terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A dor, o indivíduo e a cultura

Por Cynthia A. Sarti 
(Antropóloga, USP)

A dor, como o amor, remete a uma experiência radicalmente subjetiva. Aquele que sente a dor, dela diz, eu é que sei. Frente à dor do outro, há comoção, sofrimento (ou, mesmo, gozo), com maior ou menor distância e intensidade. Embora singular para quem a sente, a dor, como qualquer experiência humana, traz a possibilidade de ser compartilhada em seu significado, que é uma realidade coletiva (embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuímos ao outro, corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo). Assim, dizemos que entendemos a dor do outro. Não é precisamente esta possibilidade que fundamenta o sentimento da compaixão, a comoção diante do sofrimento alheio? Mas como saber da dor do outro? E a nossa dor? Como vivenciá-la e expressá-la? Quem irá entendê-la e como? O que há de social num sentimento tão singular?
Quando se fala em dor, a tendência é associá-la a um fenômeno neurofisiológico. Admite-se, cada vez mais, que existam "componentes" psíquicos e sociais, na forma como se sente e se vivencia a dor. Esta concepção, no entanto, implica a dor como uma experiência corporal prévia, à qual se agregam significados psíquicos e culturais.
Ao contrário desta proposição, considerar a dor como um fenômeno sócio-cultural supõe considerar o corpo como uma realidade que não existe fora do social, nem lhe antecede. O social não atua ou intervém sobre um corpo pré-existente, conferindo-lhe significado. O social constitui o corpo como realidade, a partir do significado que a ele é atribuído pela coletividade. O corpo é "feito", "produzido" em cultura e em sociedade.
Nenhuma realidade humana prescinde de dimensão social, tampouco o corpo ou a dor. A singularidade da dor como experiência subjetiva torna-a um campo privilegiado para se pensar a relação entre o indivíduo e a sociedade. Toda experiência individual inscreve-se num campo de significações coletivamente elaborado. As experiências vividas pelos indivíduos, seu modo de ser, de sentir ou de agir serão constitutivamente referidos à sociedade à qual pertencem. Ainda que traduzido e apreendido subjetivamente, o significado de toda experiência humana é sempre elaborado histórica e culturalmente, sendo transmitido pela socialização, iniciada ao nascer e renovada ao longo da vida.
A este processo de socialização correspondem dois momentos indissociáveis: o confronto do indivíduo com a sociedade, como realidade objetiva; e a interiorização desta como realidade subjetiva. O mundo social existe apenas ao se constituir como sentido para os indivíduos que nele vivem. E, dialeticamente, os indivíduos só constróem o significado de suas experiências (inclusive da dor), mediante as referências coletivas. Não existe realidade social sem significado subjetivo para os que nela vivem, ao mesmo tempo que o significado de cada ato individual, cotidiano e singular, só existe como produto do que lhe é dado viver na sociedade e na cultura às quais pertence.
Isto implica a noção de sociedade como realidade constituída simbolicamente, ou seja, constitui-se não "simplesmente pela massa dos indivíduos que a compõem, pelo solo que ocupa, pelas coisas de que se serve, pelos movimentos que realiza, mas, antes de tudo, pela idéia que ela faz de si mesma" (DURKHEIM, 1989 [1912], p. 500).
Nesta concepção, não se separa a realidade de seu significado. Todo ato humano contém em si significação. A ordenação da realidade pelo sentido que lhe é atribuído, apreendido na linguagem, é constitutiva. O mundo objetivo e o subjetivo consubstanciam-se em realidade mediante a simbolização. Quando ouvimos as primeiras falas, não aprendemos apenas a nos comunicar, mas, acima de tudo, captamos uma ordem simbólica, ou seja, uma ordenação do mundo pelo significado que lhe é atribuído, segundo as regras da sociedade em que se vive, tornando real a existência humana1.
JOEL BIRMAN (1991) afirma que a Psicanálise e a Antropologia Social, cujos objetos são, respectivamente, a realidade psíquica e a realidade social, têm em comum o fato de não reconhecerem o real fora do registro simbólico. Assim, percebe-se a realidade através das "redes de sentido inscritas na ordem simbólica, de forma que os diferentes objetos constitutivos da realidade se ordenam enquanto tal pela operação da simbolização, instaurando, então, a experiência do mundo como consubstancial ao registro da significação". (p. 8)
Na perspectiva psicanalítica, JUAN-DAVID NASIO (1997) afirma não tratar das perturbações psicológicas que a dor acarreta, ou seja, das repercussões da dor, mas "do fator psíquico que intervém na gênese de toda dor corporal." (p. 69) De modo análogo à ocorrência psíquica, o social apresenta-se na constituição do corpo, ali onde a dor se produz e se manifesta, mediante formas culturais.

SENTIR E EXPRESSAR A DOR: AÇÕES SIMBÓLICAS
Não apenas o sentimento, mas também a expressão da dor regem-se por códigos culturais, constituídos pela coletividade, que sanciona as formas de manifestação dos sentimentos. Em culturas estóicas, onde se valoriza o auto controle, por exemplo, a dor será vivenciada e suportada distintamente de outras culturas sem estes valores. CECIL HELMAN (1994), ao distinguir a "dor privada" da "dor pública", assinala que a dor é vivenciada nestes diferentes âmbitos sociais, de acordo com seu significado para o indíviduo e a cultura a que pertence.
A forma de manifestação da dor precisa fazer sentido para o outro. Vivenciado e expresso mediante formas instituídas coletivamente, tal sentimento se torna inteligível para o grupo social. Os sentimentos constituem uma linguagem. As formas de expressão dos sentimentos não são naturalmente dadas, mas, segundo o trabalho clássico de MARCEL MAUSS [1921], têm a obrigatoriedade dos fatos sociais: "mais do que uma manifestação dos próprios sentimentos, é um modo de manifestá-los aos outros, pois assim é preciso fazer. Manifesta-se a si, exprimindo aos outros, por conta dos outros. É essencialmente uma ação simbólica". (p. 153)
O teor coercitivo inerente às práticas coletivas foi sublinhado na própria definição de fato social por EMILE DURKHEIM [1895]. Para este autor, os fatos sociais não só transcendem os indivíduos, como têm necessariamente um elemento de coerção, sendo impostos aos indivíduos e por eles interiorizados. Tal coerção, embora não seja claramente perceptível, aparece quando se tenta resistir à regra, insinuando a tensão entre o sujeito e o coletivo. Em DURKHEIM, entretanto, a subjetividade não foi trabalhada, reduzindo-se a um mero reflexo do social. Foi MARCEL MAUSS, como mostrou LÉVI-STRAUSS [1950], quem introduziu, na escola sociológica francesa, herdeira de DURKHEIM, a dimensão subjetiva na análise dos sistemas sociais.
MAUSS [1923-1924], ao conceber a realidade social como um universo simbólico, ressaltou o caráter inconsciente dos costumes, inadvertidamente introjetados pelos indivíduos. O costume passa a ser visto como da ordem da linguagem, pois os agentes não têm consciência de suas regras. Assim como a gramática da língua não é percebida pelos falantes, tampouco a gramática da vida social, pelos seus agentes. Há algo oculto, a ser buscado pela investigação científica. Isto ocorre também quanto ao corpo, cuja construção social nos escapa, parecendo ser "naturalmente" como é. Escapa-nos precisamente a noção de que o corpo é uma linguagem, e, como tal, adquirida culturalmente.
O corpo define-se de acordo com as regras do mundo social no qual se inscreve. Ainda que os conhecimentos sobre a anatomia e a fisiologia humanas possa ser aplicados universalmente, os eventos biológicos humanos existem como realidades simbólicas e vão ser, não apenas "traduzidos", mas criados e recriados no contexto sócio-cultural, no qual o indivíduo nasce, cresce, se desenvolve e morre, inexistindo, como experiência humana, fora deste contexto.
As diferentes etapas do ciclo biológico, o nascimento, o crescimento e o envelhecimento, assim como a menarca, a gravidez e a menopausa para as mulheres, todos estes processos, tendem a ser ritualizados, nos ritos de passagem (segundo o estudo de VAN GENNEP, 1978). Isto ocorre nas sociedades tribais ou tradicionais com mais força simbólica do que na sociedade capitalista moderna, o que é, a meu ver, paradoxal. Se, naquelas sociedades, se cristaliza um significado coletivo, do qual não se consegue escapar no plano individual, visto o todo ter precedência sobre as partes, na sociedade moderna, com experiências individualizadas, a falta de ritos nos distancia da possibilidade de elaboração individual das tensões e conflitos, que os espaços rituais propiciam.
EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO (1987), ao analisar a concepção de corpo na sociedade xinguana (particularmente na aldeia Yawalapíti), afirma que "o social não se deposita sobre o corpo Yawalapíti como um suporte inerte: ele cria este corpo." (p. 32) A sociedade xinguana, assim, "fabrica" o corpo, submetendo-o periodicamente a processos intencionais de "fabricação".2
Vamos, então, a exemplos concretos. Gostaria de mencionar dois casos estudados pela Antropologia e elucidativos da concepção de dor referida ao significado do corpo para a coletividade. Penso nos ritos de iniciação em sociedades tribais e nos casos de transgressão a regras morais.
PIERRE CLASTRES (1978) ressalta os ritos de iniciação como uma instituição que reflete a importância atribuída pelas sociedades tribais ao ingresso dos jovens na idade adulta, constituindo um eixo essencial da vida social e religiosa da comunidade. Segundo o autor, "quase sempre o rito iniciatório considera a utilização do corpo do iniciado." (p.125). A operação social da passagem à idade adulta inscreve-se no corpo dos jovens. Através do rito, a sociedade apodera-se do corpo, mas "não o faz de qualquer maneira: quase que de modo constante (...) o ritual submete o corpo à tortura." (p. 126). CLASTRES afirma, então, que, nestas sociedades, a tortura é a essência do ritual de iniciação, correspondendo a procedimentos que, aos olhos da sociedade moderna, são extremamente cruéis. E os jovens, a eles submetidos, o fazem com "notável poder de resistência", segundo a testemunha do ritual analisado pelo autor, e, em alguns casos, em silêncio e, em certo sentido, com tranquilidade. O autor pergunta, então: o que a sociedade ensina ao indivíduo neste ritual?
Além do ato, em si, ser uma prova de coragem, depois do ato, ficam as marcas indeléveis do sofrimento: as cicatrizes no corpo. Assim, "um homem iniciado, é um homem marcado. O objetivo da iniciação, em seu momento de tortura, é marcar o corpo: no ritual iniciatório, a sociedade imprime a sua marca no corpo dos jovens." (p. 128, grifos do autor)
A dor da tortura não constitui apenas uma prova de resistência pessoal, cujo sucesso garante a aprovação social, mas a lesão que dela restou, institui um pertencimento social. O jovem passa a fazer parte do grupo, a nele reconhecer-se e por ele ser reconhecido. São essas as funções do rito de iniciação, configurando uma pedagogia, que vai do grupo ao indivíduo. As cicatrizes são uma marca social. São a lei, que, em sociedades sem escrita, se inscreve no corpo. Segundo CLASTRES, a força que impulsiona o jovem a agüentar a dor e a forma como ele a experimenta não são o resultado de "um impulso masoquista, mas de um desejo de fidelidade à lei, a vontade de ser, sem tirar nem por, igual aos outros iniciados." (p.130)3
O valor social atribuído ao rito, e interiorizado pelo jovem, dá um significado a esta experiência de dor que nada tem a ver com a experiência da tortura em outros contextos de violência extrema, como nos casos de sua utilização, contra os oponentes, por regimes políticos, autoritários ou totalitários4. O significado social marca, desta maneira, a forma como a dor será vivida e tolerada por cada um dos jovens iniciados, que anseiam por esta experiência que os situa positivamente em seu mundo social.
Os valores sociais atribuídos à dor evidenciam-se, ainda, quando são transgredidas as regras do grupo. Segundo HELMAN (1994), "no caso da dor ser recebida como penitência divina por um lapso comportamental, suas vítimas provavelmente relutarão em buscar alívio; pois o ato de experimentar a dor sem queixa torna-se, em si mesmo, uma forma de expiação. (...) Se a dor é vista como o resultado de transgressões morais, a resposta pode ser uma penitência auto-imposta – tais como jejuns ou rezas – ao invés de uma consulta com um profissional de saúde. Se às causas da dor são atribuídas malevolências interpessoais tais como: feitiçarias, alquimias ou magia negra, a estratégia utilizada para remissão da dor pode ser indireta – um ritual de exorcismo, por exemplo." (p.168)
Um paciente que experimenta sua dor como punição, mesmo que procure um profissional de saúde, pode recusar-se, ainda que inconscientemente, ao tratamento. O entendimento pelo profissional desta concepção moral e de seu lugar estruturante na experiência da dor é decisivo para o cuidado e a "cura", porque a dor e a doença não se separam de seu significado. MARCEL MAUSS [1926], ao analisar a presença do social no corpo biológico – tema fundamental da referida escola sociológica francesa, reunida em torno da publicação Années Sociologiques5 - afirma que o indivíduo que se sente em pecado perde o controle sobre sua vida e sobre suas escolhas, podendo, no limite, entregar-se à morte, tal é a força das regras morais, elaboradas socialmente.

A dor e o lugar social do indivíduo
A dor como realidade social é simbolizada, ainda, mediante os distintos lugares sociais dos indivíduos. Dentro de uma mesma sociedade, os indivíduos são portadores de condições sociais diferenciadas, de acordo com as clivagens sociais, entre elas, as de gênero, de classe e etnia, qualificando a realidade da dor. Pode haver maior ou menor tolerância à dor, conforme aquilo que do indivíduo se espera, segundo seu lugar social.
O sentimento de compaixão diante da dor do outro pode se manifestar como evidência de uma desigualdade, revelando uma distinção social entre os que sofrem (despossuídos) e os que não sofrem (detentores de bens sociais), como sugeriu a análise de HANNA ARENDT (1971) sobre a questão social.
O lugar social do sujeito qualifica a sua dor e determina a reação do outro em face da sua dor. Nas distinções de classe social, o sofrimento e o sentimento da dor dos despossuídos aparecem como "naturais". Esta concepção é interiorizada, tornando difícil, para os socialmente desfavorecidos, conceber, para si, a idéia de bem-estar, suposto atributo da classe dominante. Esta auto-desvalorização, um dos mais perversos efeitos da desigualdade social, expressa o que Pierre BOURDIEU chamou de "violência simbólica", isto é, quando o dominado age e pensa contra si próprio, internalizando como legítimos os mecanismos de sua dominação.6 Isto pode ser evidenciado na cena observada em serviços públicos de saúde, dirigidos à população socialmente desfavorecida, quando esta, ao se considerar bem atendida, agradece, surpresa, a atenção recebida, como se ser bem tratada fosse algo sempre inesperado.
As clivagens de gênero também instituem formas muito distintas de lidar com a dor. Suportar a dor em silêncio pode ser sinal de virilidade em certas culturas, que, em contrapartida, permitem e valorizam nas mulheres a expressão explícita do sofrimento.
No que se refere à idade, há também diferentes formas de sentir e encarar a dor, de acordo com o que se espera socialmente de crianças, adultos ou idosos. No caso do recém-nascido (objeto do congresso de Enfermagem Neonatológica do qual se originaram estas reflexões), pela sua extrema dependência, a influência do que ocorre a seu redor é decisiva.

Os atores na cena
Em toda experiência de dor, é fundamental considerar a importância da família, pois da família vêm as primeiras referências de significado que estruturam as experiências vividas.7 Isto torna-se mais evidente nos casos de crianças pequenas do que de crianças maiores, que já se expressam verbalmente e adquiriram certa autonomia de ação. Mas considerar a família na experiência da dor é igualmente relevante em todas as fases da vida, mesmo no mundo adulto.
Resta mencionar os outros atores da cena, os profissionais que cuidam do doente e interferem decisivamente no campo de significações que constituirá, para ele, esta experiência. A forma como o profissional reage diante da dor e das manifestações de dor do paciente influenciará a própria reação do paciente ao tratamento, porque estamos diante de uma relação em que se enfrentam dois mundos de significação, o do médico e o do paciente e sua família, ambos qualificando esta experiência, ainda que de formas e perspectivas diversas. HELMAN (1994) lembra que "as pessoas com dor obterão o máximo de atenção e solidariedade se seu comportamento corresponder à visão social de como deve fazê-lo". (p. 172)
Se a dor se constitui culturalmente, em qualquer caso, é necessário tomar como referência todos os atores na cena: o doente, sua família e os profissionais. Todos atuam numa realidade social, tecendo a trama das relações que fazem da dor uma experiência com um significado a ser buscado.
Finalmente, estes comentários não pretendem ser conclusivos, muito menos dar conta da problemática da dor. Têm apenas a intenção de fazer sugestões no sentido de se ter presente, ao cuidar da dor, que ela se constitui simbolicamente, tendo, portanto, um significado para quem a vivencia, concepção que pode contribuir para beneficiar a prática do atendimento à dor.
Como estar atento ao que não é perceptível de imediato, isto é, o significado da dor para quem a sente? Como pensá-lo na teia das relações sociais nas quais se inscreve a realidade do sujeito, incluindo nesta realidade o profissional sobre quem é depositada toda a expectativa de alívio e de tornar a dor suportável?
Do pouco que se pode saber sobre a dor, sabemos que nela se revela, simultaneamente, a singularidade do sujeito, sua dor, a particularidade da cultura, na qual se manifesta, e a universalidade da condição humana, impossibilitada de fugir de sua realidade implacável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS8
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* Estas reflexões originaram-se de uma apresentação sobre o tema "A dor como fenômeno sócio-cultural", no II Encontro de Enfermagem Neonatológica, realizado de 8 a 10 de setembro de 1998, na Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), na Mesa-Redonda Abordagem multidisciplinar da dor no recém-nascido. 

1 É conhecida a crítica à ausência da noção de sujeito no pensamento positivista de DURKHEIM, que reifica a noção de sociedade, de forma a suprimir a relação dialética entre esta e o indivíduo (DURKHEIM, [1895]). Entretanto, sua formulação, tardia em sua obra, da sociedade como uma ordem simbólica (DURKHEIM, [1912]), permitiu abrir o caminho, pela via da simbolização, para a articulação entre a dimensão social e a individual, posteriormente feita por Mauss, como adiante se verá. Sobre os desdobramentos deste pensamento na escola sociológica francesa, desde Mauss, ver a análise de MERLEAU-PONTY [1960]. 
2 Tais processos, ainda que possam ser análogos ao que em linguagem médica se denomina "intervenção", têm implicações distintas. Os processos de intervenção das várias instituições sociais sobre os corpos, exemplarmente analisados por Michel FOUCAULT (1977), realizam-se como práticas de poder que ferem a autonomia do sujeito em relação a seu próprio corpo, segundo processos e noções inexistentes nas sociedades tribais., tal como mostra a análise de SEEGER, Da Matta e CASTRO (1987). 
3 Neste mesmo sentido, em estudo sobre dor e cultura, Cibele A. de M. Pimenta e Andréa Portnoi (1999) mostram como a tolerância à dor se relaciona com a experiência cultural do indivíduo. 
4 Sobre a tortura política, tal como existiu no Brasil durante o regime militar nos anos 70, ver a reflexão de Helio PELLEGRINO (1988). 
5 Como ilustram, entre outros, os trabalhos de Robert HERTZ. Ver a bibliografia. 
6 BOURDIEU retoma este conceito em seu livro sobre a dominação masculina, recentemente publicado no Brasil (BOURDIEU, 1999). 
7 Em artigo anterior, desenvolvi mais detalhadamente a idéia da família como um âmbito estruturante do sentido das experiências vividas, ao argumentar em favor do trabalho com famílias, nos casos de "intervenção" com jovens em situação considerada de vulnerabilidade (SARTI, 1999). 
8 As datas entre colchetes correspondem à publicação original.

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Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902001000100002



segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O ser e as letras

Por Jean Biarnés 

1. ILETRISMO OU "LETRISMO A-FUNCIONAL"?
A partir do momento em que a Reforma de Lutero e Calvino estabeleceu que não haveria mais necessidade de intermediários entre o texto de um livro sagrado e seu destinatário, a letra passou a associar-se a todos os atos da vida. Desde essa época, por exemplo, o artista assina sua tela e lhe dá um título! Hoje, nas sociedades do Norte industrializado, tudo é letra. A irrealidade da imagem só se torna realidade quando a letra está presente, sobre ela, dentro dela ou à volta dela, para situá-la em um contexto, para defini-la dentro de limites, para, em suma, dar-lhe sentido. Somos todos, a cada momento, solicitados por slogans, textos publicitários, injunções, conselhos escritos. Em 1990 editou-se na França perto de um milhão de publicações por dia e fala-se de iletrismo, isto é, de situações em que certas pessoas estariam "fora da letra"?
Queira-se ou não, cada um de nós tem de construir uma relação com a letra e, portanto, constrói-se, em parte, nessa e através dessa relação. Neste sentido somos todos letrados. O iletrismo, conceito puramente francês, não pode ser, senão, um conceito vazio. Com exceção de patologias como o autismo, não é a existência ou a não-existência dessa relação que está em questão, mas a sua "funcionalidade"1. O conceito internacionalmente reconhecido de "analfabetismo funcional", compreensível tão somente se referido à cultura norte-americana, que associa sempre um nível de competência em leitura em função dos anos de escolarização, não é mais satisfatório. Como o iletrismo, ele situa o problema apenas na busca (e, portanto, no tratamento) das "falhas" de que seria portadora uma pessoa nas suas capacidades de utilizar-se da letra 2. Mas como apreender essas "falhas" de competências quando é sabido que construímos todos nossa relação com a letra numa funcionalidade heterogênea, isto é, com funcionalidades parciais ligadas à nossa história, nosso meio, nossos interesses pessoais e profissionais, nossa cultura no sentido antropológico do termo, nossas subculturas de grupo 3 e 4. A funcionalidade total em termos de leitura é, no melhor dos casos, um mito de onipotência, no pior, um delírio 5.
Como ninguém está "totalmente fora da letra, nem totalmente dentro", o problema consiste em compreender a ou as funcionalidades que construímos em nossas relações com a letra. Fica, então, evidente, e hoje as estatísticas o comprovam6 , que alguns de nós damos a essa relação uma funcionalidade "externa" quase nula. Falamos de "funcionalidade externa", pois essa "a-funcionalidade" situa-se nas relações de comunicação, nas relações com o outro. Inversamente, no "interno", isto é, na economia psíquica do sujeito, essa relação "a-funcional externa" com a letra é altamente significante, e mesmo altamente funcional. Para substituir os conceitos de iletrismo ou de analfabetismo funcional, propomos falar de "letrismo a-funcional".Essa mudança de conceito é importante, pois, enquanto o iletrismo e o analfabetismo funcional "estigmatizam"7 a pessoa, fazendo dela a única portadora de uma anormalidade, de falhas, o conceito de "letrismo a-funcional" nos induz a considerar o problema como parte de um amplo sistema de significações diversas que "o sujeito, em relação com o seu meio", atribui à sua própria relação com a letra. Uma dessas significações levou-o a construir uma a-funcionalidade da letra em suas relações com o outro. Toda ação pedagógica, quer seja de escolarização inicial ou de formação de adultos, necessita então ser repensada, pois não se trata mais de métodos próprios para preencher lacunas, mas de reconstrução de sentidos. É exatamente o que nos dizia uma pessoa de cinqüenta anos, terminando sua reaprendizagem da leitura, ao responder à nossa pergunta sobre o que havia sido determinante, no seu caso, para a reaprendizagem:
"no início do estágio, a responsável falou comigo de literatura!"
Essa resposta contém, ao mesmo tempo, a questão da funcionalidade da letra e a das condições para a construção daquela funcionalidade que chamaremos de "palavra que traça um destino".

2. DA VOZ À LETRA: A QUESTÃO DO JOGO PARA A EMERGÊNCIA DO SENTIDO
Nas culturas do Norte, é ainda na condição de feto que o filhote de homem recebe um nome na palavra dos adultos do seu meio. Nas culturas tradicionais de tipo oral, será preciso esperar pelos ritos de apresentação à comunidade, isto é, pelo "nascimento cultural" da criança, para que a palavra dos adultos a nomeie como pertencente a uma linhagem, como ligada a um ancestral. É, então, no meio do ruído das vozes que o cercam, que tudo começa para o filhote de homem. Do primeiro grito ao primeiro "Eu", é entre diferentes vozes que a criança vai poder afirmar sua presença como sujeito. A voz da criança está já no grito que adquire sentido porque a voz dos adultos não abafa essa emergência, porque a voz dos adultos está, por algum tempo, ausente. Enquanto a voz do outro não deixar um vazio para a voz da criança, esta será apenas grito. É "a criança-grito", o autista que não pode vir-a-ser porque o outro o colocou num lugar onde nenhum jogo de vozes é possível (caso, por exemplo, da criança concebida para substituir um irmão morto).
Quando há vazios nas vozes que a cercam, a criança usará sua voz, dando-lhe sentido e fazendo-a tornar-se palavra. A palavra está presente para preencher o vazio, para dar-lhe um nome, para colocar um objeto onde só haveria um não-objeto. A palavra é isso: é o objeto de um não-objeto. Trata-se, então, de um objeto a ser sempre recriado, o que implica que o ser não é ser, é vir-a-ser, é ter de ser. A palavra é realmente uma propriedade do sujeito humano que, em estado de vir-a-ser vai dispondo por aí as palavras a fim de estar sempre criando outras. A palavra preenche o vazio entre mim e o outro, criando os objetos do nosso encontro. Do grito à voz, da voz à palavra, da palavra à letra, trata-se do mesmo processo. Mas, se a palavra é "para o outro presente", a letra é para o "outro ausente". A letra me permite encontrar o outro, encontrar a alteridade e, sobretudo, construir "meu outro" em mim. A letra, objeto do outro se a leio, objeto para o outro se a escrevo, é um espelho mágico que me permite reconhecer-me, descobrindo-me outro. O problema do acesso à leitura, como o da iniciação à escrita, está aí. Para que, pela letra, eu possa conhecer-me outro, é necessário que eu possa antes reconhecer-me nela. Se sou obrigado a reconhecer nela o outro que eu deveria ser, antes de me reconhecer a mim próprio, encontro-me mergulhado num non-sens, num delírio5. É o problema da aprendizagem da leitura (letras do outro) quando não houve antes iniciação à escrita (minhas letras – cartas – para o outro). É o problema da alfabetização numa língua diferente da materna, é o problema dos "métodos" de leitura, sejam quais forem, quando, em vez de serem uma ferramenta a serviço do aprendiz, fazem dele o objeto de uma ideologia pedagógica. Tudo o que o aluno pode fazer é, então, aderir ao espelho oferecido da letra, sem nele se reconhecer. Essa aderência anula todo espaço de jogo e, impedindo então de se ver outro, impede o acesso a qualquer funcionalidade da letra, ou então cria uma funcionalidade mínima que logo se perderá.

3. A LETRA: ESPELHO ONDE DEVO RECONHECER-ME PARA NELE ME RECONHECER OUTRO
Frank, na opinião de todos os professores que o conheciam, era uma criança muito inteligente. O pai era oficial da marinha mercante e a mãe cuidava das crianças no lar. Eles desejavam que Frank freqüentasse bons cursos e tinham feito tudo para que iniciasse a pré-escola um ano antes da idade normal. Entretanto, depois de dois anos de curso, Frank ainda não sabia ler. A equipe de orientação colocou-o pela terceira vez na mesma classe, mas com uma professora jovem, que não escondia o seu entusiasmo pelos "novos métodos" de aprendizagem da leitura. Para ela, era uma questão de honra conseguir sucesso aplicando esses métodos, ali onde os "antigos" (métodos e mestres juntos) tinham fracassado. Ao fim de quinze dias, durante uma aula de leitura, Frank agrediu-a com uma cadeira. Embora sendo um menino "inteligente e de boa família", não dava mais para deixá-lo numa classe normal. Foi integrado a uma classe especial que funcionava em regime de pedagogia institucional. Muito interessado na oficina de "teatro e fantoches", teve logo de enfrentar a rejeição dos colegas da mesma oficina. Isso porque as crianças haviam resolvido criar uma peça de teatro de fantoches e queriam apresentá-la para as outras classes, a fim de recolher algum dinheiro, contribuindo assim para o projeto coletivo da classe, que era de passar oito dias num parque natural do sul da França. Já tinham começado a escrever a peça quando disseram a Frank: "Frank, pode ir dando o fora, você não sabe escrever, não precisamos de você!"
Após dois dias de prostração, Frank procurou seu professor e lhe disse:
"Diga aí, quando é que você vai me ensinar a ler?"
Com um método clássico, silábico, como instrumento de apoio, Frank "aprendeu" a ler em um pouco menos de dois meses.
A "não-funcionalidade" de sua relação com a letra foi a forma encontrada por Frank para dizer a seu pai, constantemente ausente, mas perpetuamente presente através das ordens escritas que deixava a cada um dos membros da família: "não sou um objeto seu, sou um sujeito com vontade própria, a prova é que me recuso a ir aonde você quer que eu fique!" O "forcing" metódico praticado pela professora do C. P. foi para Frank de uma violência extrema, pois levava-o a perder sua relação a-funcional com a letra, e, portanto, a não poder mais impor-se como sujeito em relação ao pai. À violência simbólica, ele respondeu com a violência dos atos.
Nessa dupla imposição do sentido da letra, a do pai: "você vai ser como eu quero" e a da professora: "você vai ser como o método me diz que deve ser", Frank não podia reconhecer-se. Na classe especial ele descobriu uma relação inversa com a letra. Para não ser o objeto que seus colegas podiam pôr "para fora" e continuar sendo sujeito da história em que se havia inscrito, precisava construir uma relação funcional com a letra. Nesse contexto, construir uma relação funcional com a letra era reconhecer-se como sujeito com vontade própria, um sujeito em vir-a-ser.
A escolha para ele foi difícil, como é difícil para qualquer criança quando um dia precisa escolher entre a palavra (oralidade materna) e a escrita (a ordem paterna do mundo)8. Se Frank abandonou sua relação a-funcional com a letra, construindo uma outra realmente funcional, foi porque um certo número de condições estava presente no seu ambiente. É o que tentaremos mostrar no último parágrafo.
Pauline também era uma menina inteligente, mas não conseguia aprender a ler. Os professores diziam que quando ela conseguia dar um passo à frente, dava sempre dois para trás. Nenhum deles compreendeu o que acontecia com ela, pois pertencia a uma família de classe "média" (o pai era funcionário municipal), "unida", não "oriunda da imigração". Só o irmão mais velho tinha apresentado o mesmo problema, mas ele não manifestava o mesmo desejo que Pauline de aprender.
Os psicólogos consultados tinham emitido o diagnóstico de "inibição intelectual", o que nada explicava, mas dizia claramente aos professores que podiam sentir-se livres de qualquer "responsabilidade" quanto à relação a-funcional com a letra que Pauline construía. Felizmente um professor rebelou-se contra o determinismo que destinava Pauline diretamente a uma classe especial. Percebeu-se então que as normas familiares estimulavam a dependência à mãe, a indiferenciação entre as pessoas, o espírito de clã. A mãe, efetivamente, "ameaçava" deixar de amar aquele ou aquela (tanto marido quanto filhos) que não fosse como ela desejava. Não admitia que um filho fizesse passeios com a escola, muito menos excursões pedagógicas de vários dias: "devemos ficar todos juntos", dizia, e tinha dificuldade em se separar das crianças quando as levava para a escola, de manhã.
A escola, por sua vez, estabelece a funcionalidade da relação com a letra como fundamento do sucesso individual e o acesso a valores como a autonomia e a necessária competição. Como poderia Pauline se reconhecer nessa relação simbólica da escola com a letra? Como poderia ela construir uma relação de funcionalidade com a letra, senão se colocando em estado de "traição" para com a cultura familiar? Qual era o preço a pagar por uma traição dessas? Como um educador poderia ajudar um aprendiz, criança ou adulto, a negociar essa traição obrigatória?

4. LETRAS E TRANSCULTURAÇÃO DO SER
(...) ler é isso: dar minha voz ao estranho silêncio das letras estrangeiras; ler é isso: passar meu ser do lado do outro, fazer renascer a alteridade por meio da minha voz, da minha vida mesmo, e dessa operação maiêutica, eu mesmo nasço , torno-me outro, faço-me ser ‘nascer’ dando origem ao outro.
Ler é verdadeiramente fazer ser do não-ser e não ser meu ser para ser.9
Construir uma relação de funcionalidade com a letra é ser em vir-a-ser. Mas ser em vir-a-ser implica um duplo movimento: abandonar o presente e construir o futuro, "fazer não ser o meu ser e ser um não-ser". Ora, hoje, estamos em período de revolução cultural. Os avanços tecnológicos e científicos, em um século, transformaram o mundo e as relações do homem com seu meio como jamais a humanidade o fizera desde a noite dos tempos. A rapidez dessas transformações apresenta um duplo perigo para o homem: não entender mais nada do que acontece no mundo, e, portanto, não ter mais referências suficientes para se projetar num futuro próximo, para fazer "ser do não-ser", ou, então, em conseqüência disso fechar-se no atual, num universo limitado, imobilizar-se, isto é, unicamente "ser", sem nunca mais poder fazer "não ser o meu ser" para me transformar. Nessas condições, o acesso à leitura, à letra do outro, da mesma maneira que à escrita, minhas letras para o outro, não tem mais sentido, pior ainda, torna-se perigoso, pois isso me obrigaria a me transformar sem dispor dos meios para isso. A letra continua presente, mas de forma deficitária e totalmente narcísica, já que traz apenas o espelho de "mim mesmo".
Por ocasião de uma oficina de redação num estágio com jovens de 16 a 18 anos, estudamos os textos que produziram, particularmente os textos que versavam sobre o tema da pessoa que cada um gostaria de encontrar, e que não se encontra. Poderíamos esperar a descrição de estrelas, esportistas famosos, enfim, pessoas que poderiam encarnar modelos de identificação para esses adolescentes que costumam colecionar em fotos e posters. Em vez disso, um grande número de textos remetem a "você é exatamente a réplica de mim mesmo", como diz um dos trabalhos. Isso nos mostra a que ponto os jovens de hoje são confrontados com o "silêncio do mundo", como dizia Albert Camus. Os adultos estão dramaticamente ausentes do ambiente desses jovens enquanto modelos de como se tornar outro. É verdade que os adultos se encontram numa quase total incapacidade de projetar-se num futuro próximo. Assim é que certos grupos sociais e particularmente os jovens "desligam-se"10 dessa evolução cultural excessivamente rápida. Isolados num espaço-tempo sem futuro, a letra não tem para eles razão de ser e as aprendizagens escolares, especialmente as que dizem respeito à funcionalidade da letra, tornam-se cada vez mais precárias e destinadas a um rápido esquecimento.
Mas evitemos os equívocos: a funcionalidade da letra não é saber preencher o formulário da Previdência, ou saber responder ao questionário da assistente social ou da apostila do professor. Propor esse tipo de exercício em um estágio de formação ou na escola, é umnon-sens, se o exercício não servir de estímulo à leitura do livro. A funcionalidade da letra é ser capaz de descobrir o segredo contido no livro! Só se aprende ou se reaprende a ler nos livros! Foi isso exatamente que nos mostrou aquela pessoa que tinha "falado de literatura" com sua professora. Só a letra do livro pode deslocar o sujeito de sua aderência ao espaço-tempo de seu meio, daquela "imagem do mesmo" e abrir então o espaço do jogo onde a letra tem sentido.
A partir de uma pesquisa-ação em vários D.S.Q.11 da periferia sul de Paris, trabalhamos com um grupo de jovens que haviam participado do saque a um híper-mercado durante várias noites seguidas. Descobrimos, então, que esses jovens estavam isolados no universo limitado do bairro, sem saber como ir a outros lugares, nem mesmo ao bairro vizinho. A urbanização dos anos 60, com construções sobre lajes e ruas subterrâneas, obriga a reconhecer referências espaciais específicas do bairro. Quando tínhamos uma reunião com as associações desse bairro impressionava-nos a dificuldade das pessoas em nos indicar o caminho para chegar até elas. Invariavelmente a explicação terminava assim: "Venham até a prefeitura, ou até o centro comercial, e de lá é só telefonar, que iremos buscá-los". Pudemos compreender melhor no dia em que, saindo de uma associação de prevenção contra a toxicomania, com um educador que acabava de explicar que passava três quartos de seu tempo de trabalho com os jovens na "rua", fomos abordados por um pintor de parede que nos perguntou onde ficava a rua Meuse: "Comecei meu trabalho hoje cedo, disse ele, acabo de ir comer um sanduíche e não consigo mais encontrar a obra. No entanto, passei por aqui de manhã, posso reconhecer o edifício mas não encontro mais a rua".
Como o educador foi incapaz de dar a informação, manifestei minha surpresa, pois ele acabara de me dizer que trabalhava pelo menos três quartos do tempo nas ruas do bairro.
Mas aqui, respondeu, os nomes das ruas não servem para nada, as ruas ficam embaixo. Aqui as pessoas se orientam somente em função dos blocos ou dos prédios mais peculiares como a prefeitura ou o centro comercial. Os jovens aprendem somente uma forma de orientar-se nas ruas, forma que é intransferível para o bairro vizinho.
O diretor do centro comercial falou-nos também de modo "peculiar": "Eu mesmo não estava aqui quando aconteceram os fatos, eu era gerente do mesmo super-mercado no Rio de Janeiro. Lá, a loja ficava na fronteira entre dois mundos, o dos privilegiados e o das favelas, daqueles que não têm nada. Para garantir a segurança da minha loja foi preciso negociar com os representantes morais das diferentes comunidades. Foi por causa dessa experiência que me mandaram para cá, pois encontrei aqui os mesmos problemas de uma sociedade vivendo em dois ritmos diferentes, eu diria até que aqui há um grupo que já não tem nenhum ritmo, que não se mexe mais, porque não tem mais nada!
A esses jovens que vivem num espaço reduzido, numa sociedade de adultos sem nenhuma perspectiva de mudança, os agentes sociais, os professores, os educadores devem fornecer referências e modelos de identificação adequados para levá-los, apesar de tudo, a se pensarem como seres em (trans)formação.
"Há tantos problemas de saúde que só consigo cuidar deles, o trabalho social fica para depois", diz a assistente social do colégio.
"Há tantos problemas sociais que, ocupados em resolvê-los, deixamos o trabalho escolar para mais tarde", diz-nos um professor do mesmo colégio.
"Há tantos problemas escolares que criei uma associação para ajudar", disse finalizando a enfermeira do referido colégio."
Com estatutos e papéis mal determinados, intercambiáveis, como poderiam os jovens ser ajudados em seu desenvolvimento e em seu acesso ao saber?
"Queremos uma sala só nossa no colégio e bancos no pátio", disseram-me eles, após longas horas de debates.
"Esperem um pouco, não entendo", respondi. "Durante horas vocês me disseram que o colégio era uma m..., era uma prisão, que vocês estavam cheios, e a única coisa que pedem é uma sala e bancos no pátio?"
As respostas não deixaram dúvidas. Na família ninguém os ouve, nas escadas dos prédios, a droga ou o estupro, fora havia apenas o centro comercial, no Colégio "podemos nos encontrar, conversar em segurança, há professores que nos ouvem". Em outras palavras, só o Colégio permite-lhes conhecerem-se e reconhecerem-se, porque oferece um lugar de escuta, de referências estáveis e confiáveis. Se é preciso primeiro reconhecer-se para transformar-se, os jovens nos dizem claramente que a escola cumpre esse papel. O problema é saber se ela o faz de maneira consciente e construída, e como é que ela ajuda, com esse trabalho indispensável, a "passarem do não-ser ao ser" esses jovens que não têm outro lugar para isso.
Quando dizemos "escola", referimo-nos a todos os níveis de educação de base. Num programa P.A.Q.U.E. 12 trabalhamos com A., um jovem de 20 anos que foi logo nos dizendo:
"Não tentem nada comigo, não vale a pena!"
Ao sair da escola, ele tinha entrado num estágio de inserção profissional onde lhe pediram para fazer um projeto. "Encanador", respondeu ele. Depois de um primeiro fracasso, novo projeto: "marceneiro", e novo fracasso. Depois de um estágio de readaptação, o projeto foi "toilette de cães", que como os anteriores termina em fracasso e daí a um último projeto: "cabeleireiro", cujo insucesso leva o jovem ao programa P.A.Q.U.E.
Os dois erros fundamentais cometidos na orientação desse jovem foram: o "não-tempo" reservado ao conhecimento e reconhecimento de si e a assim chamada iniciação profissionalizante, a partir da "construção" de um projeto. Esse conceito de projeto, como mostramos em outro trabalho13 , funcionando de maneira encantatória, é assassino do futuro. O responsável pela formação fica com a consciência tranqüila, pois acredita estar trabalhando para o futuro do jovem. Entretanto, este é bloqueado porque um projeto de futuro não pode reduzir-se a procedimentos de inserção profissional. O projeto deve ser essencialmente um trabalho sobre o processo imaginário do vir-a-ser da pessoa. Os procedimentos imediatos de inserção profissional são apenas uma emanação indispensável dessa tarefa, mas parcial. Quando esses procedimentos tomam a vez e o lugar dos processos, o sujeito é conduzido à catástrofe: "eu não sirvo para nada, não percam tempo comigo!"
Construir uma relação de funcionalidade com a letra exige, então, que ela esteja inserida num processo de transformação, isto é, num processo de mudança de identidade. Os barqueiros explicitam isso muito bem, dizendo que aprender a ler "é passar da cultura de ‘a bordo’ para a cultura de ‘em terra"’. Dar-se o direito de acesso a essa transformação não é automático, vimos o caso de Pauline. Mas isso é também, sobretudo, verdadeiro em relação às crianças ou adultos vindos de uma outra cultura. "Posso me dar o direito de ser dos que estão ‘em terra’, quando meus pais são dos que estão ‘a bordo’? Posso me dar o direito de saber ler quando meu pai não sabe? Posso me dar o direito de saber uma língua que não é a dos meus antepassados?"
Michel de Certeau não dizia que "falar a língua do outro é estar morto"?
Foi o que mostrou o trabalho de Serge Wagner14 sobre os grupos francófonos do Ontário. Diante da obrigação de serem alfabetizados em inglês, setenta por cento desses grupos francófonos continuam analfabetos. É o que ele chama de "analfabetismo de resistência". Quando a letra é um perigo muito grande de perda de identidade, sua a-funcionalidade torna-se uma arma eficaz contra essa perda fundamental. Essa foi também a causa do insucesso dos programas de alfabetização da UNESCO nos anos sessenta. Foi isso igualmente que mostramos em nossa pesquisa sobre a escolarização das crianças antilhanas na França (14. Biarnès, Surhomme 1982), acrescentando-se que a relação: língua francesa–crioulo é uma relação de dominação, transferível a outras situações em que uma letra diminui e até desvaloriza uma outra, caso, às vezes, da língua "da escola" em face da língua da família.
"A professora fala lentamente, com palavras muito compridas, ela não tem nenhuma pressa... Pendurem o agasalho no cabide! Minha mãe berra: não largue o casaco por aí, quem que vai guardá? Tem um mundo separando as duas... Em casa, cabide ninguém sabe o que é, agasalho, não se diz. Pior que uma língua de gringo, se fosse alemão ou turco, a gente já sabe que não vai entender. Mas na escola, eu entendia quase tudo o que a professora dizia, mas sozinha não conseguiria fazer... A língua de verdade, era em casa que eu ouvia; a birita, o rango, ser enrolado, dá uma beijoca, neguinha. As coisas estavam todas lá, na casa, os gritos, as caretas, as garrafas pelo chão. Quando a professora falava, as coisas não existiam!" É o que diz Annie Ernaux no seu romance Les armoires vides15,16 e17
Quando a dominação de uma língua sobre outra coincide com o momento em que o aprendiz passa do oral para o escrito, os problemas a superar podem tornar-se intransponíveis. Muitos encarregados de formação na área de alfabetização de adultos se queixam de que os estágios começam com 25 pessoas e terminam com 4 ou 5: "eram as únicas motivadas", dizem à guisa de explicação. A realidade é bem outra. Passar do oral para o escrito é mudar de mundo, é uma transformação do ser que perturba de tal forma a identidade, que a angústia se torna muito forte, e só na fuga há salvação. Claro que antes de fugir os aprendizes pedem socorro ao professor, mas este, não estando preparado para ouvi-los e compreendê-los, não lhes dá atenção. O aluno fica só com sua angústia e aí acontece a fuga. Para que os formadores especializados que preparamos para trabalhar com públicos particularmente difíceis possam entender bem essa questão, costumamos dizer no início do estágio:
"O estágio de formação que vocês vão seguir não vai de maneira alguma trazer-lhes receitas prontas que possam passar a um público preparado para consumi-las. Vamos juntos tentar compreender: compreender as pessoas com as quais vocês vão trabalhar, compreender os sistemas de relações dessas pessoas com seu meio, compreender a situação de um adulto em situação de aprendizagem, compreender os instrumentos pedagógicos de que poderão servir-se, etc... Mas sei muito bem que na metade do estágio muitos de vocês vão novamente pedir-me receitas prontas, completas. Na qualidade de formador, posso então ter duas atitudes. Na primeira considero que esses estagiários nada entenderam do que lhes foi dito desde o início do estágio e ficarão sendo aqueles formadores sempre em busca do "material milagroso", do "método certo" para ensinar a ler. Na segunda, ao contrário, digo a mim mesmo que esses estagiários compreenderam tudo muito bem, mas encontram-se em um período de transformação, de "re-leitura" de suas práticas anteriores. No entanto, como ainda não "re-construíram" suas perspectivas de práticas novas, estão apenas expressando a própria angústia com os pedidos de receitas. Cabe então a mim, professor, formador, educador, acompanhar mais amplamente essa re-construção de uma nova identidade profissional. Não esqueçam isso quando estiverem com públicos em dificuldade. A angústia que irão sentir, conseqüência da transformação que estão empreendendo, é mil vezes mais fraca que a que vão ter essas pessoas com problemas quando estiverem trabalhando com vocês. Aprender ou re-aprender a ler quando se é adulto significa inscrever-se numa profunda mudança de identidade, e de cultura, e a grande dificuldade para o formador está em acompanhar o aluno nesse caminhar a fim de que a periculosidade da letra fique nos limites negociáveis para o indivíduo."
Um exemplo dramático foi-nos dado num grupo de reflexão sobre a prática, de que fomos o animador junto a educadores e voluntários num bairro "quente" da periferia norte de Paris. Num grupo das "Actions Educatives Péri-Scolaires"(A.E.P.S.), um educador voluntário expôs o caso de Moussa, um menino de origem magrebina que não fazia absolutamente nenhum progresso, apesar de seus esforços tanto nas A.E.P.S. quanto na escola onde conheceu esse educador. A descrição do caso desse menino mostrava uma criança "imobilizada", com a qual nenhuma abordagem, nenhum tipo de aprendizagem parecia possível. Seus irmãos não apresentavam nenhum problema maior. Emitimos a hipótese de que poderia tratar-se da transposição para a problemática intercultural do que se chama em patologia uma "criança-sintoma", como mostrou perfeitamente o filme "Family life". Para gerenciar o choque de culturas, uma família de imigrantes pode depositar num dos seus membros "as raízes simbólicas da cultura de origem". Com essa garantia de não perdê-las, todos os membros da família, exceto o depositário das "raízes", podem fazer um percurso de integração, e, portanto, de transformação. As crianças aprendem na escola normalmente, mas se o depositário for uma criança, ela ficará "imobilizada", não aprenderá nada, muito menos a ler e escrever. O problema que se coloca é o de saber se é necessário deixar essa criança "ser sacrificada" para o benefício de todos, ou levá-la a lançar-se num percurso de transformação, arriscando-se a colocar todos os outros em situação complicada. Parece evidente, de qualquer forma, que qualquer coisa que se tente nesse caso, precisa envolver a família inteira. Tomando-se esse cuidado, foi iniciado um trabalho com esse menino. Um pouco antes da Páscoa, o professor nos fala de sua alegria; o menino praticamente já sabe ler! De volta das férias ele nos anuncia que a criança caiu da escada e fraturou seriamente os dois tornozelos:
"ele precisa ficar no hospital pelo menos três meses e só voltará a andar daqui a nove ou dez meses", diz com grande tristeza.
Esse menino fora realmente marcado com o timbre do imobilismo cultural e o trabalho empreendido provocou uma transformação rápida demais para ser administrada pela família em conjunto.

5. "A PALAVRA QUE TRAÇA UM DESTINO" OU AS CONDIÇÕES DE ACESSO À FUNCIONALIDADE DA LETRA
"Toinou, o conhecimento ninguém lhe dará, você precisa ir roubá-lo": palavras do avô ao neto, palavras que guiaram Toinou na sua migração e na sua busca do saber 19. Aos dezessete anos, quando era pastor na região do Cantal e "analfabeto", embora tendo freqüentado a escola, de que se recorda apenas das reguadas, Toinou resolve partir em busca de um outro ofício. Assim ele vai atravessar a França e terminar sua carreira como diretor de uma grande fábrica do Norte. Ele repetirá sempre que essas palavras lhe serviram de apoio a cada momento. Dizemos que são "palavras que traçam um destino", porque desencadeiam infalivelmente os processos do vir-a-ser no seu destinatário. Elas desempenham, na realidade, quatro funções simbólicas indispensáveis.
* Uma função de reconhecimento valorizado. Ao dizer aquelas palavras, o avô diz ao neto: "sei que você é capaz de adquirir o saber". Essa valorização de si mesmo transmite a confiança necessária para se aventurar no caminho de todas as transformações e, em particular, nas que se produzem pelo acesso aos conhecimentos.
* Uma função de ajuda, com as referências que permitem comprometer-se no caminho da transformação. O avô não diz: vá à escola", ele diz: vá "roubar o saber", isto é, transgrida o que você vê, senão ninguém lhe dará o saber, nem mesmo eu. Depois Toinou vai observar que adquiriu seus conhecimentos não pelo acúmulo de informações prontas, mas, ao contrário, questionando sempre, para entender o que não lhe explicavam.
* Uma função de securização, primeiramente pelas referências dadas e depois pelo fato de o avô dizer a Toinou que estaria lá para ajudá-lo: "se insisto para que se aventure na busca do saber é porque estarei sempre a seu lado".
* Uma função de validação, enfim, pois o avô é o único alfabetizado da família. Encontra-se então investido de uma legitimidade que lhe dá o direito de pronunciar aquelas palavras. Essa legitimidade se transfere para o futuro, garantindo a Toinou que seu avô poderá, se for o caso, legitimar os conhecimentos adquiridos, isto é, assegurar-lhe que o que aprendeu não é um delírio, mas que "leu corretamente o mundo", como devia.
Reconhecemos aí as funções que a mãe deve desempenhar desde os primeiros instantes da vida do bebê20, isto é, ensinar à criança os mecanismos de desligamento e de re-ligamento, dando-lhe confiança nas próprias capacidades e a garantia do apoio materno indefectível. Revendo os casos de Frank, Pauline, Moussa, dos jovens do D. S. Q., nota-se que várias dessas funções falharam em relação a eles e no caso de Adrien nenhuma delas estava presente. Quando falta esse apoio no ambiente familiar da criança, do jovem e até do adulto, os educadores, os professores, os agentes sociais é que são solicitados a desempenhar esse papel. Duas experiências nos servirão de demonstração, uma em educação inicial com crianças da escola primária, outra com os jovens de 16 a 25 anos do programa P.A.Q.U.E., de que já falamos.

5.1. "Radio-Cartable" ou uma iniciativa global para o sucesso escolar 21
Não suportando mais o nível de reprovações nas escolas primárias, os professores de um município da periferia sul de Paris decidiram um dia pedir aos alunos que criassem programas de rádio, programas de verdade. Esse projeto beneficiou-se de várias circunstâncias, mas, fora a intuição de que a idéia interessaria às crianças, e já seria muito, eles se lançaram nessa aventura sem analisá-la mais a fundo. Somente quatro anos depois foi que apelaram à Universidade, a fim de entender o que na realidade estava acontecendo, com duas perguntas: que estamos fazendo? e por que, embora trabalhando a linguagem oral, observamos uma nítida melhora na aprendizagem da escrita?
Uma quinzena de classes, divididas em grupos de duas a cinco, elaboravam um programa de uma hora que ia ao ar toda semana numa estação FM oficial. Uma parte era gravada, uma outra era ao vivo, e a proporção entre as duas era essencialmente relacionada com o nível dos cursos. A porcentagem de programas ao vivo ia aumentando quando se dirigiam às classes da pré-escola até a 4a série.
O que é importante para entender os processos em jogo nesse espaço de aprendizagem realmente especial se resume em quatro pontos:
- o primeiro é o da realidade social da criação feita por cada grupo. Estamos num espaço de criação onde funciona a cultura e o imaginário de cada um e onde cada um precisará "negociar" seus conhecimentos e desejos para chegar a uma produção coletiva. Além disso, a produção é "socialmente" reconhecida pelos ouvintes e pela estação da rádio, que cede gratuitamente uma hora de programação, com a condição de não perder ouvintes. Isso significa para as crianças que são capazes de fazer o que normalmente é feito por profissionais. O fato de um ouvinte participar ao vivo, ou de os diretores da estação renovarem o contrato, representa uma imensa valorização das capacidades das crianças. Para cada uma delas, a palavra que lhes é dirigida é: "sei que você é capaz de..."
- o segundo é o fato de que os programas não são criados dentro das normas radiofônicas reconhecidas (truques para segurar o ouvinte, alternância de tipos e pessoas), mas com normas de coerência, de compreensão da parte de todos do que é dito, de interesse do assunto a ser compartilhado. Cada um é obrigado a colocar-se no lugar do outro para tentar "ver" se compreende o que é dito. É assim que se lança o desafio de se reconhecer, de reconhecer o outro, de se reconhecer outro.
- o terceiro, conseqüência do segundo, é que tudo foi escrito de antemão, que as seqüências são aprendidas, que há leitura individual e coletiva dos textos para eliminar todas as escórias características do oral. Estamos, na realidade, num espaço de aprendizagem de retórica, como não existe há muito tempo nos programas escolares, pois se acredita que só existe um oral, aquele que não precisa ser ensinado, que é apenas uma "sub-língua", visto que a boa e verdadeira língua é a escrita. Saber argumentar, dar forma ao pensamento através do oral, não se ensina mais, e, no entanto, é isso que faz a ligação entre o oral que não se estuda e a língua escrita. Radio-Cartable restabelece o jogo oral-escrito e os resultados são muito interessantes. Todos os registros da língua estão em jogo, sem domínio de um sobre o outro: ao contrário, as crianças aprendem em que contexto se deve empregar um ou outro.
- o quarto está ligado ao contexto excepcionalmente complexo das aprendizagens. Criar o programa significa reduzir ao mesmo tempo uma multidão de problemas a alguns pontos precisos. Assim, cada criança pode apropriar-se do que lhe parece mais propício para ajudá-la a realizar a sua tarefa. Não há um caminho traçado pelo mestre para aprender tal ou tal noção, cada um acha o seu caminho, cada um pode desenvolver as suas próprias estratégias. Melhor ainda, cada um deverá analisá-las para explicá-las aos outros, pois, para chegar à produção final, para reduzir os problemas, é necessário que cada um compreenda como o outro funcionou para chegar ao ponto onde está. Nas nossas observações entre um grupo de controle sociologicamente comparável e o grupo de Radio-Cartable, nota-se que nenhuma criança de Radio-Cartable emite julgamentos negativos sobre o trabalho do vizinho, mas pede-lhe explicações quando o trabalho lhe parece questionável. Da mesma forma, os professores quase não dizem mais: "não é isso", ou "está errado", mas perguntam: "como você fez para chegar a isto?" O professor tem esse papel primordial de validar a produção do grupo de que também participou. Pode avaliar o progresso dos alunos independentemente das provas formais como as que se usam na pedagogia "por objetivos", por exemplo. Nesse caso, a avaliação passo a passo de cada noção trabalhada é, para o professor, mais a necessidade de ver que o aluno acompanha bem o caminho único traçado pela hierarquização dos subconceitos, do que a avaliação da compreensão que cada um pode ter tido deles. No caso de uma aprendizagem em situação complexa, cada criança tem as referências do quadro geral, referências que são freqüentemente lembradas pelo professor, mas pode, a partir das referências dos outros, encontrar e construir suas próprias estratégias de aprendizagem. Para aprender a ler, sabemos que condições o aluno deve apresentar, nunca saberemos exatamente as estratégias que este ou aquele aluno pôs em ação para um dia conseguir ligar grafemas, fonemas e sentidos. Talvez seja esta uma das condições para que o outro aprenda a ler: o professor ou o formador deve resignar-se a não saber como o aluno chega a essa aprendizagem. O pedagogo é um criador de espaços de aprendizagem, espaços onde deve reunir o máximo de condições necessárias à aprendizagem, espaços onde ele deve estar presente na qualidade de mediador. Ao analisar as gravações em áudio ou vídeo que fizemos de alguns programas, os professores ficaram surpresos de ver que algumas crianças haviam adquirido, por exemplo, noções de conjugação que ainda não tinham sido trabalhadas sistematicamente em aula. As crianças eram capazes, num texto criado por elas, de empregar quatro tempos verbais, entre os quais o subjuntivo, sem nenhum erro de concordância. Enfim, a título de ilustração dos resultados, forneceremos aqui apenas duas avaliações comparativas entre o grupo de controle, de que falamos acima, e o grupo Radio-Cartable.
Nas provas de francês do teste de aquisição escolar (T.A.S). para alunos da 4a série, as notas médias se escalonam entre 13, 15 e 15.5, sobre 20, e são de 3 a 5 pontos superiores às notas obtidas pelo grupo de controle.
Na prova de narração, que cada aluno devia fazer sobre a mesma gravura, ficamos surpresos com os resultados. A gravura mostrava um recreio com um grupo de crianças em atividade competitiva, outro grupo em atividade cooperativa, e uma criança isolada. Pensávamos ter uma maioria de narrações sobre a cooperação como tema escolhido pelas crianças de Radio-Cartable e sobre a competição, pelos outros. Nossa previsão foi acertada a respeito dos alunos de Radio-Cartable, mas o grupo de controle escolheu, em sua maioria, narrativas sobre a criança isolada. Além disso, essas narrativas versavam sobre temas fortemente depressivos. Sabendo-se que as duas populações de crianças são semelhantes, pode-se dizer que a escola, quando funciona em espaços como o criado pela Radio-Cartable, não erra o alvo e trabalha bem nos diferentes níveis que destacamos acima, especialmente o nível das expectativas dos adolescentes do D.S.Q. de que falamos.
Um último comentário sobre essa experiência a respeito da queixa de certos professores dos colégios que receberam crianças que fizeram Radio. Eles dizem aos professores primários:
"Nas redações eles são muito bons, mas como podem aborrecer com tantas perguntas que fazem!"

5.2. "Avaliação das competências integrada ao ato formativo", ou uma pedagogia centrada no aluno22
Antes de se iniciar o programa P.A.Q.U.E., informamos o ministério de Madame Aubry de que, para esses públicos jovens, "que não dominam os conhecimentos de base", querer submetê-los aos procedimentos de avaliação de competências parecia-nos perigoso, tanto para eles como para o programa. Para os jovens, pois significaria colocá-los em situação semelhante às situações escolares em que tinham fracassado, o que poderia provocar uma rejeição ao programa. Perigoso para o programa, pois para que gastar 1.960 francos por aluno, obrigando-os a fazer provas que só confirmariam o que todos já sabiam, já que por terem obtido resultados quase nulos num tipo de provas é que tinham sido escolhidos para o programa P.A.Q.U.E. Apresentamos, na ocasião, a hipótese de que esses jovens estruturavam o pensamento com uma lógica diferente da que preside a elaboração das provas usadas nos Centros de Avaliação. Seus verdadeiros conhecimentos e competências nos são por isso inacessíveis. Invisíveis para nós, que somos investidos da legitimidade de nos pronunciar sobre a sua existência ou não-existência, esses conhecimentos e competências se tornam indizíveis para os que os possuem. Preconizamos, então, uma pesquisa e para levá-la a bom termo foi-nos concedido fundar o Centro de Avaliação Experimental para um dos programas P.A.Q.U.E. da região de Ile de France.
Como funcionou essa pesquisa? Antes da abertura do programa, trabalhamos com os formadores para "criar uma cultura comum", baseada nos mesmos postulados:
- os jovens que vamos receber adquiriram conhecimentos que não sabemos ver.
- além disso, eles têm potencialidades que não se desenvolveram porque nunca se encontraram nas condições em que isso seria possível.
Esses dois postulados levaram a estratégias específicas:
- coloquemo-nos à escuta de como funcionam esses jovens.
- multipliquemos os espaços, as experiências, as confrontações que poderiam levar cada um dos jovens a encontrar a ou as condições mais favoráveis à aprendizagem. A primeira dessas condições, a que se distingue da experiência inicial que tiveram na escola, é a de procurar com eles condições adequadas para se libertarem dos hábitos de fracasso.
Em uma palavra: fiquemos centrados no jovem. Para isso é indispensável que o formador, envolvido com o jovem numa história que vai se iniciar e desenvolver durante mais de um ano para a maioria, possa também desvencilhar-se dessa implicação de fracasso. Assim, cada formador tinha, a cada quinze dias, três horas de análise de suas observações a respeito do percurso de cada jovem sob sua responsabilidade, em reunião com um membro da equipe universitária. O trabalho nesse espaço permitia a todo momento questionar conclusões que pareciam evidências, como: "essa jovem é nula em matemática, não consegue fazer uma multiplicação ou uma divisão simples", ou propor hipóteses de interpretações quando o questionamento esbarrava numa ruptura de sentido, como na proposta: "não seria o momento de tentar falar com o pai?" Esse trabalho tinha como objetivo o que chamamos "abertura para os possíveis", isto é, evitar o que seria repetição do que fora tentado antes, do "sempre o mesmo", embora conscientes de que os jovens, bem como os formadores, se sentem muito mais "seguros" com a reprodução das mesmas estratégias, sabendo que conduzem ao insucesso. O jovem mal sucedido pedirá ditados, quando foi essa atividade que o levou ao fracasso, e o formador está disposto a atendê-lo porque é justamente o que sabe fazer melhor. É por isso também que o pesquisador da Universidade não quer conhecer o jovem, para não se envolver e poder fazer todas as associações possíveis, mesmo aquelas que jamais foram feitas. Questionando as palavras do formador que julgava uma jovem como "nula em matemática porque não sabia fazer uma divisão simples", e construindo com ele espaços diferentes para abordar essas noções, percebeu-se que a jovem considerada nula em matemática era capaz de construir sozinha um verdadeiro esquema de experiência matemática para resolver situações-problema que exigiam a lógica multiplicativa ou de divisibilidade. Percebeu-se então claramente que o trabalho pedagógico, que consiste em facilitar a aquisição de um operador para evitar a reconstrução, a cada ocasião, da primeira experiência, não é a mesma se o formador parte da constatação: "ela é nula", ou se parte da bagagem real do jovem, que assim tem os seus conhecimentos reconhecidos e pode então transformá-los.
Enfim, o que é importante é que tudo o que se dizia sobre o jovem nesse espaço de análise da Universidade era discutido no dia seguinte entre o formador e o jovem. Este era estimulado a reagir, a se posicionar sobre o que era dito. Tudo isso conforme ele sabia e lhe tinha sido explicado desde o início, deveria constituir a "avaliação de suas competências".
Conhecer-se, reconhecer-se, e reconhecer-se em transformação, essas eram as três condições indispensáveis para as aprendizagens reunidas e trabalhadas no espaço de "avaliação de competências integrada ao ato formativo".
No momento da avaliação final da experiência, ficamos surpresos com o que se destacava nas declarações de todos os participantes: "a avaliação de competências integrada ao ato formativo foi o núcleo da coerência do programa". Acabamos de ver a ligação estreita que ela propiciava entre o formador e o jovem, não uma ligação de dependência, mas, ao contrário, de "negociação" dos pontos de vista. Mas ela permitiu também uma ligação muito estreita entre a formação geral, a formação profissional e os outros espaços (cultura, esportes, etc.). Assim se construiu, para o itinerário de cada jovem, uma "alternância" que não foi apenas uma justaposição de lugares diferentes com atividades diferentes, mas a busca de um único objetivo: "construir com o jovem um projeto global de transformação de sua situação atual", a partir de lugares e atividades diferentes.
Fazendo isso, pusemos por terra o mito que consiste em dizer que os jovens que fracassam na escola deviam ir logo trabalhar numa empresa. O programa em que trabalhamos foi um dos dois programas que, na avaliação feita de "PAQUE – Ile de France", isto é, com uma abrangência de 14.000 jovens, empregou menos "as horas-empresa", mas tem hoje a maior porcentagem de colocação em empresas e em estágios de qualificação!

5.3. As oficinas de redação e de criatividade para a travessia do pior 23
Vamos terminar falando de dois instrumentos específicos que preconizamos com entusiasmo para o trabalho com adultos em estágio de reaprendizagem de conhecimentos básicos. É evidente que esses instrumentos funcionam apenas dentro de um empreendimento global que envolva a pessoa, como acabamos de ver com Radio-Cartable para os jovens e a avaliação integrada para jovens adultos. Trata-se das oficinas de redação e de criatividade. No curso de formação "DUFA especializado", de que falamos acima, trabalhamos com os formadores essas duas formas de expressão a fim de levá-los a vivenciá-las e analisá-las. Ficamos sempre surpresos de ver o que os jovens que eles orientam podem produzir nesse nível. Tivemos também a sorte de conseguir que uma associação empregasse vários formadores que tinham participado dessa experiência, alguns dos quais gostariam de se especializar em oficinas de criatividade e outros, em oficinas de redação. O encontro e a cooperação deles resultou numa produção extremamente interessante, que foi publicada pela associação com ajuda do GPLI, de que reproduzimos uma passagem em anexo 24.
Exprimir-se pelo desenho ou pela pintura tem uma relação direta com o "significante", como diz Lacan 25. A produção artística que começa com uns "rabiscos" é a escrita primitiva que cada um vai colocar em lugar e no espaço da ausência. O rabisco está para o "desenho" como o balbucio está para a palavra – suas primícias. A produção artística vai então buscar no real os elementos que entram em ressonância significante com os objetos internos de cada um e então permitirá expressá-los, configurá-los fora de si. A partir daí, posto à distância, o jogo se torna possível porque a aderência foi rompida. De quantos pintores, de Brueghel, o Jovem, chamado de Brueghel do Inferno a Van Gogh, por exemplo, somos levados a dizer: "ah! felizmente ele sabia pintar!" Inversamente, logo que a aderência volta com força, e o jogo já não mais sendo possível, o significante torna-se novamente delirante, e temos Johnny Weismüller no filme.
Da mesma forma que o autista não tem acesso à palavra porque nenhum espaço de jogo é possível para ele, pode-se pensar que o acesso à letra, ao desenho significante que é a palavra, pode ser barrado para aquele que está "colado" a ela, que concebe a língua como um objeto interno. Exprimir-se pelo desenho, pela pintura é desvencilhar-se, é projetar na tela seu próprio objeto interno e abrir a área do jogo que pode então ser explorada pela oficina de redação, que joga com as palavras. Os caligramas de Appolinaire são um excelente exemplo. Aimé Césaire dizia numa entrevista em que retraçava seu percurso na construção de sua "antilhanidade" que tinha aderido à escola surrealista de André Breton para "quebrar" os moldes de pensamento que lhe havia imposto a sua educação muito europeizada. Foi graças a essa ruptura que ele pôde construir sua identidade antilhana e produzir pela escrita romances e poemas que fazem dele o poeta francófono mais lido no mundo!
Juntar oficina de criatividade e oficina de redação num programa de formação para jovens ou adultos em dificuldade tem esses efeitos "terapêuticos", mas tem também efeitos de renarcisização da pessoa, pois quem antes se acreditava incapaz descobre as suas reais capacidades, isto é, aquilo que pode fazer atualmente, sozinha, e o que pode fazer quando auxiliada, com a ajuda mediatizada do formador.
Finalmente, quando procedimentos globais dão sentido ao aprender ou reaprender a ler e escrever, a oficina de criatividade e de redação torna-se um excelente instrumento para "atravessar o pior", quer dizer, como expressam os que nos falam no início do estágio sem poder escrever, "a vergonha e o sofrimento de não ser se não uma soma de nadas".

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* Título original: L’être et lettres. Tradução de Ivone Mantoanelli e revisão de Angelina T. Peralva.
** Diretor do Instituto de Formação e Pesquisa de Letras, Ciências do Homem e da Sociedade, da Universidade de Paris XIII
1 Empregamos o termo "funcionalidade" em referência, de um lado, à teoria etnoculturalista desenvolvida por B. Malinowski primeiro e por A. R. Radcliffe-Brown, depois, e, por outro lado, à teoria psicanalítica em que a maneira de introjetar um elemento do real tem uma função "econômica" na economia psíquica global do sujeito. O fato de que uma pessoa leia ou não leia tem "um sentido" e, portanto, um impacto sobre o "socius", que, sendo portador da letra, obriga o sujeito a referir-se a ele. Mas isso tem igualmente um sentido social e individual para o sujeito. É a combinação dialética desses diferentes níveis que constitui a funcionalidade da letra para um sujeito. Ela só pode ser complexa e heterogênea e por isso é que dizemos que os conceitos de Iletrismo ou de Analfabetismo funcional são muito redutores e funcionam como obstáculos para a compreensão desse fenômeno e, portanto, para o seu tratamento.
2 A definição de analfabetismo funcional, reconhecida pela Unesco, é clara nesse ponto: "pessoa incapaz de ler e escrever, compreendendo, um relato simples e breve de acontecimentos relacionados com sua vida quotidiana" (10. sessão da Conferência Geral da Unesco, 1958)
3 Cf. C. Lévi-Strauss na Introdução que escreveu para a obra de Marcel Mauss: "Sociologie et Anthropologie", reedição de 1984, Paris, Puf, coleção Quadrige.
4 Numa experiência que fizemos com estagiários do DUFA, especializado em educação de adultos com dificuldades graves, submetidos a uma prova de leitura compreensiva de documentos administrativos, um professor universitário e um bibliotecário seriam classificados nos limites do iletrismo, de acordo com as normas aplicadas pela Association Française pour la Lecture!
5 Em francês grafado "dé-lire", que decompõe o termo, de forma a significar também "des-leitura". N. T.
6 As últimas estatísticas mostrariam que 20%, aproximadamente, da população adulta na França se encontram nos limites do iletrismo. Em 1904, quando o Ministério da Educação Nacional pediu a Alfred Binet que elaborasse um instrumento para medir a Inteligência, foi após a constatação de que 20% da população escolar não aprendiam o que os programas oficiais da escola primária pretendiam tê-los feito aprender, especialmente a leitura!
7 Goffman E. 1974: Les rites d’interaction, Paris, éd. de Minuit.
8 Biarnes, Jean. 1992: Sorcier, héros ou... migrant, Paris, Monde et Cultures, Académie des Sciences d’Outre mer.
9 Tastayre, Roger. 1990: Le sujet et la lettre, conferência do colóquio "Cultures et sub-cultures de l’oral et de l’écrit dans les pays de la francophonie, organizado pela Universidade de Paris XIII, Unesco, GPLI da Unesco. (GPLI: Groupe permanent de lutte contre l’illétrisme)
10 No Canadá, são aliás chamados de "os desligados".
11 D.S.Q.: Développement Social des Quartiers: Desenvolvimento Social dos Bairros, programa desenvolvido nos anos 1990/1992 em aplicação à política urbana, beneficiando bairros especialmente problemáticos.
12 P.A.Q.U.E.: Préparation Active à la Qualificatiion et à l’Emploi: Preparação Ativa para a Qualificação e o Emprego. Tratava-se de um programa lançado por Edith Cresson quando Primeira-Ministra, e levado a efeito por Madame Aubry, então Ministra do Trabalho. Destinado a 100.000 jovens que ao final do período escolar obrigatório não haviam adquirido os conhecimentos básicos indispensáveis. Esse programa tinha uma duração de 1.200 a 1.800 horas, de acordo com os jovens.
13 Biarnés, Jean. 1994: Le projet comme assassin d’avenir, Colloque du CREAI/Dijon.
14 Wagner, Serge; Grenier, Pierre. 1991: Analphabétisme de minorité et alphabétisation d’affirmation nationale à propos de l’Ontario français, Toronto.
15 Biarnés, Jean; Surhomme, Michèle. 1982: L’Enfant Antillais en France, Paris, L’Harmattan.
16 Ernaux, Annie. 1991: Les armoires vides, Paris Folio.
17 Biarnés, Jean; Grégory, Eve. 1995: Tony and Jean-François, looking for sense in the strangeness of school, in First steps together, London, Tentham Book.
19 Sylvère, Antoine. 1985: Toinou: chronique d’un enfant auvergnat, Paris, Plon.
20 Winnicott, W. 1971: Jeu et réalité, Paris, Gallimard.
21 Biarnés, Jean; Mazière, Francine. 1993: Travailler l’oral, la gageure de radio-cartable, in Le Français aujourd’hui n.101, Paris, AFEF.
22 Azoulay, Albert; Biarnés, Jean. 1995: Le bilan de compétences intégré à l’acte formatif, Paris, XIII.
23 Lecoq, Claude. 1996: La peinture et la traversée du pire, Paris, Acéphale. 
Claude é, entre outras coisas, formadora do programa DUFA especializado, de onde vieram os formadores que trabalharam com os jovens nesse projeto. Claude me perdoará o uso que faço aqui do título do seu livro.

24 Trata-se de uma edição feita pela Associação ARIES, do Departamento de Essonne, por ocasião do seu décimo aniversário, com a ajuda financeira do Grupo Permanente de Luta contra o Iletrismo.
25 Lacan, Jacques. 1986: L’éthique de la psychanalyse, Paris, Seuil.


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Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-25551998000200009.