Analisando-se algumas posturas, pode-se dizer que a esquerda que se situa incondicionalmente na entourage do PT/lulismo continuará 'quebrando a cara' se não fizer a necessária autocrítica e tirar as devidas ilações dos fatos que a conduziram à presente situação. Chama a atenção, por exemplo, o quanto se continua a insistir em comportamentos populistas e no personalismo, às vezes adquirindo um grau de procura parva pela (auto)promoção pessoal. Parece até mesmo mais coisa que demanda atendimento psíquico. Em determinados casos, espaços da Educação Popular têm sido capturados por este desserviço. E "exoticamente" se aciona Paulo Freire como justificativa. Eleições universitárias, nesse métier, são um capítulo à parte, conforme já escreveu sobre isso, na UFPB, o Prof. Marconi Pequeno. Sufocando a especificidade da universidade como instituição produtora de conhecimento e passando-se por cima do que deve ser a vida acadêmica, tudo começam a ser feito efunção da pequenez dos cálculos eleitorais para o próximo pleito, tal qual ocorre nas desqualificadas disputas da politicagem tradicional. O 'populismo barato', que faz roçados tanto à direita como à esquerda, conforme bem mostra o artigo aí abaixo. A esquerda, contudo, deveria saber mais das coisas, aprofundar os seus argumentos e ser mais responsável. É o que se espera de quem quer mudar/transformar a sociedade.
Por Marcos
Villas-Bôas
(Doutor em Direito pela PUC-SP; pesquisador na Harvard University
e no MIT, Massachusetts Institute of Technology)
O
termo “populismo”, como é natural nas línguas humanas, pode ser definido de
diferentes formas. Na Ciência Política, alguns o definem como o programa
político voltado para atrair a massa popular e criar uma vinculação direta com
ela. Normalmente, trata-se de um líder carismático que busca/recebe uma visão
de protetor do povo, valendo-se muito do discurso e do marketing/propaganda.
Com
base nessa definição, não é à toa que muitos líderes da América Latina sejam
associados ao populismo. Mesmo com programas diferentes.
Como
eles são de esquerda, é natural que os opositores tratem o populismo como algo
extremamente negativo, porém, como tudo na vida, ele tem aspectos positivos e
negativos.
O
pensamento brasileiro conservador, como lembra Jessé Souza, fez um papel muito
eficiente, apesar de imoral e nocivo ao país, ao definir toda medida em favor
dos mais fracos como populista e, assim, conferir uma pecha de negatividade a
programas sociais, como o Bolsa Família, e a políticas, como a de aumentos
reais sucessivos do salário mínimo praticados no governo do PT.
O
problema do populismo não está em proteger a massa trabalhadora, pois, desde
que as medidas tenham mais benefícios do que custos, é fundamental ‘empoderar’
a classe mais fraca para que o país tenha aumento de consumidores e,
principalmente, de produtores formais.
O
problema é que muitas medidas tidas por sociais são ruins para o próprio social.
Toda medida precisa passar por uma análise de ao menos três critérios: a) ser
adequada a atingir o fim pretendido; b) ser a melhor disponível para atingir
aquele fim; e c) gerar mais benefícios do que custos. Muitas políticas
defendidas pela esquerda, como a criação de um Imposto sobre Grandes Fortunas e
o não aumento do limite de idade para aposentadoria, não estão pautadas na
melhor técnica e em dados concretos, mas num moralismo difuso que pode causar
problemas.
É
pena também que os populistas da América Latina estejam, em regra, mais
preocupados com o lado fácil, a simples realocação de uma pequena parte da
renda dos ricos para os pobres, e não consigam ir muito além disso.
Infelizmente, a crítica da direita no sentido de que os populistas dão o peixe
e não ensinam a pescar é pertinente, apesar de que a direita, quando governou,
não fez nenhum dos dois.
Como
diz Ben Schneider[2],
professor do MIT, fazer programa de transferência de pequenas rendas e aumentar
salário mínimo são medidas fáceis. Basta assinar a lei e ter caixa para pagar.
Difícil é ter um projeto de desenvolvimento para empoderar muitos milhões de
pessoas carentes e fazê-las ingressar na economia formal.
Não
se pode negar que é preciso, antes de tudo, fazê-las comer e lhes dar o mínimo
de estabilidade financeira para que possam ascender moral e intelectualmente,
que deve ser o objetivo maior de todos. Para tanto, o Estado deve também
oferecer uma educação básica gratuita de muita qualidade em todas as partes do
país, garantindo-a a qualquer um, independente de onde nasça, da sua cor, renda,
etc.
Para
uma verdadeira proteção dos menos favorecidos, é preciso ainda criar os meios
para que eles tenham acesso aos modos de produção, sobretudo os mais avançados.
Sem um projeto inovador de desenvolvimento, está comprovado que até mesmo os
países desenvolvidos podem ter graves problemas de baixa demanda agregada e
desemprego, não bastando um bom nível de educação.
A
esquerda brasileira e os populistas, como diz Roberto Mangabeira Unger,
ex-ministro e professor de Harvard, no seu livro “O que a esquerda deve propor”[3],
precisam ir além da solução da desigualdade por programas sociais e de
transferência de renda, construindo soluções avançadas para que essas medidas
sejam cada vez menos necessárias.
Ocorre,
contudo, que isso não significa assumir o discurso da direita da América
Latina, que não costuma trazer esses resultados e que é, frequentemente,
populista também.
Se
tomarmos o termo “populista” numa acepção apenas um pouco mais ampla,
considerando todo aquele que desenha o seu programa político com olhos nos
interesses de grupos específicos, nas pesquisas de intenções de votos e nas
próximas eleições, praticamente todo político na América Latina é populista, é
paternalista.
Apenas
variam os alvos dos seus programas e, muitas vezes, um mesmo político de
direita ou de esquerda toma medidas ruins que buscam agradar uma parcela pobre
ou rica para obter apoio ou reduzir protestos[4].
Populistas pensam apenas em curto prazo, enquanto grandes estadistas pensam em
curto, médio e longo prazo.
Observa-se
uma grave escassez de alternativas no mundo político e econômico, pois falta
profundidade para propor medidas (ou conjuntos delas) complexas que consigam
gerar reduções de desigualdade sem redução de eficiência e mantendo a saúde
fiscal. Sem saber exatamente para onde ir, os políticos seguem as pressões das
bases que lhes dão votos e/ou que sustentam financeiramente as campanhas,
tomando medidas elementares que já são esperadas por elas.
Os
políticos e a população precisam se basear em dados concretos e em teorias
avançadas para avaliar a qualidade das medidas. Se olharmos o resultado da
gestão de Fernando Haddad em São Paulo, ela revela inúmeros dados positivos,
como uma sensível melhoria na mobilidade urbana, um dos principais objetivos do
seu programa de governo.
O
trânsito de São Paulo, de acordo com a pesquisa de congestionamentos da empresa
TomTom, uma das mais respeitadas do mundo[5],
passou do 7o pior do planeta ao 58o, revelando uma
sensível evolução, que se deve a inúmeras medidas tomadas pela gestão Haddad,
como obras que alteraram as vias, investimento em ciclovias, em faixas de
ônibus, redução de velocidades em vias arteriais e maior fiscalização.
Muitas
dessas medidas, que receberam duras críticas de parte da população e levaram a
uma queda de popularidade de Haddad, melhoraram a vida das pessoas. Apesar de
estar dando resultados concretos positivos a São Paulo em diversas áreas, até
recentemente as pesquisas indicavam uma baixa popularidade do prefeito.
Por
outro lado, o prefeito de Salvador/BA, ACM Neto, é o mais popular do país, se é
que podemos confiar nas pesquisas, que já erraram feio muitas vezes. Se
tomarmos o mesmo exemplo do trânsito, Salvador/BA assumiu a posição de São Paulo,
tornando-se a cidade com o 7o pior trânsito do planeta, 2o pior
do país, apenas atrás do Rio de Janeiro.
Os
dados de Salvador/BA são péssimos. Os resultados da Prova Salvador, que começou
a medir o ensino fundamental no município apenas em 2014[6],
indicaram que a ampla maioria (mais de 85%) das crianças deixa o ensino
fundamental sem conseguir interpretar um texto e realizar cálculos matemáticos
simples.
Se
os resultados em Salvador são ruins e em São Paulo são bons, por que o prefeito
da primeira cidade vinha sendo o mais aprovado, enquanto que o prefeito da
segunda o menos aprovado? Dentre outros fatores, a resposta é que o primeiro é
populista e o segundo não.
Haddad
tomou inúmeras medidas impopulares, mas pautadas no que há de mais avançado no
mundo, enquanto que ACM Neto voltou à política do seu avô, com demoradas obras
pela cidade, sobretudo em áreas bem frequentadas, e propaganda massiva em redes
sociais e na TV Globo, que é de propriedade da sua família na Bahia (TV Bahia).
O
populismo de direita vem se fortalecendo neste cenário propício, com crise
econômica mundial, terrorismo e imigração crescentes. Donald Trump (Estados
Unidos) e Marine Le Pen (França) são apenas dois dos vários exemplos que
poderiam ser citados.
O
argentino Maurício Macri vem sendo endeusado por alguns, apesar de não ter
explicado ainda a sua relação com uma offshore
no exterior. O fato de ele ter sido mencionado no Panama Papers e
denunciado pelo Ministério Público na Argentina é deixado de lado pelos seus
fãs, quase sempre os mesmos que até outro dia bradavam contra a corrupção.
Macri
tomou medidas positivas contra o intervencionismo estatal na Argentina, como a
desindexação de preços e certa liberação do câmbio, o que também foi feito pelo
segundo governo Dilma e foram as principais causas do aumento da inflação em
2015, que apenas vem arrefecendo nos últimos meses.
Macri
o fez, todavia, de modo desastrado, sem gradualidade, tendo gerado um aumento
de inflação gigantesco no seu país, prejudicando toda a população e, sobretudo,
a mais necessitada. A inflação na Argentina chegou a 30% em 2015, enquanto que
no Brasil ela ficou em 10,67%.
Macri
tomou medidas drásticas, pois é mais um populista. Usou a cartilha que
agradaria aos seus apoiadores e à sua ideologia, mas sem dosar bem os efeitos.
Agora, com uma enorme perda de popularidade e com protestos gigantescos nas
ruas, realizou um aumento grande do salário mínimo, que soa como uma tentativa
de acalmar os opositores, sendo, portanto, mais uma medida pensada com base no
clamor popular, e não nos efeitos socioeconômicos complexos que daí advirão.
Com
a inflação enorme que assola o país, realmente era preciso que houvesse um
aumento no salário mínimo para aumentar o poder de compra, mas será que as
contas do Estado e das empresas estão preparadas para o novo valor? Houve
correlativo aumento de produtividade?
No
Brasil, assim como Dilma havia feito em 2015, Temer realizou uma falsa reforma
ministerial. Fundiu inúmeros ministérios, o que pode criar graves problemas na
administração dos projetos que eles vinham tocando, mesmo apesar de a redução
de despesas ser pequena.
Isso
foi feito na primeira semana de governo Temer, sem qualquer planejamento para
realocação de servidores, definição de quais comissionados permanecerão, quais
serão cortados etc.
Tanto
os cortes de Dilma como os de Temer nos ministérios sequer chegam próximos de
corte de 1 bilhão em despesas e, como diz Ciro Gomes, se não “dá bi”, não é tão
relevante assim. Emergencial é a alta taxa de juros, que, como visto, não foi a
causa do aumento da inflação, assim como é urgente uma reforma no arcaico
sistema de previdência, as duas maiores despesas da União Federal e que
totalizam muitos bilhões de reais, aproximando-se de 20% do PIB do Brasil e
ultrapassando 50% das despesas.
Temer
montou um governo com liderança sem mulheres, negros, especialistas em questões
sociais e, de quebra, extinguiu o Ministério da Cultura. Após ser amplamente
criticado, voltou atrás para anunciar algumas mulheres no segundo escalão e
decidiu retornar com o Ministério da Cultura, extinto alguns dias antes.
O
novo Ministro de Relações Exteriores, José Serra, em vez de fazer diplomacia,
após assumir o poder sob suspeitas e acusações de inúmeros países, resolveu
revidar, especialmente sobre aqueles de esquerda, buscando agradar a uma
parcela conservadora da população.
Quanto
mais se procura agradar uma parcela específica com propostas supostamente
mágicas e fora da realidade técnica, mais populista é o programa. Além do
governo, no caso da direita, Jair Bolsonaro e outros do mesmo estilo são
exemplos populistas clássicos que estão se aproveitando da polarização na
sociedade para, sem qualquer projeto técnico, se aproveitar das paixões
conservadoras e difundir uma ideologia que lhes apetecem.
O
Brasil não chegará a nenhum lugar enquanto continuar elegendo políticos
populistas. A imensa maioria deles é despreparada e não sabe o que fazer.
Somando isso com um sistema político falido e com uma imprensa que ajuda
imensamente no populismo de quem lhe interessa, os políticos buscam agradar os
seus grupos, ainda que seja um grupo de ricos ou um grupo de religiosos
extremistas.
A
imprensa deveria exercer um papel importante de questionar os populismos e
divulgar conhecimento avançado, mas, frequentemente, escolhe um populista para
defender e apenas critica o outro lado, ajudando até mesmo a realizar golpes de
Estado.
O
populismo é um mal da América Latina, mas não somente dela. É uma mal de
esquerda, mas também de direita. Pode até trazer medidas boas, mas elas
costumam ser ruins. É preciso redefinir esse termo e prestar atenção nas suas
consequências, pois o populismo vem causando há muito tempo uma porção de
problemas na sociedade brasileira.
O
país precisa de políticos muito preparados e corajosos, que ajam pelo bem da
população como um todo. Não há mais espaço para supostos salvadores, mas apenas
para indivíduos moral e intelectualmente diferenciados que tomem medidas de
curto, médio e longo prazo pautadas nas melhores teorias e práticas do mundo e
adaptadas minuciosamente para a realidade brasileira.
Notas
[1] Agradeço a Daniel Almeida Filho e Giovana Egle pela leitura do
texto e comentários.
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Fonte: http://jornalggn.com.br/