quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O ar taciturno vai onde o pensamento alcança

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René Magritte - La voix du sang 

Por Leont Etiel

Agora é tudo sopro de um vento imprevisível. De dias longos e pequenos. De noites banhadas com as águas diurnas e de dias noturnos. É tempo em que o sol brilha sem entusiasmo, em que as aves voam em círculo, insistentes, presas dentro de si mesmas. É tempo taciturno.
Os ares reverberam um som dissonante. Amiúde. Uma nuvem que se movimenta espraiando-se em incertezas; riscados que fazem rascunhos no céu fitando a terra e esquecidos do horizonte. Agora é tudo uma viagem de tanta coisa. Mental. De perto e de longe. Do passado e do presente. Uma leve brisa entra pela janela para logo desaparecer nas ondas imemoriais que buscam uma lembrança calcada num cansaço visionário. Olhos que se desviam ao oculto de si próprio na renúncia do que olhar.
É a distância e o ausente que o sentido alcança. De caminhos indivisos, de serras e montanhas que mostram e escondem. O panorama vivencial avistado. Frestas de uma janela das estações, transpassadas por uma luz inquietante a anunciar a prova do não presente, que se anuncia pelo não aparecer, a vaguear pensamentos labirínticos impenetráveis à incursão direta, posto que existentes na imaginação.
O dia corre em horas, mas condicionado por ritmos intrapsíquicos; o emergir em entusiasmo e a melancólica imersão, quieta, esperando que logo ele, como dia descolorido, passe. Tudo sopro de um vento incerto. O abrigo. Esse romantismo a galopar no cometa que ainda brilha. O surrealismo em raios de extasiante lucidez, a percepção penetrante, o sensível e o inteligível entrelaçados, a sinalização alegórica, o mundo usual no eclipse que é a sua luz permanente.
O soar de uma presença que não é vista, mas sentida. A lufada do ar taciturno que vai onde o pensamento alcança. Ondeiam o tempo e o vento na imprevisibilidade.


terça-feira, 29 de novembro de 2016

A última lição

Sabemos que, ao dizer Alles nahe werd fern (tudo que é próximo se afasta), Goethe tinha em atenção o crepúsculo do "findar da tarde", mas a assertiva goetehana teve desdobramento, na pena, por exemplo, do argentino Jorge Luís Borges. Caminhando pela rua em Buenos Aires que hoje leva o seu nome, Borges colocou em realce que o dito pelo alemão pode ter como endereço a própria vida, às perdas que ela impõe a todos ao longo dos tempos. Privado da visão, na escuridão da cegueira, Borges foi emblemático: "Ao entardecer, as coisas mais próximas já se afastam de nossos olhos, (...) Todas as coisas vão-nos deixando." Decerto afigurou-se melancólico que o mundo visível se tenha afastado dos olhos de Borges quando da manifestação crepuscular de uma existência que, pela sua produção espiritual, negava o perecer e o sagrava pela consagração da sua obra. Via de regra, os ocidentais lidam mal com a morte; logo ignoram o que, na virtude, deve ser a sabedoria da vida. Pelo que apenas quedam-se em dor e sofrimento perante o crepúsculo da existência. Nos seus escritos da maturidade, Hegel assinalou: "O homem [no sentido de ser humano]  é essa noite, esse Nada [Néant] vazio, que contém tudo em sua simplicidade indivisa: uma variedade de um número infinito de representações, de imagens, das quais nenhuma lhe vem à mente com clareza, ou [ainda] que não estão [ali] como realmente-presentes. É a noite, a interioridade ou intimidade da Natureza que existe aqui:  [o] Eu-pessoal puro. Em representações fantasmagóricas, tudo ao redor está escuro: surge então uma cabeça ensanguentada aqui; mais adiante outra aparição branca; e elas desaparecem também de repente. É essa noite que se percebe quando se olha bem nos olhos de um homem: [mergulha-se o olhar] numa noite que torna-se terrível; é a noite do mundo que se apresenta [então] a nós". Deveríamos pensar mais na vida, ou melhor, no modo de vivê-la...  
Esse é um sentimento que, talvez, ocorra a muitas pessoas apenas perante uma grande tragédia, como o atual acidente com a equipe de futebol Chapecoense. É uma pena que assim o seja. As palavras de Hegel e o choque causado pelo referido acidente fazem-me lembrar o dito por Norberto Bobbio em uma das últimas últimas aparições públicas, em entrevista - 'a última lição'. Segue aí abaixo. De resto, sabedoria da virtude. Virtù. Vita brevis. 



Cuba, Fidel e a (des)informação

Por César Benjamin 

Chego de viagem e encontro os jornais com a cobertura da morte de Fidel Castro. Fico espantado com o nível dos repórteres enviados a Havana. Nenhuma informação relevante, nenhuma entrevista interessante.
No facebook há de tudo, contra e a favor. Mas há, sobretudo, desinformação.
Não tenho tempo para escrever com mais detalhes as minhas impressões sobre Cuba e Fidel. Serei telegráfico e apontarei apenas um ponto de partida.
Os Estados Unidos são a expressão de um projeto geopolítico extremamente bem-sucedido. Por meio de guerras, anexações e negociações, as treze colônias inglesas originais, relativamente pequenas e concentradas na costa leste, formaram o grande território bioceânico que conhecemos. O projeto original previa, explicitamente, que ele deveria ter três projeções extracontinentais: o Havaí (uma base avançada no oceano Pacífico), Porto Rico e Cuba (que garantiriam o controle do Caribe).
Havaí e Porto Rico foram devidamente fagocitados. Em Cuba, o projeto americano se chocou com o domínio da Espanha. As duas potências passaram a disputar o controle de um território que durante muito tempo só conheceu duas possibilidades: colônia espanhola ou protetorado americano.
Na segunda metade do século XIX um movimento endógeno, liderado pelo escritor e poeta José Martí, propôs outro caminho: Cuba seria uma nação.
Martí morreu em combate e seu movimento foi derrotado. Na sequência dos acontecimentos, os Estados Unidos suplantaram a Espanha e estabeleceram o desejado protetorado em Cuba, completando o desenho geopolítico imaginado pelos fundadores da nação americana. Formou-se na ilha uma elite associada a esse projeto.
A Revolução de 1959 foi uma retomada explícita do projeto de Martí, com forte componente nacional e extensa base popular. A ideia de edificar a nação cubana tornou-se, finalmente, hegemônica. É ela que explica, até hoje, tanto a espantosa legitimidade da Revolução em Cuba, apesar de todas as dificuldades, quanto a tenaz oposição a ela por parte dos Estados Unidos: quem é vocacionado para a hegemonia não aceita ser derrotado.
Dos dois lados, há memórias e princípios em jogo. Qualquer avaliação do processo cubano, a meu ver, deve começar por aí, para em seguida reconhecer que a revolução nacional cubana sofreu todas as consequências de ter sido realizada no auge da Guerra Fria, quando os povos haviam perdido o direito de construir suas próprias histórias. Todos os acontecimentos, em qualquer parte do mundo, eram logo enquadrados na lógica da confrontação entre os dois grandes blocos de então.
Tudo isso marcou profundamente os caminhos da pequena Cuba independente.
Não creio que as discussões que se estabelecem em torno de categorias abstratas – “capitalismo” e “socialismo”, por exemplo – possam descrever o real. O que há, sempre, são processos históricos cheios de especificidades.
Torço para que Cuba mantenha seu projeto nacional, que apresenta importantes conquistas, e saiba corrigi-lo, libertando-se da parte ruim da herança de uma época que já acabou. Tenho muitas evidências de que o governo e a sociedade cubana têm plena consciência disso e querem caminhar nessa direção. É o que importa. O resto é guerra de propaganda.

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Fonte: Texto socializado pelo autor. 

sábado, 26 de novembro de 2016

Sociologia solitária

Fala Hans Magnus Enzensberger de uma 'grande insônia do mundo', com os que nela incursionam buscando - com persistência e paciência - os fios de sentido com que se poderá chegar talvez à 'única salvação possível'. Não se trata, por certo, de uma deambulação fácil, e os seus canais estão fechados a quem não vai além do trivial aparente - seja por 'dissonância cognitiva' ou por outra razão qualquer. Sim, é a  cor do tempo quando passa e o soar do seu vaticínio: 'não me escapas'. Em meio a isso, o processo de socialização busca estabelecer regularidades para estabilizar vivências, mas é naquilo que lhe foge que talvez se possa encontrar, pelo menos em determinados casos, o substrato ontológico da existência. Ainda mais nos tempos de agora, da 'sociedade conexionista', com as suas multidões solitárias - lembrando aqui a formulação, antes de Bauman, referida por David Riesman.  O que se passa com as vidas individuais, é disso que se trata. Sentimentos, melancolia, o ato de existir a cada dia, etc. O artigo aí abaixo vai nessa perspectiva, e o escrevi para a publicação francesa 'Je ne suis pas d'accord'. 


Ivonaldo Leite

De façon assez générale, le concept d’anomie désigne les effects d’un affaiblissement des normes et des conventions tacites réglant les attentes mutuelles conduisant à une désagregation des liens sociaux. Mais c’est trés important différencier les effets de l'anomie et ceux du développment de l´égoisme.
Dans cette perspective, Durkheim dit que tandis le suicide égoiste se situe sur un axe dont l’autre pôle est occupé par le suicide altruiste, le suicide anomique, découlant d’un affaiblissement de la présence des règles et des normes, se situe sur axe dont l’autre pôle est occupé par le suicide fataliste, que résulte au contraire d’un excès de réglementation. Nous pouvons donc conclure que les indicateurs d’anomie habituellment utilisés ne traduisent pas en théorie l’augmentation de l’individualisme au sens d’egoïsme, mas l’accroissement de l’anomie proprement dite, c’est-à-dire de incertitude quant aux actions à entreprendre, dérivant moins du dépérissement des normes saisies en tant que données mentales, que de leur effacement des situations et des contextes dans lesquelles elles se trouvaient enracinées.
Comme le dit Boltanski, tous les indicateurs lesqueles Durkheim nous appris à lire le signe de l’anomie sont à la hausse depuis la second moitié des années 1970, ce qui peut être interpreté non seulement comme un résultat mécanique du développement de la précarité et de la misère, mais aussi comme la marque d’un effacement des prises que les personnes puvent avoir sur leur environnement social, avec pour résultat un affaiblissement de la croyance que’elles puvent placer dans l’avenir en tant que point de fuite capable d’orienter l’action et donc de conférer, par rétroaction, un sens au présent.
Cependant cette difficulté à se projeter l'avenir qu'expriment les indicateurs d'anomie doit être selon nous mise en rapport avec l'expérience d'un monde connexionniste. Le trouble qu’elle suscite peut être attribué, plus précisament, à l’existence d’un conflit entre, d’une parte, des normes (particulièment explicites dans mondes domestiques et industriel) valorisant ce qui se tient dans la dureé et, d’autre parte, la condition humanine dans un monde flexible où les êtres se modifient au gré des situations qu’ils rencontrent. Si les personnes, ou une majorité d'entre elles, n'accordaient pas du prix à ce qui doit durer, elles ne souffriraient pas des ruptures associées à des séparations et au découragement devant la tâche d'avoir à refaire ce qui semblait établi. C'est d'ailleurs bien ce trouble que vise à apaiser la la société connexionniste en conférant à ce qui se présent comme transitoire et aussi en organisant les épreuves qui accompagnent la transition.
Il reste que, dans un grand nombre de domaines, la valeur d'un engagement et l'enthousiasme qu'il peut susciter, continuent d'être associés, explicitement ou de façon tacite, à sa durabilité. Évidentemente, comme l'a souligné Boltanski, cela vaut pour le mariage, qui n’est pas contracté pour une durée déterminée (même s’il peut être rompu par la divorce) mais aussi pour les liaisons instaurées hors mariage, auxquelles les personnes accordent d’autant plus de prix que se trouve ménage la possibilité qu’elles se prolongent dans le temps et dont , pour le moins, il n’est pas coutumier de prévoir la fin au moment même où on les noue.  
La société connexionniste est la société d’une sociologie solitaire. Les différents indicateurs d'anomie pointent de façon assez claire vers des troubles relevant des incertitudes liées au type de libération associé au redéploiement du capitalisme. Ceci rend sans doute plus difficile la projection dans l'avenir.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Interrogação das identidades no espelho: imagens e reconstrução do passado

Ou Félix Guattari. A tradução das legendas deixa, e muito, a desejar, mas vale a originalidade do autor de obras como 'Cartografias do Desejo' e 'Os Anos de Inverno'. 


terça-feira, 22 de novembro de 2016

'30 Anos esta Noite', para que amanhã não seja só um mundo de sombras: senda da lucidez

Filme também inspirado na obra 'Fogo Fátuo' (assim como 'Oslo, 31 de Agosto'), de Pierre Drieu, 'Trinta Anos esta Noite' deixa, ao seu fim, uma mensagem que, interpretada, pode ser posta em forma de indagação enigmática: a partida de alguém que, de per si, decidiu colocar fim aos seus dias pode gerar vinculações (com a sua memória) que, em vida, não ocorreram? Talvez essa seja uma das coisas em que pensa Alain, nas suas últimas quarenta e oito horas deambulando por Paris. Talvez. O fato é que saber lidar com o passado significa, em medida determinada, conseguir dar um sentido à vida presente. É sofrível, quiçá mesmo impossível, ecoar a vida presente sem bosquejar um futuro no qual se possa viver. Vamos lá, nunca sabemos, pode até ser que se precise de uma 'paleontologia dos fósseis do amanhã' ou de uma 'psicanálise dos traumas futuros'. E, mesmo com todo o apreço que se deve ter à diversidade, este não é um tema existencial que se consegue dividir, na convivência, com quem não enxerga além da carcaça corporal que habita e sem propensão ao ato (lógico e sistemático) de pensar ou, mais propriamente,  de pensar sobre o pensamento. E isso tem consequências, pois a ideia de futuro, o futuro ideado é real apenas no único momento que pode ser, qual seja, o presente. Consequências, visto que, em face do futuro individual ou coletivo que chega, pode ocorrer de, perante um mundo de sombras, só restar a resistência isolada para não se tornar zumbi. Aí abaixo, mais incursões nessa perspectiva no texto de Eliane Brum, o qual reputo como precioso. 

Juego de Tronos


Por Eliane Brum 
(Escritora e documentarista)

A escavação que fazemos da vida é para trás. Seja sobre o indivíduo, seja sobre a sociedade, seja sobre o mundo. Vamos arrancando as camadas de acontecimentos, alguns com uma daquelas escovinhas de arqueólogo, cuidando para não apagar um pedaço no processo, outros arrancando lascas. E tentando dar sentidos, seja para um trauma de infância, seja para o holocausto judeu, seja para o impeachment de uma presidente ou o suicídio de outro. Sentidos que se ressignificam constantemente a partir de novos indícios, interpretações e também circunstâncias. Compreendemos o presente a partir da investigação viva – e polifônica – do passado. Como chegamos até aqui, seja uma pessoa, um país, uma organização, um partido ou um grupo terrorista, implica uma obviedade: a análise do percurso. Mas penso que, para compreender o mal-estar deste momento, e não só no Brasil, é preciso olhar também para outro lugar: é preciso compreender que o futuro nos constitui tanto quanto o passado.
Não o futuro que efetivamente será, aquele que em seguida vira pretérito sujeito a interpretações múltiplas. Mas a ideia de futuro, esta que nos move no presente. E, por nos mover, influencia de modo decisivo o que somos neste momento. Nosso presente é tão impactado pelo futuro que somos capazes de imaginar quanto pelo passado que tentamos compreender. Em parte, é o futuro que alinhava o mal-estar sentido hoje por tantos em tantos lugares. Precisamos muito de uma paleontologia dos fósseis do amanhã. Ou de uma psicanálise dos traumas futuros.
Como imaginar, por exemplo, que a Belle Époque se tornou o que foi sem o futuro que seus protagonistas eram capazes de imaginar? O futuro que se desenhou no concreto, pelo menos na Europa, foi a Primeira Guerra Mundial (1914-18) e sua matança pavorosa. Mas havia um outro futuro, cheio de otimismo e potência, um que se imaginou no presente. E que criou realidades no presente, influenciando fortemente aquele momento e fazendo dele o que foi. 
Ou, por outro ângulo, como teria sido possível a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha dos anos [19]30, e tudo o que aconteceu depois, sem que uma parcela significativa dos alemães médios tivesse passado a acreditar num futuro com ainda mais perdas, humilhações e medos do que já tinham sofrido após a derrota na guerra? Os culpados, aqueles que são responsabilizados pelas dificuldades do presente, não vêm apenas do passado e de fatos concretos. Mas do futuro e de nenhum fato para além da construção de uma ideia na qual se passa acreditar como fato. Encarnou-se um inimigo nos judeus muito mais por um futuro forjado numa construção complexa do que por um passado real. E o que de fato aconteceu no futuro todos conhecemos hoje como Holocausto.
O suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, e sua carta-testamento podem ser lidos pelo passado, mas também podem ser lidos pelo futuro que o então presidente acreditou poder impactar com esse gesto radical. Vargas matou-se também por acreditar que estaria mais presente no futuro não estando do que se estivesse.
O quanto de nossas decisões individuais no presente não são tomadas em nome de um futuro sobre o qual temos muito pouco controle mas acreditamos que será tal qual imaginado – ou temido – por nós? O que não acontecerá, mas é vivido por cada um como se de fato acontecesse, acontece em certa medida. Ou, dito de outro modo, para aquele que acredita numa ideia de futuro, este futuro ideado é real no único momento que pode ser: no presente. E o conforma. 
É difícil dimensionar o impacto de uma ideia de futuro sobre o mal-estar disseminado deste momento. Mas me arrisco à hipótese de que o futuro nunca teve uma repercussão tão profunda como neste presente expandido. Talvez a frase que melhor expresse isso na ficção é a da série de TV Game of Thrones (HBO), baseada nos livros de George R. R. Martin: “The winter is coming”. O inverno está chegando... 
O futuro de hoje é uma distopia. O que será de fato ninguém pode dizer que sabe. Mas sabemos que uma ideia distópica de futuro move esse presente. No Brasil, esta ideia se impõe depois de um período de crença de que o Brasil tinha superado um patamar simbólico, uma espécie de ranço histórico, e que seguiria avançando. A melhor síntese é o discurso de Lula, em 2009, no dia em que o Brasil foi escolhido para sediar os jogos olímpicos. Como já escrevi neste espaço, aquele é um discurso sobre o eterno país do futuro que finalmente havia chegado ao presente – e este presente era grandioso. Insisto na importância desse discurso porque ele é precioso para compreender o futuro que efetivamente chegou.
Lula consumou, naquele momento, uma alquimia: a ideia de futuro que movia o presente se tornou, em seu discurso, o próprio presente. Esse futuro do presente deveria ter se mostrado em toda a sua glória apenas alguns anos mais tarde: na Copa de 2014 e na Olimpíada de 2016. Mas o futuro do futuro, como se viu, foi bem outro. 
Naquele momento, porém, Lula não compartilhava sozinho essa ideia de futuro tão ativa no presente. Deixaria o governo no ano seguinte, em 2010, com quase 90% de aprovação. Uma aprovação que olhava para o passado, mas também para o futuro. Naquele momento, não era apenas o presente, mas a paisagem desenhada no amanhã que movia a vida cotidiana dos brasileiros. E conjurava uma ideia de felicidade. E também de potência.
Hoje, é difícil acreditar que a maioria esteja vislumbrando um futuro de potência. Talvez este seja o único consenso, entre tantos muros. Uma das leituras possíveis dessa raiva tão disseminada nas ruas de bytes e também nas de asfalto é justamente o sentimento de impotência. Ou a dificuldade de imaginar um futuro que não seja uma distopia – um futuro que não seja Black Mirror (Netflix), a série que virou um evento mundial. 
Essa raiva soa também como desespero. E o ódio daqueles para os quais não basta vencer o outro na esfera pública, é preciso também destruí-lo, fede a medo. O passado de alguém ou mesmo de um povo pode ser devastador, e muitos sucumbem à impossibilidade de superá-lo. Mas não conseguir imaginar um futuro que não seja uma distopia pode ser tão ou mais arrasador. Lidar com as fraturas do passado é justamente conseguir dar um sentido a elas que permita reinventar uma vida. É penoso, ou talvez até impossível, reinventar uma vida sem conseguir imaginar um futuro no qual se possa viver.
Num mundo globalizado, a ideia de um futuro distópico também é globalizada. Nos Estados Unidos, depois de eleger o primeiro presidente negro, o que soou para muitos como prenúncio de um planeta que avançava no processo civilizatório, um personagem como Donald Trump ocupará a Casa Branca. 
Se no passado recente os Estados Unidos foram muito competentes na venda de sonhos, assim como do american way of life, com todas as críticas que se pode e se deve fazer, hoje a maior potência mundial pode ser lida como uma potencializadora de distopias. A produção cultural com maior poder de disseminação não é mais o cinema de Hollywood, mas as séries. E elas são cada vez mais sombrias, quando não apocalípticas, protagonizadas por céticos, cínicos ou desesperados – ou tudo isso junto. Como se vê em The Walking Dead(AMC), às vezes toda a resistência que se consegue no futuro que já chegou é não virar também um zumbi.
Ícones do século 20 já não ecoam mais. Como na frase famosa dita pelo personagem de Humphrey Bogart à personagem de Ingrid Bergman, no clássico Casablanca: “Nós sempre teremos Paris”. A expressão tornou-se o mantra de que haveria sempre um lugar para onde escapar, onde a vida poderia ser um idílio. Hoje, desde que Paris virou palco de atentados terroristas, ninguém mais tem Paris. Nem mesmo Paris tem Paris. O mundo, de repente, encolheu. E já não há paraísos para onde fugir. Nem mesmo como viagem interna.
É neste mundo subitamente encolhido que a Islândia, um país sobre o qual até pouco tempo a maioria só sabia que tinha um vulcão com um nome impronunciável, capaz de cuspir consoantes e fumaça, passou a ser uma espécie de última reserva de utopia. E isso no imaginário de pessoas das mais diversas classes sociais e nacionalidades. A Islândia cujo primeiro-ministro caiu por envolvimento num escândalo de corrupção dois dias após ser citado no “Panama Papers” e um dia depois de milhares de pessoas protestarem diante do Parlamento. A Islândia cuja polícia ficou traumatizada ao matar um homem, pela primeira vez na história da corporação. A Islândia que elegeu a primeira mulher presidente, divorciada e mãe solteira, em 1980, e a primeira-ministra lésbica em 2009. A Islândia cujo time de futebol despachou a Inglaterra da Eurocopa logo depois que o Brexit venceu. A Islândia como um pequeno país de pouco mais de 300.000 habitantes onde é possível respirar sem se sentir cercado por gente demais. A última utopia do presente é uma ilha vulcânica. 
Este não é o pior momento do mundo – ou mesmo do Brasil. Basta olhar para trás para constatar que vivemos períodos bem mais devastadores aqui e em qualquer lugar. É o que sempre me lembram colegas mais velhos quando pensam que eu exagero a dureza desta época por ter sido uma criança durante os anos Médici, na ditadura civil-militar do Brasil (1964-85), ou por ter nascido depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45). É um fato que já se viveu períodos de enorme escuridão, outros momentos em que o futuro era distopia. A arte, a filosofia e a literatura produzidas nestes períodos são expressões valiosas para lembrá-los. 
Nossa época, porém, contém uma novidade no campo das distopias. Há um novo elemento para além de todos os conflitos humanos e seus processos de destruição que nem sempre é levado em consideração nas análises. Este novo elemento, no meu ponto de vista decisivo, é a mudança climática produzida pelo homem. Algo avassalador, que não está na cabeça da maioria, mas que já corrói a vida cotidiana de todos, mesmo que não sejam capazes de nomear o que os mastiga dia após dia. Mesmo sem compreender que as toneladas de Rivotril que engolem já como hábito têm a ver também com a mudança climática.
Se é possível comemorar os avanços alcançados na Conferência do Clima de Paris, sabe-se que não são suficientes. Isso, que já está aí, mas não é decodificado pela maioria, lança nossa espécie e todas as outras que arrastamos na nossa devoração consumista num tipo inédito de futuro do presente. O que colocamos em curso ao nos tornarmos uma força de destruição do planeta já está além do nosso controle
Ainda é possível mitigar, ainda é possível adaptar-se, mas já não é possível evitar. O que a maioria não enxerga, já existe. E, mesmo quem não enxerga, sente. É o planeta Melancholia, de Lars Von Trier, vindo em nossa direção em velocidade acelerada enquanto travamos grandes e pequenas guerras em todo o canto e nos xingamos no Facebook. 
É brutal conjugar a vida no presente quando a ideia de futuro é uma distopia. Para que a vida seja possível no presente é preciso ser capaz de imaginar não apenas um futuro onde se possa viver, mas um pouco mais: um futuro onde se queira viver. A pergunta difícil deste momento é: isso ainda é uma possibilidade? 
Alguns, entre os quais me reconheço, temem acordar de uma noite de vigília com o anúncio: “O inverno chegou”. Ainda assim, penso que é necessário enfrentar a tarefa de inventar um futuro no presente que não seja apenas distopia. O desafio deste momento talvez seja o de descobrir como é possível criar uma utopia a partir do excesso de lucidez.

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Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil, 09/11/2016. Título original: 'O amanhã não pode ser só inverno'. 


segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Populismo, (auto)promoção pessoal e universidade: manifestações na direita e na esquerda

Analisando-se algumas posturas, pode-se dizer que a esquerda que se situa incondicionalmente na entourage do PT/lulismo continuará 'quebrando a cara' se não fizer a necessária autocrítica e tirar as devidas ilações dos fatos que a conduziram à presente situação. Chama a atenção, por exemplo, o quanto se continua a insistir em comportamentos populistas e no personalismo, às vezes adquirindo um grau de procura parva pela (auto)promoção pessoal. Parece até mesmo mais coisa que demanda atendimento psíquico. Em determinados casos, espaços da Educação Popular têm sido capturados por este desserviço. E "exoticamente" se aciona Paulo Freire como justificativa. Eleições universitárias, nesse métier, são um capítulo à parte, conforme já escreveu sobre isso, na UFPB, o Prof. Marconi Pequeno.  Sufocando a especificidade da universidade como instituição produtora de conhecimento e passando-se por cima do que deve ser a vida acadêmica, tudo começam  a ser feito efunção da pequenez dos cálculos eleitorais para o próximo pleito, tal qual ocorre nas desqualificadas disputas da politicagem tradicional. O 'populismo barato', que faz roçados tanto à direita como à esquerda, conforme bem mostra o artigo aí abaixo. A esquerda, contudo, deveria saber mais das coisas, aprofundar os seus argumentos e ser mais responsável. É o que se espera de quem quer mudar/transformar a sociedade. 

 

 Por Marcos Villas-Bôas  
(Doutor em Direito  pela PUC-SP; pesquisador na Harvard University e no MIT, Massachusetts Institute of Technology)

O termo “populismo”, como é natural nas línguas humanas, pode ser definido de diferentes formas. Na Ciência Política, alguns o definem como o programa político voltado para atrair a massa popular e criar uma vinculação direta com ela. Normalmente, trata-se de um líder carismático que busca/recebe uma visão de protetor do povo, valendo-se muito do discurso e do marketing/propaganda.
Com base nessa definição, não é à toa que muitos líderes da América Latina sejam associados ao populismo. Mesmo com programas diferentes.
Como eles são de esquerda, é natural que os opositores tratem o populismo como algo extremamente negativo, porém, como tudo na vida, ele tem aspectos positivos e negativos.
O pensamento brasileiro conservador, como lembra Jessé Souza, fez um papel muito eficiente, apesar de imoral e nocivo ao país, ao definir toda medida em favor dos mais fracos como populista e, assim, conferir uma pecha de negatividade a programas sociais, como o Bolsa Família, e a políticas, como a de aumentos reais sucessivos do salário mínimo praticados no governo do PT.  
O problema do populismo não está em proteger a massa trabalhadora, pois, desde que as medidas tenham mais benefícios do que custos, é fundamental ‘empoderar’ a classe mais fraca para que o país tenha aumento de consumidores e, principalmente, de produtores formais.
O problema é que muitas medidas tidas por sociais são ruins para o próprio social. Toda medida precisa passar por uma análise de ao menos três critérios: a) ser adequada a atingir o fim pretendido; b) ser a melhor disponível para atingir aquele fim; e c) gerar mais benefícios do que custos. Muitas políticas defendidas pela esquerda, como a criação de um Imposto sobre Grandes Fortunas e o não aumento do limite de idade para aposentadoria, não estão pautadas na melhor técnica e em dados concretos, mas num moralismo difuso que pode causar problemas.  
É pena também que os populistas da América Latina estejam, em regra, mais preocupados com o lado fácil, a simples realocação de uma pequena parte da renda dos ricos para os pobres, e não consigam ir muito além disso. Infelizmente, a crítica da direita no sentido de que os populistas dão o peixe e não ensinam a pescar é pertinente, apesar de que a direita, quando governou, não fez nenhum dos dois.
Como diz Ben Schneider[2], professor do MIT, fazer programa de transferência de pequenas rendas e aumentar salário mínimo são medidas fáceis. Basta assinar a lei e ter caixa para pagar. Difícil é ter um projeto de desenvolvimento para empoderar muitos milhões de pessoas carentes e fazê-las ingressar na economia formal.
Não se pode negar que é preciso, antes de tudo, fazê-las comer e lhes dar o mínimo de estabilidade financeira para que possam ascender moral e intelectualmente, que deve ser o objetivo maior de todos. Para tanto, o Estado deve também oferecer uma educação básica gratuita de muita qualidade em todas as partes do país, garantindo-a a qualquer um, independente de onde nasça, da sua cor, renda, etc.
Para uma verdadeira proteção dos menos favorecidos, é preciso ainda criar os meios para que eles tenham acesso aos modos de produção, sobretudo os mais avançados. Sem um projeto inovador de desenvolvimento, está comprovado que até mesmo os países desenvolvidos podem ter graves problemas de baixa demanda agregada e desemprego, não bastando um bom nível de educação.
A esquerda brasileira e os populistas, como diz Roberto Mangabeira Unger, ex-ministro e professor de Harvard, no seu livro “O que a esquerda deve propor”[3], precisam ir além da solução da desigualdade por programas sociais e de transferência de renda, construindo soluções avançadas para que essas medidas sejam cada vez menos necessárias.
Ocorre, contudo, que isso não significa assumir o discurso da direita da América Latina, que não costuma trazer esses resultados e que é, frequentemente, populista também.
Se tomarmos o termo “populista” numa acepção apenas um pouco mais ampla, considerando todo aquele que desenha o seu programa político com olhos nos interesses de grupos específicos, nas pesquisas de intenções de votos e nas próximas eleições, praticamente todo político na América Latina é populista, é paternalista.
Apenas variam os alvos dos seus programas e, muitas vezes, um mesmo político de direita ou de esquerda toma medidas ruins que buscam agradar uma parcela pobre ou rica para obter apoio ou reduzir protestos[4]. Populistas pensam apenas em curto prazo, enquanto grandes estadistas pensam em curto, médio e longo prazo.  
Observa-se uma grave escassez de alternativas no mundo político e econômico, pois falta profundidade para propor medidas (ou conjuntos delas) complexas que consigam gerar reduções de desigualdade sem redução de eficiência e mantendo a saúde fiscal. Sem saber exatamente para onde ir, os políticos seguem as pressões das bases que lhes dão votos e/ou que sustentam financeiramente as campanhas, tomando medidas elementares que já são esperadas por elas.
Os políticos e a população precisam se basear em dados concretos e em teorias avançadas para avaliar a qualidade das medidas. Se olharmos o resultado da gestão de Fernando Haddad em São Paulo, ela revela inúmeros dados positivos, como uma sensível melhoria na mobilidade urbana, um dos principais objetivos do seu programa de governo.
O trânsito de São Paulo, de acordo com a pesquisa de congestionamentos da empresa TomTom, uma das mais respeitadas do mundo[5], passou do 7o pior do planeta ao 58o, revelando uma sensível evolução, que se deve a inúmeras medidas tomadas pela gestão Haddad, como obras que alteraram as vias, investimento em ciclovias, em faixas de ônibus, redução de velocidades em vias arteriais e maior fiscalização.
Muitas dessas medidas, que receberam duras críticas de parte da população e levaram a uma queda de popularidade de Haddad, melhoraram a vida das pessoas. Apesar de estar dando resultados concretos positivos a São Paulo em diversas áreas, até recentemente as pesquisas indicavam uma baixa popularidade do prefeito.
Por outro lado, o prefeito de Salvador/BA, ACM Neto, é o mais popular do país, se é que podemos confiar nas pesquisas, que já erraram feio muitas vezes. Se tomarmos o mesmo exemplo do trânsito, Salvador/BA assumiu a posição de São Paulo, tornando-se a cidade com o 7o pior trânsito do planeta, 2o pior do país, apenas atrás do Rio de Janeiro.
Os dados de Salvador/BA são péssimos. Os resultados da Prova Salvador, que começou a medir o ensino fundamental no município apenas em 2014[6], indicaram que a ampla maioria (mais de 85%) das crianças deixa o ensino fundamental sem conseguir interpretar um texto e realizar cálculos matemáticos simples.
Se os resultados em Salvador são ruins e em São Paulo são bons, por que o prefeito da primeira cidade vinha sendo o mais aprovado, enquanto que o prefeito da segunda o menos aprovado? Dentre outros fatores, a resposta é que o primeiro é populista e o segundo não.
Haddad tomou inúmeras medidas impopulares, mas pautadas no que há de mais avançado no mundo, enquanto que ACM Neto voltou à política do seu avô, com demoradas obras pela cidade, sobretudo em áreas bem frequentadas, e propaganda massiva em redes sociais e na TV Globo, que é de propriedade da sua família na Bahia (TV Bahia).
O populismo de direita vem se fortalecendo neste cenário propício, com crise econômica mundial, terrorismo e imigração crescentes. Donald Trump (Estados Unidos) e Marine Le Pen (França) são apenas dois dos vários exemplos que poderiam ser citados.  
O argentino Maurício Macri vem sendo endeusado por alguns, apesar de não ter explicado ainda a sua relação com uma offshore no exterior. O fato de ele ter sido mencionado no Panama Papers e denunciado pelo Ministério Público na Argentina é deixado de lado pelos seus fãs, quase sempre os mesmos que até outro dia bradavam contra a corrupção.
Macri tomou medidas positivas contra o intervencionismo estatal na Argentina, como a desindexação de preços e certa liberação do câmbio, o que também foi feito pelo segundo governo Dilma e foram as principais causas do aumento da inflação em 2015, que apenas vem arrefecendo nos últimos meses.
Macri o fez, todavia, de modo desastrado, sem gradualidade, tendo gerado um aumento de inflação gigantesco no seu país, prejudicando toda a população e, sobretudo, a mais necessitada. A inflação na Argentina chegou a 30% em 2015, enquanto que no Brasil ela ficou em 10,67%.  
Macri tomou medidas drásticas, pois é mais um populista. Usou a cartilha que agradaria aos seus apoiadores e à sua ideologia, mas sem dosar bem os efeitos. Agora, com uma enorme perda de popularidade e com protestos gigantescos nas ruas, realizou um aumento grande do salário mínimo, que soa como uma tentativa de acalmar os opositores, sendo, portanto, mais uma medida pensada com base no clamor popular, e não nos efeitos socioeconômicos complexos que daí advirão.
Com a inflação enorme que assola o país, realmente era preciso que houvesse um aumento no salário mínimo para aumentar o poder de compra, mas será que as contas do Estado e das empresas estão preparadas para o novo valor? Houve correlativo aumento de produtividade?
No Brasil, assim como Dilma havia feito em 2015, Temer realizou uma falsa reforma ministerial. Fundiu inúmeros ministérios, o que pode criar graves problemas na administração dos projetos que eles vinham tocando, mesmo apesar de a redução de despesas ser pequena.
Isso foi feito na primeira semana de governo Temer, sem qualquer planejamento para realocação de servidores, definição de quais comissionados permanecerão, quais serão cortados etc.
Tanto os cortes de Dilma como os de Temer nos ministérios sequer chegam próximos de corte de 1 bilhão em despesas e, como diz Ciro Gomes, se não “dá bi”, não é tão relevante assim. Emergencial é a alta taxa de juros, que, como visto, não foi a causa do aumento da inflação, assim como é urgente uma reforma no arcaico sistema de previdência, as duas maiores despesas da União Federal e que totalizam muitos bilhões de reais, aproximando-se de 20% do PIB do Brasil e ultrapassando 50% das despesas.
Temer montou um governo com liderança sem mulheres, negros, especialistas em questões sociais e, de quebra, extinguiu o Ministério da Cultura. Após ser amplamente criticado, voltou atrás para anunciar algumas mulheres no segundo escalão e decidiu retornar com o Ministério da Cultura, extinto alguns dias antes.
O novo Ministro de Relações Exteriores, José Serra, em vez de fazer diplomacia, após assumir o poder sob suspeitas e acusações de inúmeros países, resolveu revidar, especialmente sobre aqueles de esquerda, buscando agradar a uma parcela conservadora da população.
Quanto mais se procura agradar uma parcela específica com propostas supostamente mágicas e fora da realidade técnica, mais populista é o programa. Além do governo, no caso da direita, Jair Bolsonaro e outros do mesmo estilo são exemplos populistas clássicos que estão se aproveitando da polarização na sociedade para, sem qualquer projeto técnico, se aproveitar das paixões conservadoras e difundir uma ideologia que lhes apetecem.
O Brasil não chegará a nenhum lugar enquanto continuar elegendo políticos populistas. A imensa maioria deles é despreparada e não sabe o que fazer. Somando isso com um sistema político falido e com uma imprensa que ajuda imensamente no populismo de quem lhe interessa, os políticos buscam agradar os seus grupos, ainda que seja um grupo de ricos ou um grupo de religiosos extremistas.
A imprensa deveria exercer um papel importante de questionar os populismos e divulgar conhecimento avançado, mas, frequentemente, escolhe um populista para defender e apenas critica o outro lado, ajudando até mesmo a realizar golpes de Estado.
O populismo é um mal da América Latina, mas não somente dela. É uma mal de esquerda, mas também de direita. Pode até trazer medidas boas, mas elas costumam ser ruins. É preciso redefinir esse termo e prestar atenção nas suas consequências, pois o populismo vem causando há muito tempo uma porção de problemas na sociedade brasileira.
O país precisa de políticos muito preparados e corajosos, que ajam pelo bem da população como um todo. Não há mais espaço para supostos salvadores, mas apenas para indivíduos moral e intelectualmente diferenciados que tomem medidas de curto, médio e longo prazo pautadas nas melhores teorias e práticas do mundo e adaptadas minuciosamente para a realidade brasileira.

Notas 
[1] Agradeço a Daniel Almeida Filho e Giovana Egle pela leitura do texto e comentários.
[2] Vide aqui entrevista que este autor realizou com Ben Schneider recentemente: http://jornalggn.com.br/noticia/ben-schneider-do-mit-acredita-que-vai-se...
[4] Sobre populismo de direita, ver, por exemplo: http://www.goethe.de/ins/br/lp/kul/dub/med/pt13364894.htm

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Fonte: http://jornalggn.com.br/