurso de Simmel às pressuposições estava na explicação que elas proporcionavam ao fato de que podemos nos compreender: os pressupostos compartilhados eram a explicação. Se pudermos explicar nossa compreensão mútua como um processo neural, poderemos prescindir desse recurso. Os termos para o elo social, como "simpatia", "solidariedade", "empatia" e similares estão todos relacionados com a mesma combinação de afeto, pensamento e compreensão. Se o sistema de neurônio-espelho for o que muitos pesquisadores pensam que ele é, teremos chegado a um correlato físico desses conceitos e concluído que não há nada que corresponda ao modelo das pressuposições. É esta a promessa da neurociência: validar e revisar a teoria social do passado.

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* A data entre colchetes refere-se à edição original da obra. Ela é indicada na primeira vez que a obra é citada. Nas demais, indica-se somente a edição utilizada pelo autor (N. E.) 

1. Para um extenso tratamento desse problema em conexão com a questão da normatividade, ver Turner (2010). 

2. Há muitos céticos em relação ao papel dos neurônios-espelhos nos humanos. Para os céticos, ver Hickcok (2009) e Dinstein (2008); para os entusiastas, Iacoboni (2008), Rizzolati (2006) e Decety e Ickes (2009).

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Título original: 'Teoria Social e Neurociência'. Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702014000200005.