Educação, aprendizagem e fator socioeconômico

Do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento (LND)/UFMG

Estudos relacionados à aprendizagem são cada dia mais comuns no campo da Psicologia e das neurociências, tanto com o objetivo de entender os processos cerebrais envolvidos, quanto para verificar os fatores que influenciam e fazem com que o processo da aprendizagem seja tão diverso de indivíduo para indivíduo. Esse entendimento é de extrema importância para o conhecimento acadêmico e também para o desenvolvimento de políticas públicas que proporcionem melhor qualidade de ensino e facilite o aprendizado para todos. Nesse texto, será trabalhada a relação do desenvolvimento cognitivo e os fatores ambientais que podem estar correlacionados a esse aspecto, focando principalmente na correlação com o nível socioeconômico (NSE).
A aprendizagem pode estar associada a dois fatores, o genético e o ambiental. No fator genético, pode-se inserir a influência de questões hereditárias, como a inteligência, e características da própria pessoa, como memória. Já o fator ambiental está relacionado aos estímulos externos à pessoa e aspectos sociais, como por exemplo, o NSE. A definição do NSE ainda não está bem delimitada. Questões como a maneira mais adequada para medir o NSE e os pontos econômicos e sociais mais relevantes não possuem um consenso universal entre os pesquisadores; as análises variam de estudo para estudo. Apesar de algumas divergências, a maioria aborda aspectos como escolaridade, condição e atividade laboral, o prestígio no trabalho e renda familiar. No Brasil, a análise do nível socioeconômico é feita principalmente pelo questionário “Critério Brasil” (disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil), que aborda alguns dos aspectos citados anteriormente, como escolaridade dos pais, a renda familiar e a posse de alguns bens materiais.
Apesar do nível socioeconômico não ser uma variável tão bem definida, ela possui uma relação direta com a aprendizagem. Para avaliar essa correlação é preciso considerar outro fator relevante, a idade. Segundo um estudo realizado nos Estados Unidos, a influência da classe social na aprendizagem varia de acordo com a idade, principalmente das crianças. A influência do ambiente no desenvolvimento cognitivo é diretamente proporcional à idade, logo, quanto mais velha a pessoa, maior a influência ambiental/social e menor a genética. A partir de um estudo realizado por Maciej Trzaskowski (2014), com 11000 gêmeos, foi possível perceber que há uma correlação entre a genética e o desempenho cognitivo de 0,6, isso significa que a hereditariedade exerce uma influência muito grande sobre o aprendizado da criança. Além disso, o estudo mostrou que essa relação vai diminuindo com o tempo. Aos 7 anos de idade, a correlação é de 94%, já aos 12 anos de idade essa proporção passa a ser de 54%, havendo assim uma influência maior do ambiente, principalmente do ambiente não compartilhado (ambiente escolar, grupo de amigos).De maneira geral, independente da idade, é possível observar a relação entre o NSE e a aprendizagem, principalmente da matemática e da leitura/escrita. Crianças que pertencem a uma classe econômica superior possuem maior facilidade na aquisição desses conhecimentos. Ainda não foi encontrado uma causa para essa diferença entre classes, contudo, pode-se supor que isso ocorre devido ao meio em que a criança se encontra. Entre os diversos níveis sociais há uma grande diferença na quantidade de estímulos presentes no ambiente familiar, o que pode contribuir para um desenvolvimento mais rápido de crianças de NSE mais alto, já que tendem a ter contato com maior quantidade de livros, brinquedos educativos, e também maior incentivo por parte dos pais. Além disso, as pessoas dessa classe social proporcionam acesso mais cedo à educação e também investem mais nessa área por meio de instituições de ensino, como creches e escolas de boa qualidade.
Outra diferença encontrada entre crianças de níveis socioeconômicos distintos são as regiões de ativação cerebral. Uma pesquisa realizada com 1099 indivíduos com desenvolvimento típico, entre 3 a 20 anos de idade, utilizou a técnica de imagem funcional por ressonância magnética (fMRI) (Noble et al., 2015). A partir das observações feitas, foi possível concluir que há diferença nas regiões de ativação cerebral das crianças de diferentes NSE. Nesse estudo foi possível perceber que crianças de nível econômico mais alto possuem a ativação em regiões mais homogênea e concentrada, ou seja, as ativações aconteceram em regiões menos dispersas. Também foi possível observar que as ativações ocorreram em regiões parecidas entre crianças de mesma classe. Em crianças pertencentes a classes socioeconômicas mais baixas, as ativações ocorreram de maneira mais dispersa, espalhadas por diversas áreas do córtex, logo, a ativação cerebral nessas crianças não era tão específica e localizada e havia uma grande variabilidade de ativação entre os sujeitos deste grupo. Apesar da variação das regiões de ativação cerebral entre as crianças de diferentes níveis sociais, não é possível afirmar que todos os processos cerebrais sofrem influência desse fator. Pesquisas realizadas apontam que existem áreas específicas do domínio cognitivo que sofrem influência do NSE. Foram encontradas correlações significativas apenas entre os processos da linguagem, como consciência fonológica e alguns dos processos das funções executivas. 
Ainda existem muitas questões a serem abordadas e estudadas. Em relação ao NSE ainda permanece uma questão que dificilmente vai obter uma resposta objetiva e única: “Será que o desempenho cognitivo da pessoa vai ser determinante para designar em qual nível econômico essa pessoa vai se encaixar? Ou o nível socioeconômico da criança vai influenciar a maneira como o desenvolvimento cognitivo vai acontecer?” Encontrar respostas para essas perguntas é uma tarefa extremamente complicada, pois assim como a pergunta “quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?”, não é possível separar essas duas questões. Contudo, se fosse possível encontrar o que causa o que, ajudaria a compreender mais profundamente o funcionamento da cognição humana e a determinar quais fatores são os mais influentes nesse processo. Mesmo sem essas soluções, o estudo da correlação entre o NSE e a aprendizagem é de suma importância para diversas áreas do conhecimento, como a Psicologia, Neurociência e a Pedagogia. Além dessas áreas de conhecimento, é possível identificar a relevância disso para a sociedade e principalmente para a elaboração de políticas públicas que visem o desenvolvimento social e de práticas educacionais que possam suprir a diferença econômica e social das crianças de classes mais baixas.

REFERÊNCIAS:
ALVES, M. T. G., Soares, J. F., MEDIDAS DE NÍVEL SOCIOECONÔMICO EM PESQUISAS SOCIAIS: UMA APLICAÇÃO AOS DADOS DE UMA PESQUISA EDUCACIONAL. Opinião Pública, Campinas,  p.1-30, v. 15, nº 1, Junho, 2009
CARO, D. H, SOCIO ECONOMIC STATUS AND ACADEMIC ACHIEVEMENT TRAJECTORIES FROM CHILDHOOD TO ADOLESCENCE, Canadian Journal of Education, p. 558-590, 2009
HERNANDEZ, M., THE RELATIONSHIP BETWEEN MATHEMATICS ACHIEVEMENT AND SOCIO-ECONOMIC STATUS,  Florida International University and Palm Beach State College Spring, 2014
NOBLE, K. G., et al, FAMILY INCOME, PARENTAL EDUCATION AND BRAIN STRUCTURE IN CHILDREN AND ADOLESCENTS. Nature Neuroscience, v.18, nº 5, may 2015
TRZASKOWSKI, M., Harlaar, N., Arden, R., Krapohl, E., Rimfeld, K., McMillan, A.,  Dale, P. S., Plomin, R.,GENETIC INFLUENCE ON FAMILY SOCIOECONOMIC STATUS AND CHILDREN’S INTELLIGENCE. Intelligence 42, p. 83–88, 2014
TUCKER-DROB, E. M., Harden, K. P., LEARNING MOTIVATION MEDIATES GENE-BY-SOCIOECONOMIC STATUS INTERACTION ON MATHEMATICS ACHIEVEMENT IN EARLY CHILDHOOD, Learning and Individual Differences, p. 37–45, 2012

Brasília e a marcha da crise: risco de colapso institucional

Os últimos acontecimentos agravaram a crise política brasileira e poderão ter consequências drásticas. A prisão do líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral, e do banqueiro André Esteves inverteu a tendência de 'alento' que se desenhava à administração Dilma Rousseff e, junto com outros fatores, pode colocar o país no abismo de uma crise institucional. É o que, figurativamente, e só figurativamente mesmo, pode-se chamar de uma "uma peça de Fortuna", a deusa romana do acaso, do imprevisto, do destino. Dois exemplos apenas do cenário do teatro dos horrores que - se não houver uma reconfiguração do quadro atual em favor da estabilidade - são vislumbrados: 1) Em face das dificuldades de interlocução com o parlamento e da tramitação das matérias orçamentárias, a presidente poderá ser levada a dar um calote em compromissos/despesas públicas, com consequências imprevisíveis em relação aos estados, servidores públicos e aposentados; 2) poder-se-á ter confrontos de rua entre pessoas/movimentos em protesto. Boa parte das pessoas - secundadas por abordagens que não passam de espuma de palavras, da grande mídia e de determinados analistas - permanece alheia ao que está em causa. Com uma dose de ironia, é de se dizer: que Fortuna olhe para o Natal e o Ano Novo dos brasileiros! A situação é grave. Nessas horas, como em outras, tudo o que não é necessário é "sangue quente" e açodamento. E é nesse sentido, a meu ver, que a análise social objetivamente se deve pautar, examinando a crise e colocando em realce quadros de inteligibilidade que proporcionem perspectivas sobre o que está em questão e o que pode vir. Foi o que fez, aí abaixo, o prof. Aldo Fornazieri, apontando os riscos de um colapso institucional no país. Iniciei a semana pretendendo escrever um texto dessa natureza, mas, ao tomar conhecimento desse dele, senti-me contemplado. A conferir. 

Teto do Congresso Nacional - Manifestações de 2013
(Crédito: ABr) 

Por Aldo Fornazieri 
(Escola de Sociologia e Política de São Paulo)

Há duas semanas, a crise política dava sinais de arrefecimento, com o governo conseguindo algumas vitórias no Congresso, com o recuo dos ataques a Joaquim Levy, com o enfraquecimento de Eduardo Cunha, com o PSDB sinalizando uma possível mudança de postura e com a própria tese do impeachment perdendo força, tanto nas ruas quanto no meio político. A surpreendente prisão do senador Delcídio Amaral e do banqueiro André Esteves é um daqueles trabalhos terríveis da Fortuna que fazem os ventos mudar de lado, desfazendo o que vinha sendo feito, provocando tormentas e tempestades, criando novas condições, novas  circunstâncias, exigindo um reposicionamento dos atores. O reposicionamento, ainda em andamento, dos partidos e dos políticos, no entanto, sinaliza não um clareamento do horizonte, mas o aumento das incertezas.
No jogo das irresponsabilidades sobram imputações para todos os lados: à presidente Dilma, que construiu no primeiro mandato as condições da ruína do segundo mandato e porque agora não consegue reagir e governar; ao PT, que se corrompeu e que, junto com Lula, desenvolve ações desestabilizadoras do atual governo Dilma; a Aécio Neves e ao PSDB, que não aceitaram a derrota das urnas e desenvolveram uma ação golpista sob o manto disfarçado de legalidade dos tribunais e do instrumento do impeachment; ao PMDB, que não se compromete com a governabilidade e que age como ave de rapina sempre à espreita de vítimas ou de carniça; a Eduardo Cunha, que não tem escrúpulos e limites para salvar-se da guilhotina e para viabilizar seus interesses pessoais. 
Nem no governo, nem nos partidos governistas e nem na oposição existem centros de gravidade política ou líderes legitimados, capazes de imprimir alguma coerência e sentido ao sistema político. O que se instaurou é uma guerra sem quartel e sem escrúpulos pelo botim do Estado, uns querendo levar os outros ao cadafalso e todos imolando os interesses do povo e do país no altar dos sacrifícios.
A perda de legitimidade do sistema político e dos partidos, que vem se agravando desde as manifestações de 2013, se deve a duas razões principais: a) os partidos não representam mais nada, a não ser eles mesmos e seus interesses; b) a suspeita generalizada de que havia no país uma corrupção sistêmica – suspeita de longa data – se tornou evidente à luz do dia com a sucessão de escândalos, nos vários níveis da administração pública, mas atingindo principalmente o Executivo, o Legislativo, juízes, as estatais, o BNDES que beneficia o clube de amigos do poder, as empreiteiras, as prestadoras de serviços públicos, o sistema financeiro e várias empresas que, pelas suas relações de poder, ou praticam a corrupção pura e simples ou sonegam impostos. Servidores públicos, inclusive de carreira, não ficaram imunes a esse sistema. O presidencialismo de coalizão perdeu a sua função política de garantir a governabilidade e se transformou em presidencialismo de negócios, desbalanceando a competição de mercado, introduzindo a deslealdade como critério de sucesso e definindo o Estado, incluindo os Legislativos, como balcão de negócios, com agências ramificadas nos mais diversos setores.
Desta forma, a luta política deixou de ser uma luta por representação de interesses sociais, pela promoção do interesse público e pelo desenvolvimento econômico e social do país. Os partidos e os políticos – claro que há exceções – se tornaram agentes de negócios. Financiamento de campanhas, contas no exterior, promoção de empreendimentos de familiares de políticos e agentes públicos são formas de mediação de um novo sistema de negócios que floresceu à margem da lei e embalado pela impunidade. Com isso, a política perdeu toda a dimensão moral e se reduziu a uma mera técnica de conquista e manutenção do poder, visando os negócios privados dos partidos, de funcionários e dos políticos com as mais variadas empresas públicas e privadas. A habilidade técnica da conquista e manutenção do poder é indiferente aos fins. O único fim que interessa é o fim particular da posse do poder. O poder deixou de ser meio com vistas a realizar os fins públicos.
A prisão de políticos, de empreiteiros e de banqueiros provocou um curto circuito no sistema múltiplo de locupletação ilícito. O fim da impunidade está fazendo esse sistema ruir. O risco de colapso institucional existe porque o governo não consegue reagir e governar; porque a Câmara dos Deputados se tornou presa de um lobo solitário, de um cachorro louco, no sentido figurado do termo, e porque a oposição se mantém disposta a chegar ao poder pelos atalhos das sombras. O risco de colapso existe porque as margens para uma saída política normal – por eleições e por uma alternativa partidária legítima – se estreitaram. O sistema está sendo posto abaixo pela ação do Ministério Público, da Polícia e da Justiça. Em face da ausência de alternativas e da irracionalidade pública dos políticos o que vem se gerando é um enorme vácuo político, um vazio de autoridade legítima.
A solução da crise política tem vários ângulos de mirada, dependendo do ator e de seus interesses. Evidentemente, a remoção de Eduardo Cunha da presidência da Câmara é necessidade mais imediata. Como e se isto será feito, talvez se saiba nesta semana.  Se não for feito a crise não tem solução, pois ele se tornou o obstáculo mais imediato para qualquer solução.
O problema maior se situa em como solucionar a crise no governo. Com a prisão de Delcídio Amaral se intensificou uma articulação tucano-peemedebista que quer o impeachment. Sendo que não há nenhum fundamento jurídico para o mesmo, este é o pior caminho e arrastará o país para uma grave desestabilização política. O impeachment é um processo prolongado que pode demorar mais de 100 dias. Se o impeachment de Dilma for desencadeado, tudo indica que se constituirá um cenário de confrontação de rua. Ao mesmo tempo em que os movimentos pró-impeachment refluíram, os movimentos sociais progressistas, que inclusive não apoiam o governo, mas são contra o impeachment, ganharam articulação e força. A radicalização em nome da defesa da democracia e contra o golpe será inevitável. Se não surgir nenhum fato que implique diretamente a presidente Dilma em atos ilegais, o impeachment é o caminho da insensatez.
Outra proposição de setores da oposição, e este talvez seja também o desejo de Lula e do PT, é a renúncia de Dilma. Dilma estará disposta a renunciar enquanto ainda houver alguma esperança de recuperação do governo? Aparentemente, não. Esta saída depende de um ato de vontade unilateral ou de um imenso movimento de massas pela renúncia, algo que não é visível neste momento. Em caso de impeachment ou de renúncia cabe perguntar se Michel Temer teria condições de governar, com os movimentos sociais nas ruas. É altamente duvidoso, ainda mais com o PMDB fortemente envolvido nos escândalos de corrupção.
A saída mais sensata consistiria na criação de condições mínimas de governabilidade, com alguma colaboração da oposição, por mínima que seja. Mas Dilma e o governo precisariam fazer sua parte, lançando, ao lado do ajuste fiscal, uma plataforma de recuperação da economia. O governo deveria chamar também os setores empresariais, os movimentos sociais e parte da oposição para negociar propostas concretas. Mas é difícil supor que isto aconteça num governo que vem se mostrando surdo, mudo e paralítico quando se trata da ação e da interlocução políticas.
A única coisa que os movimentos sociais e políticos progressistas não podem abrir mão, nesse momento de incertezas crescentes, consiste na manutenção de sua organização e mobilização. Precisam cobrar as soluções que façam recair os maiores custos da crise sobre os mais ricos. Propostas sensatas e razoáveis não faltam.  Na medida em que terminou o jogo do ganha-ganha da era Lula, o jogo agora é definir quem ganha e quem perde ou quem perde menos. Num momento em que os partidos e os políticos representam seus próprios interesses, os setores mais pobres da sociedade só ganharão algo ou reduzirão as suas perdas se estiverem organizados e mobilizados, com plataformas sensatas e com a sabedoria prática para fazer as mediações políticas necessárias.
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Fonte: http://jornalggn.com.br/. Título original: 'Risco de colapso institucional' 

domingo, 29 de novembro de 2015

Palavras trocadas sem dizê-las




Por Anderson Henriques

Às vezes, a extrema falta de intimidade nos obriga a falar qualquer coisa com alguém que está por perto, na tentativa de quebrar aquele silêncio incômodo. Estar em silêncio ao lado de alguém, sem que isso cause constrangimentos, é, a meu ver, o auge da intimidade entre duas pessoas. Minha avó gostava de um ditado que nos dizia sempre: "Se a palavra é de prata, o silêncio é de ouro". Para mim, que às vezes sou inundado por uma necessidade quase vital de manter-me em silêncio, como se houvesse um selo invisível cerrando minha boca, esta visão a respeito do silêncio, da falta de necessidade de falar, é, em alguns momentos ou situações, uma dádiva a que dou muitíssimo valor.
Minha avó - de quem tanto falo - era uma pessoa simples, porém de uma sabedoria enorme. Seu olhar sobre a vida, muito me inspirou e tem inspirado. Sempre que conversávamos, eu lhe falava: "vó, um dia ainda escrevo sobre sua vida". Ao que ela me respondia sempre: "quem se interessaria pela vida, pelos pensamentos de uma velha?".
Por todo o período em que minha avó esteve internada, após sofrer um infarto, nós nos revezamos para acompanhá-la no hospital. Aquela noite seria a minha vez de servir-lhe de acompanhante. Durante a visita, a fisioterapeuta veio fazer sua avaliação e nos disse que era preciso que o acompanhante conversasse bastante com ela, pois assim a vovó exercitaria a fala. No instante em que a doutora falou isso, eu olhei pra minha avó e disse: “ihh vó, logo hoje que é a minha vez. Não foi uma boa escolha. A senhora sabe que eu quase não falo nada”. Vovó esboçou um sorriso e com imensa dificuldade balbuciou: “você sempre falou o suficiente, meu neto”. Aquelas palavras me confortaram imensamente.
Minha avó me conhecia como poucos. Nunca fui o tipo de pessoa efusiva, que demonstra sentimentos com facilidade. Sempre fui, em verdade, muito contido. Causam-me desconforto e estranhamento, até hoje, pessoas muito expansivas, exageradamente íntimas, que necessitam a todo tempo de demonstrações de afeto, de declarações, de palavras. Sempre achei isso muito cansativo. Diante de minha avó, no entanto, eu sempre pude ser o mesmo menino calado, taciturno, curto de palavras, que gostava de subir à sua casa para ficar ao seu lado, em silêncio. Às vezes à beira da cama, vendo-a dobrar roupas recém-recolhidas do varal, outras vezes, encostado na máquina de costura, brincando com botões, carretilhas e retalhos, ou ainda, sentado à mesa, enquanto ela catava o feijão ou descascava legumes.
Vovó não insistia em arrancar palavras de minha boca, não me enchia de perguntas o tempo todo. O silêncio entre nós era confortável. Ela compreendia que eu gostava muito mais de ouvir do que falar. “Meu filho, você não é de falar muito. Só observa.” Eu arqueava as sobrancelhas e sorria. Em silêncio.
Essa possibilidade de estar ao lado de alguém, podendo guardar meu silêncio, sempre me agradou. Desde menino, sempre pensei muito. A mente fervilhava, elaborava, analisava tudo, o tempo todo. Trago em mim desde sempre esse desejo de silêncio. Pois somente quando me calo é que ouço a voz que fala dentro de mim. A voz daquele que, mesmo sendo eu, é um outro que mora em mim, que me conhece de fato, que me compreende e me aconselha. Aquele que se alimenta do meu silêncio, da minha mudez, que toma forma e habita meus pensamentos. Esse outro que surge no exato instante em que silencio. Preciso ouvi-lo. Sinto sua falta. Conto com ele. É ele quem me dá o equilíbrio.
É esse outro "eu" quem também segura firme as palavras que desejam sair de minha boca, e realimenta meus pensamentos, fazendo-os girar dentro de mim, transformando-os, aparando arestas, lapidando. É ele quem grita dentro de mim, tentando me proteger dos meus rompantes. É o tal que me faz respirar fundo, engolir a seco, e começa a contar comigo: “um, dois, três...”, sempre que pressente que hei de ganhar mais permanecendo calado. É obvio que nem sempre estou plácido, sereno, o suficiente para ouvi-lo. Mas é justamente nestes momentos em que não o deixo agir que mais me arrependo.
Falar demais me faz mal. Gosto muito de ouvir os que respeitam as pausas, que pensam antes de falar, os que permitem intervalos. Para mim, uma relação entre duas pessoas – seja ela qual for – atinge a ‘perfeição’ quando o silêncio não causa desconforto ou constrangimento. Ter com quem falar é, às vezes, imprescindível, no entanto, ter alguém que consegue se calar ao teu lado é vital. Pois é na escassez da palavra falada que os pensamentos dialogam, as almas conversam.

Exposição de 'Not to be Reproduced', de René Magritte 
Meus amigos mais caros são exatamente os que compreendem o meu silêncio,  o meu exílio voluntário. São os que têm permissão para entrar na minha clausura, pois são capazes de caminhar ao meu lado sem fazer barulho. Meus amigos são aqueles que sabem ler os silêncios da minha cadência e não atravessam o meu ritmo. Sabem fazer soar com exatidão tanto as notas como as pausas dos meus compassos. Sabem ler a partitura da minha vida. Entendem a minha música.
Vovó e eu tínhamos esse refinamento. Ela conhecia o meu silêncio. Não precisava das minhas palavras para saber o que eu estava sentindo. Eram os nossos olhos que proseavam, trocavam confidências. O silêncio não incomodava. Naquela última noite em que estivemos a sós, quando lhe faltavam forças para dizer palavras, foi com o silêncio que nos despedimos. Foi porque aprendemos a silenciar que conseguimos trocar aquelas últimas palavras, sem dizê-las.
Em pé, ao lado da cama, enquanto eu olhava seu rosto, eu pensava no quanto eu amava aquela senhora, no quanto sua vida, suas histórias, seus ensinamentos tinham sido determinantes na construção da pessoa que eu havia me tornado. Ela me olhava nos olhos, como se ouvisse meus pensamentos. De novo, o silêncio. De minha parte, o silêncio habitual, das horas em que meus lábios cerram de tal maneira que as palavras parecem não encontrar meios de escapar. O silêncio que minha alma necessita pra falar dentro de mim. Dela, o silêncio resignado, da impossibilidade física de falar.
Nós ficamos um bom tempo, ali, de mãos dadas, olhando nos olhos um do outro. Trocando nossas últimas confidências silenciosas. Ela, então, num esforço tamanho, levou minha mão até o seu rosto e a beijou, com carinho. Suspirou profundamente. E, então, esboçou um leve sorriso. Apesar da tristeza que insistia em meu coração, eu intuí que se tratava de um momento muito especial. Com aquele beijo, com aquele leve sorriso, minha avó me dizia pela última vez o que nunca foi preciso de palavras para dizer.
Naquele instante, eu me transportei no tempo, e vi novamente o menino que corria ao terreno baldio, catava três florezinhas no mato, corria pra entrega-las, e saía às carreiras, envergonhado. Já naquele tempo, ela me sorria e consentia com os olhos. O silêncio desde então prescindia das três palavras, as mesmas que meu coração ouviu naquela noite em que nos olhamos pela última vez. Ainda hoje, é esse silêncio confortável que ameniza a minha saudade, pois quando em silencio é que ainda sou capaz de ouvir a sua voz doce a trazer paz e conforto ao meu coração.
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Fonte: http://obviousmag.org/




Questões de Agora: Drogas, Saúde Coletiva e Educação



Desde que, no contexto internacional, o cientista social estadunidense Howard Becker publicou a clássica obra Outsiders (que combina reflexão teórica e pesquisa empírica realizada com usuários de maconha e músicos de casas noturnas), os estudos sobre as drogas ganharam outras 'perspectivas metodológicas'. O livro de Becker é um marco, e nesse sentido realiza significativas mudanças de foco. Por exemplo, da 'ideia essencializada de crime' para o termo desvio (o que significa a existência de uma relação social); do realce no indivíduo para o foco nas relações (as quais geram regras e demandam o seu cumprimento); da ênfase na naturalização das regras ao enfoque na sua produção social, destacando os processos de imposição de rótulos pela sociedade dita 'normal' no que se refere a pessoas e comportamentos tidos como desviantes (do que seria o 'normal'). No Brasil, contudo, esse background esteve relativamente ausente nas discussões das ciências do campo do social - prova disso é que o livro só foi traduzido/veio a lume no país em 2008, 45 anos após a sua publicação. Pois bem, essa é uma das referências analíticas dos estudos e pesquisas que tenho coordenado/desenvolvido sobre as drogas, e cujo resultado neste ano de 2015, além de alguns papers, é a publicação do trabalho cuja capa aí acima está estampada, tendo como título 'Drogas, Saúde Coletiva e Educação: Conhecimentos para a Ação Formativa', viabilizado no âmbito de um projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Trabalho construído na estimável interação com a equipe e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Sociedade e Culturas (GEPEDUSC)/UFPB Litoral Norte - bolsistas, ex-bolsistas e colegas professores, bem como no diálogo com  amigos que, quando solicitados, não se furtaram em realizar a leitura do material e a fazer observações. A outra referência analítica do texto é oriunda do campo da saúde coletiva, considerando, por exemplo, a démarche da perspectiva bio-psico-social.  Em linhas gerais, procura-se fazer aquilo que, em boa parte das vezes, está ausente nas abordagens brasileiras sobre as drogas, isto é, traçar uma espécie de genealogia desse fenômeno, mostrando-o em suas diversas dimensões, como os aspectos que envolvem a sua dupla tipificação: drogas lícitas e ilícitas. Penso que esse é um enfoque fundamental para que se possa, no trato do assunto,  alcançar o objetivo para o qual o trabalho pretende contribuir, ou seja, compreender adequadamente esse fenômeno – sem preconceitos e (falsos) moralismos -, no sentido de, com conhecimento de causa, definir posições a seu respeito e ações (políticas, educativas, reguladoras, etc.) que a análise racional julgue necessárias. Por fim, no dia 15/12, a partir das 19h30, estaremos realizando na UFPB/Litoral Norte, na unidade de Mamanguape, uma discussão/palestra onde estarão sendo debatidas posições favoráveis e contrárias à descriminalização de drogas como a cannabis. 

Verdades secretas

Por Salem H. Nasser
(Professor de Direito Internacional da Fundação Getúlio Vargas)

Muitos dos males deste mundo começam quando o Ocidente resolve invadir algum país. Um ato terrorista é muitas vezes a desuclpa tida por apropriada, e conveniente.
Conta-se que, imediatamente após os ataques de 11 de Setembro, George W. Bush quis atacar o Iraque. Foi então lembrado, ou informado, de que não haveria como conectar convincentemente o fato e o país. Já com o Afeganistão a coisa era diferente e este foi invadido primeiro.
Mas não esqueceram o Iraque. Acusado de buscar obter armas de destruição em massa e também de apoiar o terrorismo, o país ganhou de presente a mudança de regime e a promessa de democracia que as bombas americanas carregariam.
A ocupação atraiu para o Iraque um contingente cada vez maior de islamistas radicalizados vindos engrossar as fileiras da insurgência. Entre outros, consolidou-se ali a chamada Al Qaeda no Iraque. Muitos elementos das forças armadas iraquianas desmobilizadas pelos americanos se juntaram ao grupo.
Em 2011, com a revolta síria em curso, a Al Qaeda no Iraque cruzou a fronteira, passou a se chamar Estado Islâmico no Iraque e no Levante e a combater as forças do governo ao lado de outros grupos de mesma inspiração radical e violenta.
O Estado Islâmico, o nome agora encurtado, indicando que já não pretendia circunscrever sua ação àquela região do mundo, tornou-se rapidamente o mais bem-sucedido grupo combatente no campo da chamada oposição, o mais espetacularmente violento, o mais hábil na manipulação da mídia e no recrutamento de novos combatentes, muitos vindos de países ocidentais.
Esse mesmo Estado Islâmico reivindicou a autoria dos ataques em Paris e é apenas por causa desses ataques que agora alguém conceberia uma invasão terrestre, improvável antes de 13 de novembro.
A lógica da coisa seria mais ou menos esta: os ataques teriam evidenciado a necessidade de derrotar esse grupo terrorista; os bombardeios aéreos não bastam a esse fim; se não se quer contar com as forças governamentais e seus aliados para empreender a luta em solo, seria então necessário colocar botas no chão.
O Ocidente intervém na crise síria desde o seu primeiro momento. E não me refiro aos bombardeios aéreos. As revoltas na Síria foram percebidas pelo Ocidente, assim que eclodiram, como uma oportunidade única de derrubar o regime. As justificativas oficiais são as nossas já conhecidas: exportar a democracia e combater o terrorismo que certos países patrocinariam.
A verdadeira razão, no entanto, era a vontade de mudar o alinhamento político da Síria no jogo regional e mudar o equilíbrio de forças, na região e no mundo.
Em nome desse objetivo, o Ocidente permitiu que o Estado Islâmico e outros grupos perigosos se fortalecessem, avançassem na conquista de territórios e continuassem a arregimentar seguidores.
Na esperança de derrubar o governo sírio, o Ocidente pareceu gozar um sono profundo que não lhe permitia enxergar o perigo. Só acordou quando o Estado Islâmico chegou às portas do Curdistão iraquiano, mas ainda assim só foi capaz de montar uma coalizão que empreende uma guerra de faz de conta, lançando aqui e ali um ataque aéreo.
Antes de conceber a invasão terrestre é preciso realmente querer derrotar o Estado Islâmico. E, se a vontade for real, pode-se começar por coisas mais simples como impedir que lhe cheguem fundos, armas e combatentes; que sejam fechados seus campos de treinamento; que se troque informações com os russos e com os sírios; e, sobretudo, que se busque honestamente uma solução política que ponha fim ao banho de sangue.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 28/11/2015. 
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Desabafo de um professor que deixou a universidade

Há um axioma oriental que diz que a incompreensão e o impeto para magoar, muitas vezes, são tão inerentes às pessoas como é o sal em relação às águas oceânicas. Então, por mais que se seja complacente para com elas, é bom ficar de sobreaviso.  A incompreensão e a rebordosa podem vir - talvez, por isso, Nick Cave tenha cantado que 'as pessoas não são boas'. E atualmente, em tempos de redes sociais, a linguagem subliminar e os recados disfarçados de postagens abundam. Novas 'formas de socialização'. É a vida, 'o que se há de fazer?', poder-se-á perguntar com Sérgio Godinho. Querer fazer a coisa certa - e ter a intenção de fazer o bem ao outro - pode ter um preço indesejado. E a 'questão do certo', diga-se, não tem a ver com 'transcendência religiosa', mas sim com 'humanismo concreto' (tratei desse assunto aqui: http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=533&doc=14847&mid=2). Estive a pensar nessas considerações após ler o texto aí abaixo, enviado por um amigo. São extratos do desabafo do prof. Éfrem Maranhão, que, por razões várias, resolveu pedir demissão da UFPB. Filho do ex-reitor da UFPE Éfrem de Aguiar Maranhão (que, cá entre nós, fez um dos melhores reitorados da instituição), ele não suportou muitas "peculiaridades da rotina" na UFPB (que, de resto, estão presentes em diversas outras universidades) e resolveu ir embora. Jovem estudioso, cedo concluiu a sua formação completa (graduação, mestrado e doutorado). Compreendo a sua decisão, e como a compreendo! Até porque, de determinada forma, já fiz o mesmo. Ele, contudo, resolveu desligar-se oficialmente da instituição universitária; eu, no entanto, continuo a acreditar, ainda, na universidade pública e na sua 'oxigenação'/transformação. Até penso que, nesse sentido, deveríamos começar superando a organização assente em departamentos - sim, é isso mesmo: o fim dos departamentos. Já há promissoras experiências nessa perspectiva. A conferir, a seguir, o desabafo do prof. Éfrem. Perde a UFPB; ganha, e muito, a nova esfera profissional para onde ele vai. 




Éfrem Maranhão Filho 

Um sonho de vários anos…
Não foi fácil. Pensar que sete anos de preparo — o último da graduação em ciência da computação, dois de mestrado e quatro de doutorado — com todos os seus percalços e difíceis decisões no caminho, transformar-se-ia por completo nos três anos e meio em que fui professor da UFPB.
Voltei para iniciativa privada e esse mundo de startups. Não sou um dropout abrindo uma startup e nem sai com algo promissor em vista, mas em busca de um propósito. Entretanto, é naquele ambiente o qual, na minha limitada visão, consigo pesquisar São ambientes realmente inovadores e com pessoas motivadas, e esses fazem o trabalho com gosto.
Ter a resiliência para concluir anos de dedicação só foi possível pelos bons conselhos que recebi no caminho, no qual muitos amigos/colegas ficaram. Não há arrependimento do mestrado e doutorado, pelo contrário, fiz em instituições relevantes — uma pública e outra privada — e foram estes anos os quais mudaram a minha forma de analisar e entender situações problemáticas. Infelizmente, a recompensa não foi a esperada por todo esforço e aqui explico os (principais) porquês de uma forma resumida.

Falta ensino e pesquisa… sobra politicagem
Reclamações diversas dos servidores — professores e técnicos — , porém pouca ação para mudar. A maior parte da energia gasta é por questões políticas. Eleições são sujas, desestimulantes e não baseadas em competência. Não se seguem as regras para os procedimentos administrativos — nem por bem nem por mal — e tudo vale, construções irregulares, liberação de professores, distribuição de cargas horárias, etc.
O fato de se ter estabilidade, todos podem falar o que querem sem sofrerem consequências. Isto poderia até ser uma coisa boa, porém, na prática, não é. Há liberdade para agressividades e intrigas completamente desnecessárias. O conselho que eu mais escutei foi “Dá tuas aulas e faz tuas coisas sem se envolver e toca teus projetos”. Não, não quero isso. Quando se faz isso, quem perde são os alunos, pois não há um professor dedicado, nem um bom profissional no mercado.

Não há incentivos
Quem está acostumado com outros ambientes de trabalho fora da área pública sabe a importância da meritocracia — com raras exceções naquela. Não existe meritocracia, aliás, não existe nem transparência. Conheci pouquíssimos professores dispostos a ter seus relatórios semestrais abertos aos colegas e nem pensar aos discentes. Ninguém sabe ao certo o que os professores fazem e como administram o seu tempo. De um lado, temos um professor o qual abandona a disciplina porque faltou com o compromisso, e do outro um o qual se matou para lecionar três/quatro disciplinas, pesquisar, publicar… pois é, progredirão na carreira igual.
É uma cultura organizacional que nivela “por baixo”. Fazer o mínimo possível para se continuar no emprego. Tem professor de administração que nunca foi administrador,  e nem precisa ser um excelente pesquisador. Não há professores profissionais da área em tempo parcial. Todos os departamentos querem professores com dedicação exclusiva — a lógica de ter um maior orçamento. Há exceção, entretanto são basicamente nos centros de Medicina e Direito — e claro, os motivos não são claros.

Professores despreparados/desmotivados
Quando se pensa que há milhares de professores com dedicação exclusiva, pensa-se que há excelência no ensino. Em todo o período que estive na UFPB, não vi professores motivados e com recursos necessários — falo de recursos de modo geral, desde o básico, como papel higiênico no banheiro. E isso, por si, só já seria um cenário terrível.
Não há reciclagem e nem uma preocupação no modo de ensino. No máximo é informar a necessidade do curso de mais concluintes e para isso, precisa que os alunos passem. Não precisa aprimorar o método, só ter mais alunos concluintes. Não é difícil perceber como isso é prejudicial à toda sociedade, infelizmente os alunos não percebem. Os professores reclamam do nível dos discentes, mas não percebem que são culpados de não mudarem essa percepção.

Alunos descompromissados
Além de professores despreparados e/ou descompromissados, os alunos sabem disso e tiram proveito. Felizmente, conheci algumas raras exceções ultimamente de cursos de imersões na área de tecnologia, como o caso do General Assembly e Galvanize, onde vi uma preocupação com a empregabilidade do aluno, óbvio, não são modelos perfeitos e possuem diversos problemas. Entretanto, em cursos menos concorridos de universidades federais é fácil imaginar a situação precária da educação do alunado.
Penso tais cursos como agentes  transformadores sociais, mas a dedicação dos alunos — e dos professores — é muito baixa para isso, e raras exceções realmente têm o compromisso com o seu aprendizado. E aqui não falo necessariamente de aulas — tal fato não é exclusividade das instituições públicas de ensino.

Ser acadêmico sempre
Não que eu queria deixar a vida acadêmica, pelo contrário. Gostaria de trabalhar em novos modos de ensino, porém não vejo como realizar tal atividade em universidades federais, as quais seguem engessadas e perdidas no tempo. Há tentativas de alguns — pouquíssimos — nobres professores que se dedicam ao ensino/pesquisa de uma forma apaixonante. Entretanto, ver-se, em sua maioria, pessoas acomodadas e preocupadas em aumentar seu rendimento.
Continuo “participativo” na UFPB através de um Laboratório de Transparência Pública — LABTRANSP —, que financiamos. É empolgante trabalhar com pessoas motivadas a aprender,  e que não querem apenas completar a disciplina e ter o diploma o mais rápido possível — novamente, problema em todas as instituições de ensino que conheço.
Como disse, não consegui me acomodar e pedi demissão . O que escutei - “você é louco por largar um emprego público em época de crise” - só me fez motivar ainda mais. Agora procuro descobrir, me envolver e começar novos projetos de ensino, principalmente de métodos analíticos e tecnologia da informação. Sempre focados na empregabilidade, autonomia e utilidade para a sociedade. Fico à disposição e sempre terei tempo para quem quiser discutir tais tópicos.





quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A existência que a cinza espalhou

Aproxima-se dezembro, o mês da partida do Tom. Tom Brasil. Tom Jobim. A ele, devemos o peculiar 'juízo' Brazil is not for beginners. Em tempos que a música nacional é invadida por uma onda de futilidades, faz falta.  Como a obra é o que eterniza o autor, voltamos a ele. Aí abaixo. 'Passarim'. A existência que a cinza espalhou. 


Futuro: vivendo a história sem saber a história que está a ser feita

Aí abaixo, um bom artigo de Carlos Melo (Prof. do Insper) sobre a conjuntura brasileira atual. Faço apenas duas considerações. Primeira, nas diversas traduções, a frase de Marx, por ele referida no artigo, aparece mais ou menos nos seguintes termos: os homens fazem a história, mas não a fazem sob circunstâncias da sua escolha. Segunda observação: não parece adequado, analiticamente, apanhar sobre o mesmo patamar questões que têm estatutos diferentes, ou seja, não parece apropriado nivelar as situações (e as responsabilidades) da presidente Dilma e do ex-presidente Lula. Isto posto, penso eu, vale a leitura. 'Mais uma flechada em São Sebastião? Claro que não. A coisa está mais para espancamento da historia'. A conferir. 

Por Carlos Melo 

Adivinhar o futuro é tarefa tão custosa quanto vã; mas o futuro não é a Deus que pertence. Ele é fruto do processo que se delineia sempiternamente, minuto a minuto no constante no presente. Mais ou menos, o que dizia o Velho Marx: “os homens fazem a história, mas não sabem a história que fazem”. O que será o destino do governo Dilma ou do ex-presidente Lula? Quem saberá dizer… só mesmo o processo é que permite indagar, como uma bola de cristal um tanto menos inconfiável, que esse destino não será nenhum pouco brilhante quando construído de todas estas sombras do agora.
Vistos com olhos de hoje, é impossível não admitir que Dilma e Lula estão metidos numa consistente e indesmentível enrascada. Não se trata de simples “armação da mídia” ou da estupefata, nefelibata e inofensiva oposição. A tergiversação de Lula não consegue omitir o óbvio: as justificadas prisões de José Carlos Bumlai e de Delcídio do Amaral desenham um abismo que olha para a atual e para o ex-presidente como que os convocando. Negar isto não implica apenas em “petismo” ou “torcida” ou teimosia, mas em remata da tolice.
A situação que estava distante de ser favorável ou caminhar para uma melhora – ler aqui “equilíbrio instável” –, evidentemente, piorou muito e aceleradamente. O nome dado à operação que colocou Bumlai atrás das grades – “Passe Livre” – é uma ironia não com o agora detento que, antes, tinha livre circulação nos Palácios de Luiz Inácio, mas com o próprio ex-presidente. Uma estocada indireta de quem já provoca, mas ainda não quer ir às vias de fato, já que, ao que parece, nos cálculos de Sérgio Moro e de sua turma, não é hora de um enfrentamento direto e em mar aberto contra Lula. Momento que chegará, pelo rumo dos ventos.
Dizem os mais crentes que isso tudo é irrelevante, que Lula é forte e os fatos apenas “mais uma flechada em São Sebastião”. Com efeito, São Sebastião morreu açoitado. E a quantidade de pancadas que o ex-presidente tem levado, a vulnerabilidade (inclusive familiar) a que tem sido exposto, não o fortalecem – nem adianta insistir com mitificações ou sofismas: a situação de Lula está longe de qualquer controle; a diminuição de sua densidade política é inegável; Lula está “despoderado” ou em processo de franco “despoderamento”. Nem mesmo sua base histórica — já não tão jovem e nem tão petista — parece acreditar em sua mitologia.
Com Dilma não é diferente. Seu governo não consegue encontrar saídas; nem mesmo o remédio amargo parece viável — quanto mais o doce ajuste com crescimento!!! Se um é impraticável pela política, o outro é improvável pela economia. O beco é escuro e as poucas luzes se apagam. Agora foi o caso de Delcídio do Amaral. Não é pouca coisa: o senador era ativo líder do governo; estava longe de ter papel decorativo. No processo de negociação parlamentar — já tortuoso e dificílimo –, possuía maior trânsito que qualquer outro líder (sic!) petista. Seu recolhimento forçoso e sua desmoralização não abrem lacuna, expressam-se num rombo na articulação do Planalto.
E se fosse apenas isso… Sua prisão, assim como a do banqueiro André Esteves, estabelece nova rodada de pânico. Ninguém é capaz de saber qual a decorrência disto; o que será “encontrado” nos arquivos, nos celulares, nas anotações. Se estarão dispostos a colaborar; quem será implicado; quais as ramificações de mais esta lambança em que meteram o país e, sim, o governo. O mínimo que se pode dizer de ambos é que são indivíduos muito (mas MUITO) bem relacionados; o grau e o raio de irradiação dessa fonte de energia é ainda imensurável. Quem estaria contaminado pelo contato? Delcídio, por exemplo, era das poucas pessoas a ter, ele também, uma espécie de “passe livre” com Dilma. O que pode resultar? É claro que esse futuro não cabe a Deus.
Como tenho assinalado, o país está condenado a uma crise crônica, com momentos de piora. Vive, no momento, mais uma fase aguda. O corpo sofre e a alma parece querer se libertar; já não estar nesse mundo. Mas, ninguém vai antes da hora. O timing é o da política e o processo é o da história. Vivemos a história, sem saber a história que está sendo feita.
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Fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/carlos-melo. Título original: 'História'. 

(I)maturidade



Há muito tempo na Índia, à beira do [rio] Ganges, o discípulo disse:
- Agora, Mestre, que o tempo passou, a minha idade avançou, estou pronto, tenho maturidade.
O mestre retrucou:
- Não.
Sem compreender , o discípulo indagou:
- Por quê?
O Mestre olhou-o fixamente e disse:
- Não é o fato de este rio [Ganges] existir durante tempos e tempos que o torna auspicioso.  As suas águas nada seriam sem o esforço da nossa ação e sem a inspiração de Shiva. Não confundas o passar dos anos, o envelhecer, com maturidade. Às vezes, os anos são apenas vento na cabeça das pessoas. Adultas na idade, mas infantes, imaturas e imprudentes de shupiran a loftiguei [janeiro a dezembro].

(Narrativas históricas hindus) 

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O ponto da situação: a política e o ruído das "lantejoulas"

Essa é de Eça de Queirós. Dizia ele que "não há nada mais ruidoso - e que mais vivamente se saracoteie com um brilho de lantejoulas - do que a política". Claro, aí vai uma imensa dose da boa e útil ironia. Pois bem, é difícil ficar indiferente diante dos últimos acontecimentos no Brasil e na América do Sul (eleição argentina). Mesmo tendo sobre a mesa uma "montanha" de trabalho, que vão das demandas de pesquisa do CNPq, passando pelas questões inerentes à docência e à emissão de pareceres diversos.  E também recebo mensagens pedindo uma manifestação a respeito conjuntura. Fazendo o ponto da situação então: 

1) Chamado à Polícia Federal o filho do ex-presidente Lula, preso um dos amigos que gozava da estrita intimidade do ex-presidente e detido também o senador Delcídio Amaral (um fato inédito), líder do governo no Senado da República, fazendo-lhe companhia na mesma operação um dos banqueiros mais influentes do Brasil. Juntar-se-ão a outros graúdos que já estão "guardados" (o senador, pela imunidade parlamentar que detém, terá mais possibilidade legal de reverter a prisão). O país vai acabar? Claro que não. Do que se trata é do funcionamento das instituições, de forma republicana. Desde sempre, ouvimos a tolice que debitava todos os vícios do Estado brasileiro em supostos problemas da herança ibérico-portuguesa, coisa essa que só encontra abrigo na ignorância, e que transfere, permanentemente, aos outros as causas dos problemas de si próprio.  Repetir isso, com o país sendo independente de Portugal há cerca de duzentos anos, não passa de asneira, e das grosas - além de representar um profundo desconhecimento da realidade lusitana (a propósito, registre-se que, por lá, recentemente, um ex-primeiro ministro foi preso). 

2) Então a prisão do senador é um golpe na Esquerda, e também golpeia a presidente Dilma? Pode-se começar indagando: qual Esquerda? Se por acaso se estiver a referir a segmentos que, lançando mão de velhos e novos populismos, inflavam o balão do lulismo, por certo, sim. A história do senador Delcídio é curiosa: ocupante de cargo de confiança na Petrobras no governo governo FHC, migrou do PSDB para o PT. A presidente Dilma é atingida? Não são poucos os que - até na oposição - reconhecem a integridade pessoal da presidente, e até agora, diga-se, nada há que a desabone. Portanto, demarcando-se dessas "trabalhadas" que foram "jogadas em seu colo", não parece que seja  pessoalmente atingida, embora o ocorrido seja mais um componente condimentar a crise política. 

3) A eleição argentina. Pondo-se de parte as versões que, majoritariamente, têm pautado a cobertura da comunicação social, não é de se supor que o governo Macri representará uma ruptura total com os 12 anos do kirchnerismo no país e será o farol de uma onda de extra-direita na América Latina. Quem pensa desse modo, não entende nada da realidade Argentina. O fenômeno do peronismo no país (que, em tese, foi derrotado) é algo que perpassa forças políticas diversas, e continuará sendo assim na administração Macri. A propósito, no fundo, há suspeitas de que Cristina preferiu a Macri, e não o candidato oficial do peronismo (solitariamente, no Brasil, apenas a jornalista Sylvia Colombo trouxe esse fato a lume, aqui: http://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/2015/11/23/e-cristina-ao-final-preferiu-macri/). Desconhecer essa complexidade política da pátria de Piazzolla é o mesmo que querer falar sobre música argentina sem conhecer sequer o tango de rua na Boca ou em San Telmo aos domingos. 





Nostalgia da luz

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Por Diego Montel

Dirigido pelo documentarista chileno Patricio Guzmán, Nostalgia da luz, que veio a ser lançado em julho de 2010, tem como cenário fulcral o descomunal deserto do Atacama, o lugar mais seco da terra. O documentário é, antes de mais nada, uma viagem através do tempo, já que percorre a arqueologia pré-colombiana, assim como os resquícios da ditadura Pinochet e da mesma forma mostra o trabalho astronômico.
A obra de Guzmán apresenta uma relação entre o objeto de estudo dos astrônomos, arqueólogos e historiadores, isto é, astronomia, arqueologia e história. Essa relação, apesar de apresentar diferenças - por exemplo, o passado estudado pelos arqueólogos é um passado mais distante do que o estudado pelos astrônomos -, se dá, certamente, pelo estudo da história. Porém, há em comum entre eles o fato de todos tirarem lições do passado e, por intermédio disso, construir um futuro melhor.
No que se diz respeito à ciência astronômica, o filme apresenta a análise de um cientista que, através de um telescópio gigante, estuda corpos celestes e, com isso, tenta de alguma maneira entender o presente e qual foi a bagagem deixada pelo passado. Semelhante a isso, Nostalgia da luz relata o difícil trabalho dos arqueólogos em encontrarem, dentro do deserto de Atacama, corpos de habitantes antigos, com o propósito de, assim como a astronomia e a história, conseguir respostas para o tempo presente.
Além disso, é importante ressaltar a história envolvida dentro da obra de Guzmán. De fato, a memória da pós-ditadura Pinochet ainda habita na mente da população que sofreu com a perde de seus familiares. Por conseguinte, a narrativa acontece no tempo presente de algo que, mesmo ultrapassado, continua na mente daqueles que ainda tentam buscar alguma resolução acerca do que já aconteceu. Assim se dá também a pesquisa de todos esses pesquisadores, portanto. 
É possível afirmar que o documentário é uma competência máxima de Guzmán, excelente para aqueles que anseiam um estudo mais profundo sobre as relações entre arqueologia, astronomia e história.



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Fonte: http://obviousmag.org/

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Apelo à inteligência humana


 Pierre Barbancey

Je suis actuellement en Irak. Ce pays qui a été démembré, ses communautés et ses confessions jetées les unes contre les autres, par une guerre voulue par les Etats-Unis en 2003. C'est sur ce terreau que s'est développé Daech, l'organisation de l'Etat islamique. Des terroristes soutenus et aidés par des pays comme le Qatar, la Turquie et l'Arabie saoudite. Trois pays aux liens privilégiés avec la France qui leur vend des armes.
Il faut pleurer les morts d'hier à Paris. Mais il faut aussi avoir en tête que les populations du Moyen-Orient vivent ce cauchemar au quotidien depuis des années.
La France officielle fait des guerres: Libye, Mali, Centrafrique, Irak... Toujours sous des prétextes humanitaires. Ce qui est un leurre. La guerre n'a jamais rien réglé, au contraire. 
La guerre ne peut pas toujours se regarder à la télévision. Si on accepte qu'elle ait lieu ailleurs, alors il faut s'attendre à ce qu'elle nous revienne dans la gueule un jour.
C'est pour cela qu'il faut la paix. Une politique internationale de la France dédiée à la paix, pas une politique de gendarme, vendeuse d'armes et de captation des richesses d'autres pays.
Le danger est grand de voir une partie de la France se tourner vers le Front national. Ce parti d'extrême-droite ne prône que la haine et le rejet de l'autre, qui tente de désigner comme bouc émissaire les musulmans. Des ingrédients pour que les drames comme celui que nous venons de connaître à Paris ne s'amplifient.
En souvenir des morts du 13 novembre, déjouons le plan de tous ceux qui voudraient nous dresser les uns contre les autres.
C'est un appel à l'intelligence humaine.
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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Carta para o passado-futuro

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Por Gustavo Galli 

Querido Eu,
A primeira coisa que você deve entender é que essa mulher que está na sua frente te olhando com toda essa felicidade nos olhos é a pessoa que você mais vai amar em toda a sua vida. Um fato curioso: ela vai te amar mais do que você a amará. E mais: ela te amará ainda mais do que ama a si mesma! Mas não tente entender o porquê, pois nem ela própria saberá. Somente saiba disso. Ah, mais uma coisa: pode chamar ela de mãe.
Você logo vai reparar que junto dela estará um homem que te olhará com o mesmo brilho nos olhos. É ele que vai te salvar das encrencas que você vai aprontar quando ficar mais velho. Pode chamar ele de pai. Juntos, essas duas pessoas vão ficar orgulhosas com qualquer coisa que você fizer. Eles estarão com você até o final de suas vidas, então cuide bem deles. Esse primeiro sentimento que você está experimentando chama-se Amor.
Mas não se preocupe com isso ainda. Aproveite todas essas pessoas que estão olhando para você. Repare como elas sorriem e acenam feito bobas através daquele vidro. Tire proveito desse carinho, porque isso só vai durar uns cinco anos.
Não estranhe o lugar em que você está. Essa ainda não é sua casa. Esse lugar se chama Hospital. Já vá se acostumando com o ambiente, porque você ainda vai voltar muitas vezes para um local assim durante sua vida, e muitas dessas vezes serão por culpa sua.
Daqui uns quatro anos, você conhecerá um lugar que você, a princípio, provavelmente não goste. Conhecerá outras pessoas da mesma idade e perceberá que você não gosta delas tanto assim. Essas pessoas se chamam Amigos. Você notará depois de uns anos que esses amigos farão muita diferença nos momentos difíceis que você certamente irá enfrentar. Quanto ao lugar, não deixe se importunar tanto. Ele se chama Escola e você passará uns vinte anos estudando. Vá se acostumando.
Pouco mais de uma década depois, você já estará acostumado com a Escola e até preferirá ficar nela do que na sua própria casa. Por volta dessa idade, você começará a perder facilmente a paciência com seus pais, e achará que eles só querem pegar no seu pé. Não é exatamente isso. Eles se preocupam com você e, agora que você está crescendo, a tendência é que eles fiquem cada vez mais “chatos”, ao seu ponto de vista. Isso não é nada além de preocupação. Vá se acostumando.
Mais alguns anos adiante, você testemunhará algumas mudanças estranhas que acontecerão em seu corpo. Relaxe, esse é um processo natural. Quando você se der conta, ele já terá passado. Nessa fase da vida, você vai descobrir uma coisa que vai afetar todo o resto da sua existência. Uma coisa que vai perturbar sua mente e abalar seus sentimentos de todas as formas possíveis. Você irá do inferno ao céu por causa dela, mas perceberá que é isso que incentivará cada vez mais que você viva intensamente. Ela é o tempero da vida e se chama Mulheres. As Mulheres vão te apresentar uma coisa que você já conhece: amor. Mas mais do que isso, você conhecerá uma coisa chamada Paixão. Aproveite cada minuto. A Paixão traz consigo altos e baixos, e é isso que te cativará. Você se apaixonará por muitas das mulheres, então entenda que nenhum rompimento será o fim do mundo. Talvez você aprenda isso depois de uns anos. Vá se acostumando.
Junto com essas novas descobertas, você conhecerá alguns pontos nem tão legais de serem lidados num primeiro momento. Um deles se chama Responsabilidade. Seus pais vão falar muito sobre ela, mas você terá que entender por si próprio seu real significado. Espero sinceramente que você aprenda.
Por volta dessa etapa, você começará a trabalhar, e talvez a cursar alguma faculdade. Nessa fase de sua vida, eles te darão números. Você terá que decorar senhas, terá que pagar alguns pequenos impostos e terá que fazer algumas coisas que não te agradam, mas que são necessárias: acordar cedo, por exemplo. Essa é a famosa Responsabilidade que sua mãe falou alguns anos atrás. Vá se acostumando.
Certifique-se de trabalhar fazendo algo que goste: você passará grande parte da sua vida fazendo isso. Em paralelo, faça atividades que te desenvolvam pessoal, profissional, cultural e espiritualmente. Nunca pare de evoluir. Nunca pare de aprender.
Chegaremos então a um ponto onde você se dará conta de como o tempo passou rápido. Você estará casado. É você que estará olhando um bebê nascer. Você notará que tomou o lugar de seu pai, e que agora o pai coruja é você. “Como pode ter acontecido tão rápido?” você se perguntará. É melhor perceber que, daí pra frente, o tempo tenderá a passar cada vez mais rápido. Tome cuidado.
Alguns anos depois e seus filhos já estarão crescendo. Eles irão para a escolinha assim como você mesmo o fez. Lembra-se como odiava? Seja paciente e sempre se coloque no lugar deles. Você provavelmente se impressionará em como eles crescem rápido. Sua filha, que antes estava na maternidade, já estará trazendo o namorado da escola para te conhecer. Seu filho já estará dirigindo seu carro e agora é você quem o livrará das encrencas que aprontar. Você olhará para sua esposa e se dá conta do quão importante ela foi em todo esse tempo ao seu lado. Se perguntará se teria chegado tão longe se não fosse por ela. Agora você começará a entender que a vida é um ciclo, e quando você menos esperar, surgirão...
Netos! Já é a segunda vez que você está na maternidade. A segunda vez que é você que está atrás do vidro acenando. E junto com os netos, chegam os cabelos brancos. Você perceberá que está na sua fase final da vida, e é aí que você se perguntará: “fiz tudo o que eu queria? Tudo que fiz, fiz do jeito que eu queria?” A sombria resposta pode ser “não”, e é por isso que eu estou lhe escrevendo.
Enfim, é chegada a minha hora de partir, e a sua hora de surgir. Espero que tenha lido tudo com atenção e que tenha entendido que a vida é comprida, mas passa rápido demais. 
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Fonte: http://obviousmag.org/