domingo, 31 de julho de 2016

O ALAS e as encruzilhadas do tempo presente

“Talvez a imobilidade das coisas ao nosso redor lhes seja imposta pela nossa certeza de que tais coisas são elas mesmas e não outras, pela imobilidade de nosso pensamento em relação a elas.” Lembrando Marcel Proust, ao Congresso Latino-americano de Ciências Sociais (ALAS), em Montevidéu. Compreender as encruzilhadas do tempo presente. 


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La sociología cuenta con una larga tradición en el pensamiento social latinoamericano, que se nutre de los aportes de sus fundadores y de todos aquellos que han desarrollado su actividad en este continente. Su desarrollo es producto de los avances técnicos y metodológicos, de la producción teórica y de las luchas políticas y sociales que han tenido lugar en nuestras sociedades y universidades en el último siglo. En este recorrido ha alcanzado una fortaleza institucional que hace posible  el desarrollo de un espacio de pensamiento social y de una disciplina rica, diversa y pluralista en términos teóricos y metodológicos.  Las sociólogas y sociólogos han hecho y hacen grandes aportes científicos junto con su compromiso personal en la lucha por un mundo mejor.
Los cambios recientes en la región muestran tendencias contradictorias; por un lado, la persistencia de viejas herencias del desarrollo latinoamericano, marcado por sociedades duales con contradicciones estructurales, desigualdades económicas y formas de dominación simbólica y cultural de pueblos, grupos y colectivos  subalternos; por otro lado, la emergencia de nuevos espacios de empoderamiento de sujetos colectivos y grupos sociales postergados, de participación ciudadana y políticas públicas afirmativas y distributivas.
Las dos primeras décadas del siglo XXI encuentran a nuestro continente una vez más signado por ciclos de crisis y búsqueda de desarrollos alternativos en un contexto global convulsionado por el acelerado avance del capitalismo y los fuertes cambios en la geopolítica mundial.  Estos procesos contradictorios tensionan la sociedad, la política y la economía de nuestros países y territorios, produciendo efectos perversos debido a su crecimiento acelerado que profundiza las desigualdades, produce exclusión, violencia y destruye los recursos naturales y los patrimonios colectivos, poniendo en riesgo la vida de las próximas generaciones. A lo largo del continente se conforman nuevas organizaciones y movimientos sociales que se consolidan y avanzan en el reconocimiento de sus reclamos, en su capacidad propositiva, de denuncia y de resistencia cuando las circunstancias históricas lo reclaman. Asimismo, estas acciones se multiplican a través de redes regionales y globales que permiten potenciar sus esfuerzos y difundir y denunciar las distintas situaciones que aquejan a nuestras sociedades.
En este marco contradictorio, de tensiones y conflictos en varios países de la región, el Estado, en algunos países, ha recuperado protagonismo y ha mostrado  intentos para encaminar, con diferente grado y vigor, reformas sociales con políticas públicas inclusivas de promoción de derechos. Estas reformas lograron mejorar la situación de partida de numerosos grupos sociales, sacando de la pobreza y la exclusión a millones de latinoamericanos y latinoamericanas. No obstante, persisten profundas desigualdades sociales y crece la disconformidad en diversos sectores de la población respecto a la insuficiencia de estos cambios sociales, planteando la necesidad de profundizar la democratización de nuestras sociedades y los estilos de desarrollo implementados.
En otros países, la continuidad de los modelos de cuño neoliberal han profundizado a niveles impensables la miseria, la violencia y la corrupción, derrumbando los pilares básicos de la vida social y destruyendo los lazos de sociabilidad inherentes a la convivencia democrática.
En este escenario, han emergido vigorosos debates en el pensamiento social y sociológico latinoamericano, que han fortalecido sus compromisos históricos de emancipación y rigurosidad científica, aportando en variadas dimensiones y planos nuevos enfoques, perspectivas y alternativas para comprender los múltiples desafíos y oportunidades a las que se enfrentan nuestras sociedades.
En este escenario convocamos a la sociología del continente, al más amplio debate sobre nuestra América Latina, sus desafíos actuales y sus alternativas, asumiendo nuestro compromiso con la búsqueda y construcción teórica y metodológica necesaria para la comprensión de los nuevos escenarios, para los cambios en pos de mejores vidas para nuestros ciudadanos.
Con la realización de este Congreso y a la luz de la constelación de tensiones señaladas, nos proponemos contribuir al fortalecimiento de la disciplina, de su espíritu crítico y de su reflexión activa. De esta forma, queremos reafirmar en este evento el compromiso de miles de intelectuales en la construcción colectiva de nuevas formas de abordaje de los problemas sociales, abriéndonos a la riqueza de contribuciones con que cuenta nuestro colectivo a lo largo y ancho del continente. De esta forma, podremos enfrentar con mayor vigor la lucha por la justicia y la igualdad en el continente, comprendiendo la complejidad de tal objetivo en el marco del respeto a la diversidad y pluralidad de nuestros pueblos.
Los esperamos en Montevideo en 2017.

Calendario Congreso ALAS 2017
19 de Diciembre de 2016 – Cierre de recepción de resumen
7 de Abril – Comunicación de Evaluación de resumen
1 de Junio – Cierre de postulación de mesas
15 de Julio – Pagos bonificado 1
1 de Agosto – Comunicación de Evaluación de Mesas
10 de Setiembre – Envío de Ponencia Completas
15 de Octubre – Pago bonificado 2
3 de Diciembre – Inicio del Congreso

Grupos de trabajo

Estructura del Congreso y presentación

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Notícias sobre a Educação


"No ser humano, ser e dever-ser são aspectos indissolúveis. Este é o fundamento ontológico da ética. Ethos, em grego, designa a morada do homem. Se a palavra tomou um significado mais amplo, é porque os gregos da idade clássica enxergaram uma verdade que convém jamais esquecer: seres vocacionados para a liberdade são livres para se destruir. O espaço do mundo só se torna seguro e habitável, para esses seres, se eles se abrigarem na sua morada, o domínio do ethos."

"O espaço da liberdade humana não é aquele em que cada um faz o que quer, ou faz o que é capaz de fazer, em desabalada competição com os demais. É aquele em que o potencial criador das pessoas se exerce de maneiras culturalmente delimitadas, socialmente legítimas, em que o certo e o errado, o bem e o mal estão definidos com suficiente clareza. Esse espaço não é rígido e imutável, é certo, mas precisa existir sempre. Fora dele, o que se tem é anomia."

"O ser humano não apenas age, como os demais animais, mas interpreta sua ação. Todas as ações humanas são ações interpretadas, e todas resultam de alguma interpretação prévia. Educar é atuar sobre os sistemas de interpretação construídos pela imaginação de cada um, o que nos remete ao universo simbólico, que é constitutivo da nossa existência tanto quanto o nosso corpo físico."

"(...) a maioria dos jovens não é levada a desenvolver uma subjetividade cidadã, não reconhece conhecimentos consolidados, não vive a expectativa de um futuro em construção. O tempo deles é agora. No lugar de leis gerais, típicas da cidadania, valem as regras que o próprio grupo estabelece em cada momento. Tudo isso questiona o estatuto da escola. Sem poder cumprir suas antigas funções de disciplinamento e preparação para a cidadania, e sem condições para se integrar à desenfreada dinâmica mercantil, a escola pública entrou em um regime de funcionamento cego, próximo à anomia. Não tem papel claramente definido, a não ser o de depósito de crianças e jovens."

"Permanece insubstituível o papel da educação e dos educadores, pois os sistemas educacionais estão entre os últimos espaços que ainda podem fazer prevalecer a racionalidade comunicativa, cultivando a memória e valorizando a linguagem centrada na razão e na palavra, a linguagem humana por  excelência. Nesses espaços, cada vez mais raros, as interações humanas podem existir sem que estejam dominadas pela unidirecionalidade e a velocidade, típicas da comunicação de massas."

Os extratos aí acima são de um instigante artigo de César Benjamin, artigo que reputo como um dos melhores escritos no Brasil, neste ano de 2016, sobre educação. Pessoa do livre pensar, e de uma fecunda criatividade intelectual, César, que não tem vinculação especificamente territorializada com a pesquisa educacional, produziu um texto que está para além, em termos qualitativos, do que muito se apresenta como sendo pesquisa em educação e estudos pedagógicos. Aliás, aí, a impertinência de abordagens e a infertilidade analítica têm saltando aos olhos, com perspectivas que se limitam a repetir enfoques pretéritos e a fazer citações de autores também pretéritos, como "juízos de verdade" para o presente - algo como se não houvesse história, a realidade não mudasse, o tempo presente fosse o mesmo passado.  A impertinência de abordagens e a infertilidade analítica também se manifestam com perspectivas impressionistas que se reduzem à louvação de formulações que estão na moda. O artigo integral do César Benjamin, intitulado Educação e Projeto Nacional, pode ser lido aqui: http://www.contrapontoeditora.com.br/arquivos/artigos/201603200243400.Educacaoeprojetonacional.pdf

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Analfabetos



Por José Fanha 
(Poeta e Escritor, Comissário do I Encontro da Literatura Infanto-Juvenil da Lusofonia)

Sorrio sempre que alguém diz: "Não gosto de ler."
Todo o homem é um leitor. Lê imagens, sinais, signos e palavras. Lê a linguagem das nuvens e sabe que vai chover. Lê a linguagem dos pássaros, a das cabras, a das águas, lê todas as linguagens da natureza. Lê as linguagens que se lêem com a vista, com o olfacto, com o sabor, com o ouvido, com a pele. Para sobreviver na selva ou na tundra, os nossos antepassados dos tempos pré-históricos tinham que ser muito bons leitores.
A esta capacidade original de ler veio juntar-se a capacidade de nomear através da palavra. Esse foi um primeiríssimo acto mágico e maravilhoso, fundador da história da humanidade.
O próprio mundo na tradição judaico-cristã é criado pela palavra. Segundo o Génesis:
"No princípio, Deus criou os céus e a terra.
A terra era informe e vazia. As trevas cobriam o abismo, e o Espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas.
Deus disse: 'Faça-se luz'. E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Deus chamou dia à luz e noite às trevas."
O criador do Homem e do Mundo disse: "Faça-se luz". Isto é, a palavra gerou a coisa. Mais do que isso, a palavra e a coisa ficaram indissoluvelmente ligadas. A coisa contém a palavra. Melhor, contém o nome. E o nome convoca a coisa.
Aos olhos de cada ser humano, aquela extraordinária descoberta que era a palavra dita continha uma forma de poder sobre o objecto nomeado. Pelo menos cada palavra era uma forma de um homem se aproximar da verdade nuclear daquilo que era nomeado, da inteireza fragmentada entre céus e terra, água, fogo e ar. Nomear seria uma forma de aproximação ao próprio acto primeiro dos deuses na criação do mundo e das coisas.
Esse era e é o poder dos analfabetos primários que são definidos desta forma pelo poeta e ensaísta alemão Hans Magnus Henzensberger: o analfabeto clássico não sabe ler nem escrever, precisa da memória, e tem de exercer a capacidade de narrar.
Foram analfabetos que pegaram na palavra e inventaram a literatura nas suas formas elementares, o mito, o conto, a canção, as rimas infantis. E é com esses instrumentos que os analfabetos se relacionam consigo próprios, com os outros, com o mundo, com o correr do tempo.
Sem querer idealizá-los ou embarcar na ilusão do bom selvagem, há que lembrar que sem tradição oral não haveria poesia, não haveria livros. A escrita levou tempo a fazer a sua entrada em cena. No entanto, inventada a escrita, durante muito tempo foi considerado preguiçoso aquele que tivesse o hábito de recorrer ao livro, já que, segundo Platão, a sabedoria na sua dialéctica tinha de ser oral.
O escrito debilitava o pensamento e destruía a memória. Ao contrário do orador, o texto escrito não era capaz de dar respostas nem se poderia defender quando questionado.
A verdade é que a escrita foi uma tecnologia que levou tempo a desenvolver-se e a ser utilizada integral e proficuamente pelo pensamento filosófico e científico, e bastante mais tempo ainda a entrar no quotidiano como um instrumento generalizado de relação individual e, digamos, poética com o mundo, para além da sua função de relatar o real.
No seu excepcional romance Vinte anos e um dia, o escritor Jorge Semprún afirma de uma forma simultaneamente definitiva e carregada de ironia que: “As histórias completamente verídicas só interessam à polícia.”
De facto, todos nós somos feitos do que vivemos, do que lemos, do que imaginamos e do que escrevemos. Como leitores, preservamos pedaços do pensamento, da emoção vivida ou escrita por outra pessoa para nos tornarmos nós próprios em participantes de um acto de criação, uma forma de diálogo que desenvolvemos connosco próprios, com o mundo e com o tempo.
É a leitura e a escrita que nos permitem habitar o tempo para trás e para a frente, no sentido da memória, ou da esperança.
Vivemos um tempo dominado por uma economia que mata, como diz o Papa Francisco, uma economia que reduz o entendimento da complexidade do mundo, que vê a cultura como mercadoria e a ciência como estrito instrumento prático. Esta economia reduz a vida dos homens a uma coisa sórdida e limitada em que o desejo é estereotipado e a vida é uma prisão chamada tempo presente.
A figura que há tempo domina a cena social é a do “analfabeto secundário”. Pode ser um ministro, um gestor, uma empregada de caixa de supermercado. Sabe ler e escrever mas diz com frequência que não tem tempo para ler, tem coisas mais importantes para fazer. É activo, adaptável, tem boa capacidade para abrir caminho, safa-se na vida. Está muito bem informado sobre os importantíssimos assuntos do dia que amanhã esquecerão. Sabe ler as informações de uso dos objectos que compra. Sabe usar os cartões de crédito e sabe passar cheques. Vive dentro de um mundo que o afasta hermeticamente de tudo quanto possa inquietar a sua consciência. A atrofia da memória não o preocupa. Aprecia a sua própria capacidade para se concentrar em nada. Vê a cultura como espectáculo ou mercadoria. Não tem a menor ideia de que é um analfabeto, analfabeto secundário, mas analfabeto. 
A sua escrita está reduzida ao mínimo. O seu meio ideal é a televisão, as redes sociais, o SMS. Habita o território do lugar-comum e alimenta-se de doses fartas das “reflexões” de comentadores, políticos, econômicos, desportivos e outros produtores do pensamento único.

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Fonte: https://www.publico.pt/sociedade/noticia/meus-queridos-analfabetos-1682684


Sociabilidade travada: a quilha da deslealdade e o 'valioso tempo dos maduros'

Da recente polêmica envolvendo os poetas Ferreira Gullar e Augusto de Campos, nas páginas da Folha de São Paulo, dois elementos (voluntária ou involuntariamente) sobressaem, para além da retirada de Gullar do campo de combate, por vontade própria, dado que, rendido, não tinha mais argumentos para esgrimir. Saiu calado. Pois bem, sobre os referidos dois elementos, eles são: a questão da deslealdade e a lembrança do que ficou celebrizado no poema de Mário de Andrade denominado 'O Valioso Tempo dos Maduros'. Aliás, é sugestivo que o foco da polêmica entre os dois poetas tenha sido a obra do irmão de Mário, Oswald de Andrade. Uma das dimensões da deslealdade é colocar a outra pessoa da interlocução abaixo da linha da imbecilidade, idiotizando-a, fazendo-a de tola. É mais do que desrespeito valorativo, é agressão simbólica. Quilha que trava a sociabilidade. Não por acaso, na citada polêmica, em reação, o título do texto-tréplica de Augusto de Campos é 'Um memorioso formigueiro mental'. Apanhado em seu ponto fraco, Gullar calou-se. Quanto ao outro elemento que o episódio faz sobressair, vai  aí abaixo ele próprio, o poema da pena de Mário de Andrade - 'O Valioso Tempo dos Maduros'. 


Contei meus anos e descobri que terei
menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que
recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras,
ele chupou displicente, mas percebendo
que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam
egos inflamados. Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres
de pessoas, que apesar da idade cronológica,
são imaturas.

Detesto fazer acareação de desafetos
que brigaram pelo majestoso cargo de secretário
geral do coral. As pessoas não debatem conteúdos,
apenas os rótulos.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência, minha alma tem pressa

Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado
de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade, caminhar perto de
coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

domingo, 24 de julho de 2016

Tempo em cinza lacina

"Realidade é aquilo que, quando você para de acreditar, continua existindo."
(Philip K. Dick) 


sábado, 23 de julho de 2016

Idiotas, golpe e Turquia




Por J. Carlos de Assis
(Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ)

Só uma idiota pode imaginar que um exército experiente como o da Turquia, testado no passado em vários golpes de Estado, fosse tão incompetente para realizar mais um, tendo à mão todos os instrumentos do poder militar. Só um idiota acabado pode imaginar que o povo na rua é capaz de reverter um golpe militar em andamento. Só um idiota tonto poderia imaginar que ao governo turco e seu presidente fosse deixado acesso a meios de comunicação com o povo, sem prévio planejamento, em pleno processo de desenvolvimento do golpe.
A marcha da suposta tentativa de golpe e do contragolpe foi precedida de movimentos bem articulados no xadrez geopolítico do país que une Europa à Ásia e, portanto, desempenha um papel chave nas relações com os dois continentes. Começa pela cobertura que a CIA dá ao clérigo Fethullah Gullen, o principal rival de Erdogan. Em nome dos direitos humanos e contrariamente às tendências fundamentalistas do Presidente, ele prega para a Turquia uma espécie de “primavera” liberal, sob proteção dos EUA e em seu interesse geopolítico.
Nós vimos que deu a “primavera líbia” e os diferentes tipos de intervenções norte-americanas nos últimos anos e décadas, operadas através de ONGs patrocinadas direta ou indiretamente pelo Departamento de Estado na África e no Oriente Médio: países, como Líbia, Somália, Afeganistão simplesmente foram liquidados; Egito, Yemen, Iraque, Paquistão foram profundamente abalados ou continuam em guerra. O governo turco, não muito confiável para Washington, aparentemente estava destinado a ser a bola da vez.
O que aconteceu, afinal? Bem, vamos seguir os movimentos dos principais atores nesse jogo. Meses atrás um avião turco operado desde uma base partilhada com os norte-americanos derrubou um caça russo supostamente em seu espaço aéreo. A Rússia reagiu verbalmente – “foi como uma punhalada pelas costas”, disse Putin – mas não foi além disso. O assunto despareceu da imprensa até que, em maio último, Putin anunciou que gostaria de ter uma reaproximação com a Turquia e para isso esperava uma sinalização clara dela no mesmo sentido.
Em junho, Erdogan mandou uma carta para Putin a qual vai muito além de meras mesuras diplomáticas: foi um pedido de desculpas completo, quase um pedido de perdão extensivo à família do piloto morto, à qual ofereceu a assistência material necessária para minorar seu sofrimento pela perda. Anunciou, além disso, que o incidente do caça seria investigado. Em resposta, Putin marcou uma visita com ampla comitiva governamental a Istambul. Esteve lá antes do golpe, em julho, e foi o primeiro chefe de Estado a visitar Erdogan depois do malogrado golpe.
Diante desses fatos, não é difícil dar um sentido prático aos acontecimentos na Turquia: o serviço secreto russo (talvez com ajuda chinesa) descobriu preparativos de golpe contra Erdogan, por parte do clérigo Gullen, a partir dos Estados Unidos. Acompanhou esses preparativos ainda enquanto se desenvolviam e provavelmente identificou os códigos e as senhas para a deflagração do golpe em momento oportuno. Com o conhecimento prévio dessas senhas, o Governo montou uma armadilha e desencadeou falsamente o golpe.
Só esse roteiro justifica o fato de que Erdogan, uma vez senhor da situação, tenha desencadeado uma operação de caça a militares comprometidos e, sobretudo, a mais de 2 mil juízes e promotores. Os nomes desses envolvidos não poderiam ter sido arrolados de um dia para outro. Da mesma forma, o fechamento da base aérea turca de Incirlik, partilhada com os americanos, não ocorreria jamais caso o Presidente turco não tivesse certeza absoluta da participação norte-americana na tentativa de golpe. Enfim, o tempo da revolução de estações parece ter-se esgotado. 

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Fonte: http://jornalggn.com.br/. Título original: 'O congragolpe na Turquia foi um golpe da Rússia contra a CIA'. 


O dia deu em chuvoso


Por Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) 

O dia deu em chuvoso. 
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...

O dia deu em chuvoso. 

Estatuto do Desarmamento e posse de armas

O debate sobre o Estatuto do Desarmamento e a posse de armas tem chamado a atenção. Não é, contudo, um debate simples, dicotômico e maniqueísta, numa espécie de "delonga caricaturada de bem & mal". Quando as coisas são postas assim, a mediocridade nas abordagens campeia. Argumentos são substituídos por discursos vazios, e o resultado das duas posições em discussão nunca chega a bom porto. De resto, é um tanto hipócrita ver o tom lacrimoso de autoridades estadunidenses, diante das tragédias com armas, mas sem que elas (autoridades) tenham, contudo, nenhuma contenção na venda de armamento para inúmeros países, alguns inclusive que atualmente abrigam o Estado Islâmico. Armas que matam inocentes crianças, como ocorre no Oriente Médio. Pois bem, o pesquisador Fabrício Rebelo atribuiu-se um hard work: evidenciar que o direito ao porte de armas é algo passível de abordagem em termos argumentativos, e não como apologia à violência em si. Trata disso enfocando a discussão sobre o Estatuto do Desarmamento. No texto aí abaixo. Alimentando o debate, em breve, reproduzirei artigo de um outro pesquisador em segurança pública com posição diferente. 




Fabrício Rebelo
(Pesquisador em segurança pública, bacharel em direito e editor do portal Direito)

As discussões sobre os temas que tramitam no Congresso, embora variem quanto à matéria que abrigam, seguem um roteiro típico, em que as expressões "avanço" e "retrocesso" se alternam conforme o apoio ou a rejeição a uma determinada proposta. Não é diferente com o projeto de lei que revoga o Estatuto do Desarmamento, recentemente aprovado em comissão especial na Câmara dos Deputados.
Os críticos da proposta entoam em conjunto o mesmo discurso: revogar o estatuto é um retrocesso. E eles estão certos, mas não como pretendem.
Retrocesso, segundo o dicionário Michaelis, tem como uma de suas definições a "ação de voltar a um estado anterior".
E é exatamente isso o que faz o projeto de lei 3.722/12, ao revogar a lei pela qual a posse e o porte de armas se tornaram proibidos, com raríssimas exceções, e instaurar um regramento geral que restabelece a possibilidade de acesso. O que o projeto pretende, pois, é voltar ao sistema que existia antes do estatuto, ou seja, retroceder.
Isso é ruim? Salvo por convicções ideológicas, não há como responder afirmativamente a essa pergunta. Todos os indicadores de criminalidade disponíveis apontam que, caso retrocedamos à realidade anterior ao Estatuto do Desarmamento, estaremos em situação melhor.
Foi depois do estatuto que a taxa média de homicídios no Brasil, segundo o Mapa da Violência, saiu de 26,44 por cem mil habitantes (1995 a 2003) para 26,80 (2004 a 2012). Foi com ele que o uso de armas de fogo nos homicídios aumentou de 64,95% (1995 a 2003) para 70,81% (2004 a 2012).
Foi também sob a vigência do estatuto que batemos o recorde oficial de assassinatos, com 56.337 casos em 2012 – que hoje, segundo os sempre mais modestos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, já batem na casa dos 60 mil. Nossa segurança pública piorou com a lei vigente, e isso é um fato objetivamente comprovável.
Evidentemente, não se pode resumir a discussão sobre segurança pública a um aspecto legal pontual. Quem pretender fazê-lo cometerá um erro crasso, semelhante ao de quem atribui à lei atual o fictício salvamento de milhares de vidas.
Segurança pública é uma área complexa, em que são diversos os fatores que determinam melhores ou piores resultados. Ainda assim, não há suporte científico para jogar o desarmamento civil dentre os que a beneficiam.
É necessário ficar claro que, ao debater proibições ou permissões ao acesso a armas de fogo, não tratamos de algo inédito.
Vivemos, apenas nos últimos 30 anos, dois momentos absolutamente distintos no país, saindo de uma realidade em que portar uma arma sem autorização sequer era crime para uma lei das mais duras do mundo, estruturada sobre a premissa da proibição total. E a evolução criminal registrada em cada um dos períodos é clara: havia menos crimes antes, sobretudo os letais.
Portanto, se revogar o Estatuto do Desarmamento é um retrocesso, não há dúvida de que isso é bom. Significaria voltar a uma realidade de maior paz social, na qual, sob a dúvida de serem confrontados com armas, os criminosos não agiam de forma tão ousada. Não invadiam residências, não faziam arrastões ou matavam quem já haviam roubado. Exatamente como era antes.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

É tempo que passa


Por Aline Valek

Há algo de assustador em olhar para fora da gente e dessas telinhas luminosas que a gente não consegue largar. Não somente porque vemos que não estamos sozinhos, mas porque é nas coisas acontecendo que podemos ver a face do tempo. Cada pequena coisa está coberta de tempo, esse negócio infinito e tão esgotável ao mesmo tempo — e é quase como se pudéssemos tocá-lo. Você sente? Tempo está na gente, no corpo que muda, na visão que piora, no cabelo que cresce, na doença que dá e passa. Tempo está em deixarmos de ser quem já fomos um dia, em nos tornamos quem a gente não queria ser e em um dia não sermos mais nada.
A reserva que seca, a praia aterrada, o prédio demolido é tempo que passa. As ruas que mudam de lugar, a distância entre as cidades, as linhas que demarcam os países e a posição atual dos continentes é tempo que passa.
Gato dormindo, a respiração lenta e olhos bem apertadinhos é tempo que passa. Arroz cozinhando a fogo baixo, a louça que se acumula na pia, o tapete novo da sala é tempo que passa. Amigos que vão embora é tempo que passa. Ver os assuntos que tínhamos com alguém diminuírem até não sobrar nada é tempo que passa. Ter alguém com quem contar e compartilhar uma vida, essa cumplicidade, é tempo que passa.
O som que fazem as cordas do violão é tempo que passa. O livro que se lê, a história que se conta, as letrinhas que sobem no final do filme, tudo é tempo que passa. Mais duas linhas nesse texto não são apenas duas linhas: é tempo que passa. Mais do que uma abstração, algo que a gente enxerga pelos numerozinhos do relógio ou numa variável em um cálculo de velocidade, algo invisível, insípido e inodoro, o tempo é físico.
Tão físico que se pode ter e perder. Dizem até que ele pode ser entortado.
Só algo tão tangível poderia passar e carregar indiscriminadamente quem é pontual e quem está atrasado; carregar o que vive e o que é inanimado; carregar planetas, galáxias, tudo o que existe. Tudo boiando nesse caldo de tempo, nessa correnteza impossível de deter, e nem é uma questão de onde ele irá nos deixar, mas de quando. E o quando pode até ser um lugar que muda, mas é onde a gente sempre vai estar. Porque o tempo não passa por nós; é a gente que passa junto com ele.

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Fonte: http://confeitariamag.com/alinevalek/e-tempo-que-passa/



terça-feira, 19 de julho de 2016

A caminho da Guerra Total

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Nagasaki, Japão, após o ataque com a bomba atômica ao fim da
 Segunda Guerra Mundial (foto de Yosuke Yamahata)


Filas de rostos pálidos murmurando, máscaras de medo, 
Eles deixam trincheiras, subindo pela borda,
Enquanto o tempo bate vazio e apressado nos pulsos,
E a esperança, de olhos furtivos e punhos cerrados,
Naufraga na lama. Ó Jesus, fazei com que isso acabe!
(Siegfried Sassoon - Collected Poems, 1947)

Talvez se ache melhor, em vista das alegações de "barbaridade" dos ataques aéreos, manter as aparências com a formação de regras mais brandas e também limitando-se nominalmente o bombardeio a alvos de caráter estritamente militar [...] para evitar enfatizar a verdade de que a guerra aérea tornou tais restrições obsoletas e impossíveis. Talvez se passe algum tempo até que ocorra outra guerra e enquanto isso o publico pode ser educado quanto ao significado da guerra aérea. 
(Rules as to Bombardment by Aircraft, 1921 - Townsend)

Serajevo, 1946. Aqui, como em Belgrado, vejo nas ruas um considerável número de moças cujos cabelos estão ficando grisalhos, ou já estão completamente. Têm os rostos atormentados mas ainda jovens, enquanto as formas dos corpos traem ainda mais claramente sua juventude. Parece-me ver como a mão desta última guerra passou pelas cabeças delas. Tal visão não pode ser preservada para o futuro; essas cabeças logo se tornarão mais grisalhas e desaparecerão. É uma pena. Nada poderia falar tão claramente sobre nossa época às futuras gerações quanto essas jovens cabeças  grisalhas, das quais se roubou a despreocupação da juventude. Que pelo menos tenham um memorial nesta notinha
(Signs by the road - Ivo Andric, Conversations with Goya: Bridges, Signs, Londres) 

Temos aí três realces no 'mundo de guerras' do século passado, designadamente da Segunda Guerra Mundial. Após o fim desta, mais de uma vez, imaginou-se que eclodiria a Terceira Guerra, sobretudo nos momentos de tensão entre os então blocos da ex-URSS e dos Estados Unidos. Previu-se que isso seria o desastre total, uma guerra nuclear, que não deixaria nada sobre a terra. O fim. Esse cenário ganhou representação nas telas com o filme 'The Day After'. De fato, as tensões entre as duas superpotências alcançaram alta voltagem, mas, nos momentos decisivos, prevaleceu o bom senso. Com o fim da bipolarização entre os mencionados dois blocos, chegou-se a acreditar que o mundo estaria mais seguro. Logo viu-se, contudo, que não era bem assim. Ao fim da Guerra Fria, seguiu-se uma série de conflitos (étnicos, religiosos, econômicos, políticos e geopolíticos) que fazem com que o mundo hoje viva um clima permanente de insegurança.  E é isso que  tem levado alguns cientistas sociais, sobretudo os historiadores da 'longa duração', a assinalarem que estamos a caminho de uma nova guerra mundial, uma Guerra Total. Até mesmo regiões que não tinham um histórico de instabilidade acentuada, como é o caso da América Latina, estão a vivê-la com disputas internas com propensão a conflitos civis (estimulados por ações exógenas). O Oriente Médio em chamas. O Estado Islâmico. Uma guerra que se arrasta há anos na Síria. Tentativa de golpe na Turquia. E a geopolítica agindo ocultamente para manter hegemonias, por vezes, utilizando até mesmo 'inocentes úteis'. Nesse quadro, a OTAN vai cercando a Rússia. O desastre das consequências que podem advir, para o mundo todo, num cenário de Guerra Total é imprevisível.  Mas pode-se imaginar Hiroshima e Nagasaki em escala planetária. O Professor Robert Farley, um estudioso do assunto e especialista da Universidade de Kentucky, chega até mesmo a apontar o que ele chama de 'cinco faíscas' que poderão despoletar a Guerra Total. Isso pode ser visto em textos seus que estão aqui: http://nationalinterest.org/archives/by/12272



sábado, 16 de julho de 2016

Voa Liberdade

Música brasileira de outros tempos, e que animou corações e mentes pelos anos 1980. Jessé, a voz irradiante. Partiu cedo, aos 40 anos, em decorrência de acidente de trânsito. Num período curto, uma obra marcante: membro de grupos como Placa Luminosa, chegou a gravar em inglês, diz-me Leont Etiel, sob o pseudônimo de Tony Stevens. Em 1983, ganhou o XII Festival da Canção Organização - Televisão Ibero-Americana, realizado nos Estados Unidos. O tempo não volta, o que sempre volta é a memória; pode-se então, nas lembranças dos filtros de imagens, viver o vivido novamente - caso se queira. Reminiscências de um tempo musical brasileiro que cada vez fica mais distante - aí abaixo, Jessé e a sua Voa Liberdade





sexta-feira, 15 de julho de 2016

Desejos da Memória



Por Leont Etiel 

À beira do rio Ganges,
Ravi Sharma repetia as palavras dos seus:
‘a árvore não prova a doçura dos próprios frutos
o rio não bebe suas próprias ondas,
e as nuvens não despejam água sobre si mesmas.’
Parou, Ravi:
olhou novamente as águas do Ganges, voltando outra vez aos seus:
‘Que atitude tomaria um espírito forte diante da vida?’
Pensando assim se foi embora
Ficou a resposta imaginada
A memória, a presença da memória
A permanência do vivido que não atrofiou a vida, mas nutria-a
A memória, a recusa de esquecer
A memória sorrateira que chega de repente  
Que faz pensar, lembrar
Querer (re)viver
A memória que cruza os céus, mora no ar
para chegar sem informar
A memória é matéria dos historiadores
Mas os desejos da memória são como os frutos da árvore não presente
cantada pelos de Ravi Sharma à beira do Ganges

A Carta da viúva

Surpresos, alguns amigos dão-me a conhecer o conteúdo de uma carta da viúva de Paulo Freire ao presidente interino. Na missiva, a senhora reclama de uma alteração na biografia de Freire feita na Wikipedia. Contudo, esse não é o ponto da surpresa dos meus amigos, mas sim determinadas inferências que passagens da carta permite fazer. Fiamos a saber, por exemplo, que: 1)  a obra de Paulo Freire tem uma 'sucessora legal'. Trata-se de algo um tanto inusitado, dado que nivela ideias a uma espécie de marca/mercadoria, o que, convenhamos, considerando-se a divulgação que se faz do pensamento de Freire ('um pensamento da libertação'), é uma contradição - inclina-se à lógica do mercado; 2) o estabelecimento de equivalência, no decorrer do texto, entre 'comunismo e fascismo' constitui uma situação bastante peculiar, e que, se certos 'freireanos' se ativerem mais à abordagem aprofundada dos conceitos (e menos a discursos propagandísticos), provavelmente quedar-se-ão entalados. Como diz o meu amigo Alder Júlio, há muito tempo abordagens de Paulo Freire tem servido de escada para o arrivismo - dentro e fora das universidades. De maneira que determinadas situações se repetem em escala, mas não deixam de surpreender. 


quarta-feira, 13 de julho de 2016

Das ideias à danação: os riscos do atraso

Como costuma dizer o cientista político Carlos Melo, "o equilíbrio é uma arte; a bilis, uma danação". Lembrei dessa frase após a leitura do texto aí abaixo reproduzido. Traduzido, o seu título original estampa o seguinte: idealismo cego é reacionário. Na verdade, esta é uma assertiva do filósofo Frantz Fanon. Pois bem, é isso: seja em que lado for do campo político (direita, esquerda, centro, centro-direita, centro-esquerda... se é que isso tem significado no Brasil), a troca de argumentos por chavões, a mera repetição de retóricas (que logo tendem a assumir a condição de uma espécie de doutrina - como nas religiões), a substituição da força do argumento pela força sem argumento, a ênfase permanente nas posições extremas e o desprezo pelas posições mediadoras, etc., logo conduzem ao descrédito. Até mesmo quando se age anunciando-se que a ação é em função de "boas ideias" (idealismo deriva de ideia). Cai-se na danação, no reacionarismo e no atraso. Vale a leitura do texto, que se incia exatamente fazendo menção a um cartaz que alude o idealismo cego. 



by Tom McCarthy

I took this photo while walking along the Highline one weekend because I enjoyed the design and thought it left a powerful message. After researching the origins of the mural I learned the true artist’s intent with the contents and where she stemmed her ideas from.
The mural was created by artist Barbara Kruger and it describes her view on the world as a whole. The original quote comes from Afro-Caribbean philosopher Frantz Fanon and is “Blind Idealism is Reactionary”. When Fanon made this statement he was inferring that religious and political convictions stem from situations from which they arise and not from human nature of individuals. Barbara Kruger took it further by saying implying it’s not only reactionary but more so scary. This means that convictions that people have can and will cause conflicts between groups with other blind ideals. Then, she takes it another step further to say it’s not only scary, but it is also deadly. She relates this to the world in many ways specifically in the world of terrorism and the political unrest in America we are seeing with this current presidential campaign.
This pertains to our course on the basis of “American” “Religion” “Texts” very accurately based on the material we have studied. In the beginning of class we discussed the Spanish conquest of the indigenous people. Here there were two different groups of people with their own idealism that stemmed from their own upbringings and individual sense of religion and politics. As we learned in class, there was an extraordinary amount of deaths and unjust treatment from the Spanish conquerors on the native people. This continued throughout history as different religions came to America and also during times like the Civil Rights Movement. In modern times this mural can relate to the conflict of terrorism from groups like ISIS. This group has shown to be deadly through their warfare and suicide bombings across the world, which all stem from their religious convictions. In retaliation many countries, including America, have attacked the ISIS groups. Both sides have their own religious and political convictions that have stemmed from prior situations and the outcome has been extremely deadly. Candidates in the presidential campaign have been using this sense of ‘blind idealism of reactionary’ to fuel their support base. It is probably not in everyone’s human nature to go to war in the Middle East, just as it is not probably in everyone’s human nature to riot and fight like we have seen across America during campaign rallies. However, these events all arise from certain situations that have given everyone their own religious and political convictions. It is because of this that Kruger is fearful of the world. She understands that these blind idealisms are not only reactionary but have been proven throughout history to be incredibly deadly.

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Fonte: http://fordhamamericanreligioustexts.blogspot.com.br/2016/05/blind-idealism-is-by-tom-mccarthy.html

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Para não dizer que não falei das flores

Estadunidense Jan Rose Kasmir: protesto contra a 
 Guerra do Vietnã, em 1967 (fotografia de Marc Riboud) 

O paraibano Geraldo Vandré é provavelmente o artista brasileiro mais enigmático nos últimos cinquenta anos. Autor da clássica música 'Pra não dizer que não falei das flores', ou simplesmente 'Caminhando', como ficou conhecida, canção-símbolo da resistência à ditadura militar instaurada no Brasil  com o golpe de 1964, Vandré foi exilado, regressou ao país, mas nunca mais voltou aos palcos. Nesse contexto, muitas foram (e são) as conjeturas a respeito do seu desaparecimento: tortura e "lavagem cerebral" pelos militares - que o fariam "não dizer mais com com coisa" -, desprezando o  seu passado; um acordo com os militares para regressar ao país e assumir o seu posto de funcionário público, em troca do silêncio; um autoexílio artístico por decisão própria, como ele mesmo assinalou numa das raras entrevistas. São várias as conjecturas, mas nenhuma com segurança historiográfica para ser afirmada concretamente. O mistério continuará - talvez algum dia seja desfeito. É certo que, numa apresentação no Paraguai em 1982, Vandré assume uma postura em relação aos militares que contradiz manifestações e comportamentos seus atuais. Isto pode ser visto no curto vídeo aí abaixo. 




O mistério em torno de Vandré tem fatos inusitados. Por exemplo: o sumiço das suas imagens em VTs do Festival Internacional da Canção nos anos 1960. Temos assim uma situação bastante peculiar: um ícone da música brasileira com imagens de apresentação sua, no país, desaparecidas até hoje. Um pouco dessa lacuna veio a ser preenchida recentemente pela televisão pública alemã WWF, que divulgou um programa produzido com Vandré quando ele se encontrava exilado na Alemanha em 1970. Pode ser visto a seguir. 



Por que o silêncio de Geraldo Vandré, o sumiço, o abandono dos palcos? Numa das suas raras declarações públicas, reclamou da massificação da cultura brasileira e disse que 'nada é mais subversivo do que um erudito vivendo num contexto subdesenvolvido'. Pensando bem, o que aí está contido não é pouca coisa. Ao dizer muito, talvez esta frase leve a pensar na sua postura, ao contrário da loucura que lhe é atribuída, como manifestação de uma 'lucidez em forma de ironia existencial'. Seja como for, a História da Arte brasileira, no último meio século, tem, na trajetória de Vandré, um enigma a ser desvendado. Aí inclua-se a sua decisão de compor a música 'Fabiana', em homenagem à FAB. No jogo das hipóteses e das probabilidades, não deve ser descartado que ele tenha optado por seguir indicações do que está em seu 'Pequeno Concerto que virou Canção': 

Não 
Não há por que mentir ou esconder
A dor que foi maior do que é capaz meu coração
Não
Nem há por que seguir
Cantando só para explicar
Não vai nunca entender de amor
Quem nunca soube amar.
Ah...
Eu vou voltar pra mim
Seguir sozinho assim
Até me consumir
Ou consumir
Toda essa dor
Até sentir de novo 
O coração 
Capaz de amor.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Trois activités humanines fondamentales: le travail, l’oeuvre et l’action

Texto esboçado há algum tempo, reformulado, e agora ao abrigo da publicação francesa Je ne suis pas d'accord. Chega por aqui. Entre Sartre e Hannah Arendt: "o ser humano é seu projeto."




Par Ivonaldo Leite
Université Fédérale de Paraíba/Brésil

Le transfert du point d'Archimède dans l'esprit humain a sans doute permis à l'homme de porter son point d'appui, pour ainsi dire, en soi et à sa guise, il l'a ainsi libéré completement de la realité donnée.
En ce sens, d’accord avec Hannah Arendt,  l'expression vie active desinga trois activités humaines fondamentales : le travail, l’oeuvre et l’action. Elles sont fondamentales parce que chacune d’elles correspond aux conditions de base dans lasquelles la vie sur terre est donné à l’homme.
Le travail est l’activité que correspond au processus biologique du corpus humanin, dont la croissance spontanée, le métabolisme et éventualment la corruption, son liés aux productions élémentaires dont le travail nourrit ce processus. Sur l’oeuvre, elle est l’activité qui correspond à la non-naturalité de l’existence humanine, qui n’est incrustée dans l’espace et dont la moralité n’est pas compensée par l’éternel retourn cyclique de l’espace. L’ouvre fournit un monde artificel d’objets, nettement différent de tout millieu naturel. C’est à interieur de ses frontiers que se loge chacune des vies individuelles. En troisième lieu, l’action, la activité qui mette directtement en rapport les hommes, sans l’intermédiaire des objets ni de la matière, correspond à la condition de la pluralité, au fait que ce sont des hommens et non pas l’homme, qui vivent sur terre et habitent le monde. Si touts les aspects de la condition humanine ont de quelque façon rapport à la politique, cette pluralité est spécifiquement la condition de toute vie politique.
Alors, ces trois activités et leurs conditions correspondantes sont intimement liées à la condition la plus genrale de l’existnece humanine. C’est-à-dire, la vie et la mort, la natalité et la mortalité.
Le travail n’assure pas seulement la survie de l’individu mais aussi celle de l’espèce. L’ouvre et ses produits conferent une certaine permanence, une durée à la futilité de la vie mortelle et au caractère fugace du temps humain. La action, dans la mesure où se consacre à fonder et maintener des organismes poilitiques, crée la condition de souvenir.
La condition humanine dépasse les condiditions dans lesquelles la vie est donné à l’homme. Les hommes sont des êtres conditionées parce que tout ce qu’ils recontrent se change immédiatement en condition de leur existence. Le monde dans lequel s’écoule la vita activa consiste en objets produits par des activités hummanines. Mais les objets, qui doivent leur existence aux hommes exclusivment, conditionnent néanmoins de façon constante leurs créateurs.
Outre les conditions dans lesquelles la vie est donée à l’homme sur terre, et en part sur leur base, les hommes créent constamment des conditions fabriquées qui sont propres et qui, malgré leur origine humanine et leur variabilité, ont la même force de conditionnement que les objets naturales.
Enfin, tout ce qui touche la vie humaine, tout ce qui se maintient en relation avec elle, assume immédiatament le caractère de condtion de la l’existence humanine. Mais toutes les ativités humanines sont conditionetés par le fait que les hommes vivent en societé.



quarta-feira, 6 de julho de 2016

O colapso do sistema político brasileiro e a ilusão do Estado

Muito se tem escrito sobre a crise política brasileira, mas, em boa parte das vezes, são abordagens sem a menor sustentação lógico-argumentativa. Nada dizem do ponto de vista da análise objetiva. Em perspectiva oposta a isso, aí abaixo temos mais um bom texto do cientista político Aldo Fornazieri. Vale a leitura. 




Por Aldo Fornazieri 
(Cientista Político, Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo) 

A operação Lava Jato é mais obra dos Procuradores da República do que do juiz Sérgio Moro. Este foi apenas o julgador, o sentenciador, o manifestador de juízos de valor prévios em seus despachos para a realização de operações. Anunciava a culpa antes dos julgamentos. Mas todo o edifício da Lava Jato foi erguido pelo Ministério Público Federal. Nestes termos, a Lava Jato pode ser definida como uma rebelião procuradorista – em certa medida, como uma rebelião do Estado contra o governo político. Explique-se: procuradores, a Política Federal, a Receita Federal e juízes, que constituem as equipes das diversas investigações, são agentes do Estado, ocupam carreiras típicas de Estado. Os seus alvos são agentes políticos, operadores de esquemas de lavagem de dinheiro que fazem as mediações entre os corruptores das empresas que têm negócios com o Estado e os políticos que se corrompem e beneficiam essas empresas com contratos superfaturados. Há nesse entremeio, também funcionários de carreira do Estado ou funcionários concursados de estatais.
Nessa rebelião do Estado contra o governo político existem algumas similitudes e muitas diferenças entre a rebelião procuradorista e as rebeliões tenentistas das décadas de 1920 e 1930. O tenentismo também vinha do Estado – do Exército, particularmente – contra o governo político. Atacava as oligarquias, a política do café com leite, prometia libertar e proteger o povo, propugnava uma reforma política e novas instituições públicas, advogava a reforma eleitoral com o fim do voto aberto e o voto de cabresto, pois, naquele tempo, a eleição era uma coisa muito mais de poder do que de política. Um dos grandes males do Brasil, para o tenentismo, era a corrupção.
Nestes pontos todos, há algumas fortes semelhanças entre as teses do tenentismo e as teses do procuradorismo. O procuradorismo também advoga novas instituições e se sente artífice das mesmas. Quer libertar o país dos políticos corruptos e entende que a corrupção e sua impunidade são os grandes males do país. A reforma política é uma petição recorrente desses agentes do Estado, pois o sistema teria mazelas incuráveis. Se o tenentismo algumas vezes fazia referência aos mais pobres e desvalidos e aos trabalhadores, o procuradorismo é portador de um discurso genérico se remete sempre à sociedade. Ambos, contudo, se irmanam no discurso fortemente moralizante, tão a gosto das camadas médias.
Tal como o tenentismo, o procuradorismo se autoconcebe como salvacionista. O tenentismo usava as armas para realizar a salvação. Suas rebeliões foram derrotadas, mas seus ecos rebentaram na Revolução de 1930 e muitos se incorporaram ao empreendimento autoritário-modernizador de Getúlio Vargas. O procuradorismo, com seus aliados do judiciário, comete vários abusos para fazer valer a sua ideia de justiça. Em que pese o seu discurso de imparcialidade e apartidarismo não conseguiu disfarçar o seu antipetismo.
Até agora, o procuradismo vem se mostrando vencedor, mas os seus ecos resultaram no governo Temer constituído pelo núcleo mais corrupto do Brasil. Getúlio Vargas, em que pese o autoritarismo, teve um sentido modernizante e progressista: fundou o Estado moderno brasileiro e garantiu direitos trabalhistas. O governo Temer tem um sentido retrógrado, conservador e antipopular. A Revolução de 1930 manteve parte das velhas elites no poder, mas abriu as portas para o ingresso de novas forças politicas e sociais. O governo Temer expurga as novas forças políticas e sociais que emergiram após a Constituição de 1988 e fecha o poder em uma aliança fundada entre o capital financeiro, o agronegócio, o rentismo da classe média e os privilégios tributários dos que ganham mais.
A ilusão do Estado
No Brasil, o Estado se constituiu numa grande ilusão, numa grande miragem de todos aqueles que querem mudanças. Na verdade, o Estado vem se revelando ao longo dos tempos o sepulcro das mudanças. No Brasil, o Estado é, de forma indesmentível, um aparelho para constituir patrimônio, independentemente de quem sejam os seus ocupantes. As elites econômicas, que sempre detiveram o seu controle, consentem que parte do Estado seja ocupado gerencialmente por forasteiros, como foi o caso do PT, desde que esses forasteiros garantam o manejo do Estado como instrumento de constituição de patrimônio dos mais ricos. As formas de assegurar a constituição de patrimônio pelo Estado são diversas e variam no tempo. São incentivos e benefícios fiscais, é a iniquidade fiscal, são as variadas formas de corrupção, são políticas públicas orientadas para setores corporativos etc.
Tenentistas, comunistas, petistas, procuradoristas foram e são alimentados pela ilusão do Estado. Todos acreditaram e acreditam que com controle e a posse do Estado mudam a realidade social pela via do poder. A história mostrou o contrário: o Estado muda os “revolucionários” de plantão. Os tenentistas foram absorvidos pelo Estado. Os petistas foram absorvidos pelo Estado e se tornaram uma força patrimonialista associada a outras forças como o PMDB em convívio com outros partidos e com o PSDB, que foi um partido que nasceu dentro do Estado e sobrevive às suas custas. Os partidos, no Brasil, são patrimonialistas.
A elite econômica aceita o gerenciamento estatal do patrimonialismo até o ponto em que não há riscos de perdas, seja por crises fiscais ou por políticas altamente distributivas. Foi o que aconteceu com o PT: o seu distributivismo não ameaçava o esquema patrimonialista, mas o partido não soube gerir a conta fiscal levando a uma crise provocando o fim do pacto aceitável para a elite. Alguém deveria pagara a conta. Como o governo Dilma não teve a coragem de cobrar a conta nem de uns e nem de outros, foi derrubado.
Mas os petistas se sentiam seguros no poder, possuídos pela mesma ilusão que alimentava o círculo de poder de Jango em 1964. A ideologia revolucionária dos petistas, que havia germinado nas lutas contra s ditadura e pela redemocratização, feneceu nos gabinetes do poder. Os petistas se contentaram em exercer pequenos e vãos poderes, poderes que careciam de conteúdo e de autoridade para promover mudanças efetivas. Nem tenentistas, nem comunistas, nem petistas, nem procuradoristas sabem, realmente, onde está o poder de fato. No Brasil o poder não serve, mas se serve para ser servido.
Os procuradoristas, pela sua natureza, são o Estado. Têm privilégios salariais e garantias funcionais que os tenentes não tinham. O que eles querem é uma assepsia do Estado para torná-lo funcional, técnico, eficiente. O desfecho mais provável do movimento procuradorista não é a aprovação das “Dez Medidas de Combate à Corrupção”, mas o surgimento de uma legislação que limitará as investigações, as delações premiadas e protegerá os corruptos. Bastará se consolidar o afastamento de Dilma e se verá movimentos mais explícitos nesse sentido.
O PT tentou ser o protagonista de uma grande mudança no Brasil. Mas ao ser absorvido pelo Estado, representou apenas o ápice de uma forma de governar que foi hegemônica no Brasil a partir do governo JK. A forma de governar ditada pelas grandes obras. Isto ocorreu na União, nos Estados e nos Municípios. O poder político, financiado por um sistema corrupto, já não decidia os grandes projetos para o Brasil. Quem decidia eram as grandes construtoras, as grandes prestadoras de serviços para o Estado. Se o procuradorismo promoveu um bem, este bem consistiu em dinamitar esta forma de governar.
A Lava Jato pôs fim a Era das grandes obras. Nem o governo Dilma, nem o PT, nem o PMDB e nem o PSDB perceberam o que aconteceu em 2013: foi o início do fim de uma Era marcada pelo modo de governar através de grandes obras. O que a sociedade quer é um novo modo de governar baseado em serviços eficientes e na garanta de direitos.

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Texto socializado pelo autor. Título original: 'A Lava Jato e a Rebelião do Procuradorismo'.